quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - XXVII Semana - Terça-feira - 06.10.2015


Lectio

Primeira leitura: Jonas 3, 1-10

A palavra do Senhor foi dirigida pela segunda vez a Jonas, nestes termos: 2«Levanta-te e vai a Nínive, à grande cidade e apregoa nela o que Eu te ordenar.» 3Jonas levantou-se e foi a Nínive, segundo a ordem do Senhor. Nínive era uma cidade imensamente grande, e eram precisos três dias para a percorrer. 4Jonas entrou na cidade e andou um dia inteiro a apregoar: «Dentro de quarenta dias Nínive será destruída.» 5Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, ordenaram um jejum e vestiram-se de saco, do maior ao menor. 6A notícia chegou ao conhecimento do rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou o seu manto, cobriu-se de saco e sentou-se sobre a cinza. 7Em seguida, foi publicado na cidade, por ordem do rei e dos príncipes, este decreto: «Os homens e os animais, os bois e as ovelhas não comam nada, não sejam levados a pastar nem bebam água. 8Os homens e animais cubram-se de roupas grosseiras, e clamem a Deus com força; converta-se cada um do seu mau caminho e da violência que há nas suas mãos. 9Quem sabe se Deus não se arrependerá e acalmará o ardor da sua ira, de modo que não pereçamos?» 10Deus viu as suas obras, como se convertiam do seu mau caminho, e, arrependendo-se do mal que tinha resolvido fazer-lhes, não lho fez.

Reconduzido ao ponto de partida pelo peixe, Jonas escutou novamente a voz de Deus: «Levanta-te e vai a Nínive, à grande cidade e apregoa nela o que Eu te ordenar» (v. 2). Depois do sucedido, Jonas não ousa objectar e vai para onde o Senhor o envia e apregoa a destruição da grande cidade de Nínive. A descrição da cidade é certamente exagerada, como tudo no livro de Jonas. A palavra “grande” aparece 14 vezes na narrativa. A ordem do rei que impõe penitência aos próprios animais é também exagerada. Os próprios «quarenta dias» de pregação (v. 4) não têm valor matemático mas simbólico, significando o tempo necessário para completar uma acção ou uma obra.
Nínive, contra o que era de esperar, converte-se. E Deus também tem que mudar de opinião e não castigar a cidade. O Deus de Israel está disposto a mudar as suas decisões mesmo quando alguém, que está muito longe d´Ele pela fé e pela vida, decide converter-se, mudar de vida. Deus é misericordioso, não só para com Israel, mas também para com todos os povos. O Deus de Israel é o Deus de todos os povos. Se salvou Israel, é para, com ele, salvar a todos. Este discurso era sem dúvida dirigido aos grupos mais sectários de Israel. Um discurso sempre actual.


Evangelho: Lucas 10, 38-42

Naquele tempo, 38Continuando o seu caminho, Jesus entrou numa aldeia. E uma mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. 39Tinha ela uma irmã, chamada Maria, a qual, sentada aos pés do Senhor, escutava a sua palavra. 40Marta, porém, andava atarefada com muitos serviços; e, aproximando-se, disse: «Senhor, não te preocupa que a minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe, pois, que me venha ajudar.» 41O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; 42mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.»

Este texto foi usado ao longo dos séculos para “justificar” a vida activa, figurada em Marta, e a vida contemplativa, figurada em Maria. Mas, mais importante que os dois estados de vida, são as duas atitudes interiores.
Jesus vai a caminho de Jerusalém, rumo à consumação do mistério pascal da nossa salvação: «continuando o seu cami­nho, Jesus entrou» (v. 38). Em Betânia, entra em casa de Lázaro, onde Marta, irmã de Maria e de Lázaro, faz as honras da casa. Mas parece que estavam só as duas irmãs. Por isso, a entrada de Jesus na casa é um gesto audacioso. Na verdade, para Ele, «já não conta ser judeu ou grego, homem ou mulher»; o que conta é ser «nova criatura» que, na relação com Ele, se afirma (cfr. Gal 6, 15).
Marta acolhe Jesus; Maria senta-se a seus pés e escuta a palavra. Aqui, a atenção não está centrada em Jesus que fala, mas na “mulher-verdadeira-discípula” acocorada a seus pés e esquecida de tudo quanto não seja Ele e a sua palavra. Marta, pelo contrário, «andava atare­fada» (v. 40), em grande tensão, quase diríamos, alienação, com o que havia para fazer. Então, com alguma petulância, como se pode entrever numa tradução literal do v. 40: «adiantando-se» ou, mais rigorosamente, «pondo-se por cima», Marta perturba a quieta contemplação das palavras de Jesus e da escuta de Maria. Marta quase acusa Jesus de não ligar atenção e interesse aos seus serviços.
É então que Jesus aproveita a ocasião para repreender, não o útil serviço que Marta está a prestar, mas a excessiva inquietação e preocupação que lhe marcam negativamente o agir. Já noutra ocasião Jesus dissera: não vos preocupeis com o que haveis de vestir, ou comer, ou com qualquer outra coisa (cfr. Mt 6, 25-34). Mas a escolha de Maria foi acertada, porque deu atenção à única coisa que interessa, isto é, à escuta da Palavra. É a melhor parte que não será tirada a quem ama.


Meditatio

O encontro com Deus e com a sua Palavra permite-nos compreender a sua misericórdia e a sua compaixão. Jonas não obedeceu a Deus, não acolheu a sua vontade de misericórdia e de salvação em relação a Nínive porque, em vez de frequentar a Deus e escutar a sua Palavra, se deixou envolver pelo ambiente em que vivia e pelas opiniões dominantes no mesmo. Um contacto superficial com a Palavra de Deus permite-nos reestruturá-la à medida dos nossos gostos e dos nossos critérios. Mas um contacto profundo com a Palavra de Deus desestrutura-nos, faz-nos entrar nos critérios de Deus. Por isso, é necessário fazer-nos discípulos, desarmados e devotos, dispostos a render-nos à Palavra e não a domesticá-la. 
Como Jonas se esforça por encontrar as suas próprias soluções, também nós queremos procurar as nossas, quando não recebemos Jesus como hóspede e Senhor da nossa vida. Ao escutarmos o evangelho de hoje, provavelmente sentimos uma certa pena por não sermos como Maria, sentados aos pés de Jesus, dando-Lhe toda a nossa atenção, escutando a sua palavra. Mas certamente já nos demos conta de que, quando temos ocasião para isso, por exemplo durante um retiro, preferimos assumir a atitude de Marta, ou até arranjamos mil pretextos para nos distrairmos … Por outro lado, quando andamos agitados como Marta, desejamos ocasiões para assumirmos o papel de Maria. Isso quer dizer que procuramos satisfazer o nosso egoísmo, e que o papel de Maria, mais do que para escutar Jesus, só nos agrada pelo sossego que proporciona...
Quem quer ser fiel ao Senhor aproveita todos os momentos para estar com Ele, escutando a sua Palavra, mesmo no meio de muito trabalho. Há pessoas muito activas, permanentemente a correr de um trabalho para outro, mas interiormente em paz, em secreta contemplação, porque têm o coração junto do Senhor. Pensemos no Papa João Paulo II… Por isso, fazem o que têm a fazer com total tranquilidade, servindo serenamente a Deus e ao próximo.


Oratio

Senhor Jesus, ajuda-me a ser fiel à tua Palavra. Que jamais me deixe sufocar pelo rumor do ambiente e pelas opiniões dominantes, mas obedeça docilmente à tua voz e realize todas as missões que me quiseres confiar. Que jamais caia na tentação de me buscar a mim mesmo, seja no repouso seja na actividade, para poder usufruir da tranquilidade da união Contigo em todas as acções, em todas as circunstâncias. Amen.


Contemplatio

Santa Madalena é o modelo de um amor sincero e verdadeiro, saído do mais perfeito arrependimento. Desde o momento da sua conversão, Madalena é generosa. Ela lança-se aos pés de Nosso Senhor, derrama abundantes lágrimas, afronta o respeito humano, consagra a Nosso Senhor perfumes de um grande preço. É já uma alma amante. Dá-se sem reservas a Nosso Senhor, e doravante o seguirá, fielmente o servirá. Nosso Senhor é tudo para ela. Mantém-se aos seus pés e é tudo. Em Betânia, não se agita para servir Nosso Senhor, contempla-o, escuta-o. Quem tem Jesus tem tudo. Quando Lázaro morre, que fé e que confiança ela testemunha! Marta agita-se ainda e Maria diz somente: «Mestre, se aqui tivésseis estado, ele não estaria morto». Marta e Maria são ambas amantes, mas testemunham o seu amor de um modo diferente: Marta é activa e Maria é contemplativa. Ambas são nossos modelos, devemos todos unir a contemplação à acção. (Leão Dehon, OSP 4, p. 81).


Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a palavra: 
«Jesus amava Marta e Maria!» E ama-me a mim!
 


Fonte http://www.dehonianos.org/

Tempo Comum - Anos Ímpares - XXVII Semana - Segunda-feira - 05.10.2015


 
Lectio

Primeira leitura: Jonas 1, 1 – 2, 1.11

A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas, filho de Amitai, nestes termos: 2«Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia-lhe que a sua maldade subiu até à minha presença.» 3Jonas pôs-se a caminho, mas na direcção de Társis, fugindo da presença do Senhor. Desceu a Jafa, onde encontrou um navio que partia para Társis; pagou a sua passagem e embarcou nele para ir com os outros passageiros a Társis, longe da presença do Senhor.4Porém, o Senhor fez vir sobre o mar um vento impetuoso, e levantou no mar uma tão grande tempestade que a embarcação ameaçava despedaçar-se. 5Cheios de medo, os marinheiros puseram-se a invocar cada um o seu deus e alijaram ao mar toda a carga do navio para, assim, o aliviar. Entretanto Jonas tinha descido ao porão do navio e, deitando-se ali, dormia profundamente. 6O capitão do navio foi ter com ele e disse-lhe: «Dormes? Que fazes aqui? Levanta-te, invoca o teu Deus, a ver se porventura se lembra de nós e nos livra da morte.» 7Em seguida disseram uns para os outros: «Vinde e deitemos sortes, para sabermos quem é a causa deste mal.» Lançaram sortes, e a sorte caiu sobre Jonas. 8Disseram-lhe então: «Diz-nos porque nos aconteceu este mal. Qual é a tua profissão? Donde vens? Qual a tua terra e a que povo pertences?» 9Ele respondeu-lhes: «Sou hebreu e adoro o Senhor, Deus do céu, que fez os mares e a terra.» 10Então, aqueles homens ficaram possuídos de grande medo, e disseram-lhe: «Porque fizeste isto?» Com efeito, compreenderam, ao ouvir a confissão de Jonas, que ele fugia do Senhor. 11Disseram-lhe: «Que te havemos de fazer para que o mar se nos acalme?» De facto, o mar estava cada vez mais embravecido. 12Ele respondeu-lhes: «Pegai em mim e lançai-me ao mar, e o mar se acalmará, porque por minha causa é que vos sobreveio esta grande tempestade.» 13Os homens remavam para ver se conseguiam ganhar a terra, mas em vão, porque o mar cada vez se embravecia mais contra eles. 14Então clamaram ao Senhor, dizendo: «Senhor, não nos faças perecer por causa da vida deste homem, nem nos tornes responsáveis do sangue inocente, porque Tu, ó Senhor, fizeste como foi do teu agrado.» 15Depois pegaram em Jonas e lançaram-no ao mar; e a fúria do mar acalmou-se. 16Então, estes homens temeram o Senhor; ofereceram um sacrifício ao Senhor e fizeram-lhe votos. 1O Senhor fez com que ali aparecesse um grande peixe para engolir Jonas; e Jonas esteve três dias e três noites no ventre do peixe. 11Então, o Senhor ordenou ao peixe e este vomitou Jonas em terra firme.

O livro de Jonas é o único que se encontra integralmente no Leccionário, com excepção da oração do capítulo 21. Este livro é uma narrativa didáctica, nascida num contexto judaico, em que, por um lado, se pretende defender ciosamente a própria identidade, e, por outro, alguns querem permanecer fechados aos outros povos. O livro de Jonas, com uma narrativa paradoxal e humorística, ridiculariza essa mentalidade nacionalista e exclusivista, para afirmar que o Deus de Israel é também o Deus de todos os povos, mesmo dos inimigos do povo, como era o caso da Assíria, cuja capital era Nínive. O profeta, que representa a mentalidade fechada do judaísmo, é precisamente enviado a essa cidade inimiga, para a convidar à conversão. Tenta escapar, fugindo na direcção oposta, rumo às Colunas de Hércules, o mais longe possível da cidade detestada. Mas Deus sabe como vencer a resistência do profeta, que apesar da tua teimosia, volta a encontrar-se no lugar de partida.
Notemos que os marinheiros pagãos são apresentados como bons homens, que temem ao Senhor. É com repugnância e muita dificuldade que sacrificam o profeta. Também entre os pagãos há gente boa, disposta a acolher os sinais que vêm de Deus. Pelo contrário, entre o Povo de Deus, nem todos se comportam bem, como acontece com o próprio Jonas.


Evangelho: Lucas 10, 25-37

Naquele tempo, 25Levantou-se um doutor da Lei e perguntou-lhe, para o experimentar: «Mestre, que hei-de fazer para possuir a vida eterna?» 26Disse-lhe Jesus: «Que está escrito na Lei? Como lês?» 27O outro respondeu: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.» 28Disse-lhe Jesus: «Respondeste bem; faz isso e viverás.» 29Mas ele, querendo justificar a pergunta feita, disse a Jesus: «E quem é o meu próximo?» 30Tomando a palavra, Jesus respondeu: «Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto. 31Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote que, ao vê-lo, passou ao largo. 32Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante. 33Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. 34Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. 35No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo: ‘Trata bem dele e, o que gastares a mais, pagar-to-ei quando voltar.’ 36Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?» 37Respondeu: «O que usou de misericórdia para com ele.» Jesus retorquiu: «Vai e faz tu também o mesmo.»

Jesus vai a caminho de Jerusalém. Um judeu faz-lhe uma pergunta armadilhada: que devo fazer para alcançar a vida eterna? Jesus responde com outra pergunta que conduz o doutor à própria lei de Moisés. Que está escrito nela? O homem lembra o preceito do amor, tal como estava formulado em Dt 6, 3: «Amarás ao Senhor, teu Deus… e ao teu próximo como a ti mesmo» (v.27), e que os israelitas recitavam todos os dias, acrescentando o preceito do amor do próximo, tal como está expresso no Lv 19, 18.
O legalista, vendo a sua síntese aprovada por Jesus, acrescenta outra pergunta armadilhada: «quem é o meu próximo?» (v. 29). Pensando que, no Antigo Testamento, “próximo” era apenas o israelita e, mais tarde, o imigrado que se tinha inserido na comunidade israelita (cf. Lv 19, 33s.); pensando que, no tempo de Jesus, o «próximo» estava limitado ao membro da própria seita (fariseus, zelotas, etc.), compreendemos a força inovadora que se solta da parábola contada por Jesus. O Senhor não dá uma resposta teórica. Conta uma parábola que ia ao encontro da experiência dos ouvintes, que deviam estar lembrados de acontecimentos idênticos ao narrado por Jesus.
O cenário também é importante: a estrada que, de Jerusalém (situada a 740 metros acima do nível do mar), leva a Jericó (situada a 350 metros abaixo do nível do mar), desenha um percurso cheio de curvas e contracurvas, de gargantas e ravinas, onde facilmente se escondiam salteadores. A acção é animada e forte: o homem agredido, dilacerado e a sangrar é visto por um sacerdote e um levita, que passam ao largo. Finalmente aparece o protagonista da parábola: um samaritano, mestiço, bastardo e herético, que cuida do ferido. Jesus compraz-se na descrição das acções deste homem malvisto pelos judeus. Cheio de compaixão, aproxima-se do homem caído, desinfecta-lhe as feridas com vinho, minora-lhe as dores com azeite, e leva-o para a estalagem onde, à sua custa, o faz curar.
Jesus faz mais uma pergunta: «Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem» (v. 36). Está aqui o centro da narrativa. Quando Jesus diz ao doutor: «Vai e faz tu também o mesmo» (v. 37), desloca totalmente o centro da questão. Não se trata de saber quem é o nosso próximo, porque toda a criatura humana o é; trata-se, isso sim, de saber como nos tornamos próximo do outro. Quem manifesta a sua compaixão em acções concretas em favor de quem precisa, esse é verdadeiro discípulo de Deus porque «se faz próximo» do homem.


Meditatio

As leituras de hoje estão cheias de movimentos que nos envolvem. Jonas foge para não ir a Nínive, como Deus lhe tinha ordenado. Mas, fugindo aos ninivitas, foge de Deus. Quando vezes também eu fujo à missão que Deus me confia, alegando determinadas motivações e as dificuldades do mundo de hoje, tais como a indiferença da juventude, o desmesurado poder dos mass media, a secularização, o fenómeno da globalização e tantas outras questões bem afastadas da lógica de Jesus. Mas fugindo à missão, afasto-me de Deus. 
No evangelho, o sacerdote e o levita também fogem do homem caído à beira do caminho. E não encontraram a Deus. O samaritano, pelo contrário, aproxima-se do ferido e abandonado, cuida dele e torna-se disponível. E encontra a Deus, porque «sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). 
Visto de outro ponto de vista, aquele samaritano, que usa de misericórdia para com o homem caído à beira da estrada, é Deus que se faz próximo do homem, numa dinâmica de amor e de misericórdia. Deus é o Bom Pastor, que procura a ovelha perdida para a reconduzir ao redil, é o Pai que corre ao encontro do filho perdido que regressa, é o Samaritano que se inclina sobre o homem caído, é Jesus que morre na cruz por nosso amor. Deus é assim, e não quer uma religião que nos afaste dos outros, na tentativa de nos protegermos de certos contágios, de uma religião em que o primado não pertença à caridade.
O convite de Jesus - «Vai e faz tu também o mesmo» - é dirigido a cada um de nós. Seria uma boa tradução para o «Ite missa est», pronunciado no fim de cada eucaristia, memorial da morte e ressurreição do Senhor, memorial do seu amor sem reservas nem limites: «Vai e faz tu também o mesmo»; dá-te, entrega-te por amor ao serviço de Deus e ao serviço dos homens, particularmente dos “caídos” à beira dos caminhos da vida, sê uma eucaristia permanente para glória e alegria de Deus, para bem e salvação da humanidade.
Jonas, lançado ao mar e engolido pelo peixe, é reconduzido à praia. Mas, entre um e outro acontecimento, dirige a Deus uma oração que não vem no texto, mas reencontramos no salmo responsorial: «Na minha aflição invoquei o Senhor e Ele respondeu-me. Da morada dos mortos clamei por socorro e ouviste a minha voz» (Jn 2, 3). É um elemento muito importante, porque, sem oração, não é possível abrir-se à graça, passar do egoísmo preocupado consigo mesmo, com a própria vida, com a própria reputação, para o amor que se faz próximo de quem precisa, a exemplo de Jesus, o Bom Samaritano da humanidade.


Oratio

Senhor Jesus, conheces a minha fraqueza, os meus temores, a minha pusilanimidade. Mas nem por isso me dispensas de colaborar no teu projecto de salvação. Dá o teu Espírito de coragem e fortaleza, de atrevimento e zelo, para que, não só não fuja de Ti ou da missão que me confias, mas Te procure com afinco e me entregue com total disponibilidade. Que jamais despreze aqueles a quem me queres enviar. Que jamais engrandeça as dificuldades do meu ministério, para me desculpar da pouca criatividade, do pouco zelo que nele ponho. Dá-me a tua luz, para que reconheça o meu próprio pecado, possa converter-me e trabalhar generosamente na conversão dos meus irmãos. Amen.


Contemplatio

É certo que Nosso Senhor quis descrever-se a si mesmo sob os traços do bom samaritano. Quis revelar-nos sob esta parábola toda a bondade e a compaixão do seu Coração. E se foi o bom samaritano na sua vida mortal semeando por toda a parte os seus cuidados, as suas consolações, socorrendo e curando todos os feridos e os doentes, não endureceu o seu Coração na Eucaristia. Está lá com a mesma bondade, a mesma ternura por aqueles que sofrem. E diz ainda: «Vinde a mim, vós todos que penais e sofreis, e eu vos aliviarei». Irei ter com ele, mostrar-lhe-ei as minhas chagas, as chagas espirituais sobretudo. Ele pôr-lhes-á óleo que adoça e o vinho que cauteriza. Aliviar-me-á, estou seguro. Vede, Senhor, em que estado me reduziram as tentações da carne, do mundo e do demónio, revelai-me, curai-me. (Leão Dehon, OSP 3, p. 642)


Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
«Vai e faz tu também o mesmo.» (Lc 10, 37).


Fonte http://www.dehonianos.org/

27º Domingo do Tempo Comum - Ano B - 04.10.2015


ANO B
27º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Tema do 27º Domingo do Tempo Comum

As leituras do 27º Domingo do Tempo Comum apresentam, como tema principal, o projecto ideal de Deus para o homem e para a mulher: formar uma comunidade de amor, estável e indissolúvel, que os ajude mutuamente a realizarem-se e a serem felizes. Esse amor, feito doação e entrega, será para o mundo um reflexo do amor de Deus.
A primeira leitura diz-nos que Deus criou o homem e a mulher para se completarem, para se ajudarem, para se amarem. Unidos pelo amor, o homem e a mulher formarão “uma só carne”. Ser “uma só carne” implica viverem em comunhão total um com o outro, dando-se um ao outro, partilhando a vida um com o outro, unidos por um amor que é mais forte do que qualquer outro vínculo.
No Evangelho, Jesus, confrontado com a Lei judaica do divórcio, reafirma o projecto ideal de Deus para o homem e para a mulher: eles foram chamados a formar uma comunidade estável e indissolúvel de amor, de partilha e de doação. A separação não está prevista no projecto ideal de Deus, pois Deus não considera um amor que não seja total e duradouro. Só o amor eterno, expresso num compromisso indissolúvel, respeita o projecto primordial de Deus para o homem e para a mulher.
A segunda leitura lembra-nos a “qualidade” do amor de Deus pelos homens… Deus amou de tal forma os homens que enviou ao mundo o seu Filho único “em proveito de todos”. Jesus, o Filho, solidarizou-Se com os homens, partilhou a debilidade dos homens e, cumprindo o projecto do Pai, aceitou morrer na cruz para dizer aos homens que a vida verdadeira está no amor que se dá até às últimas consequências. Ligando o texto da Carta aos Hebreus com o tema principal da liturgia deste domingo, podemos dizer que o casal cristão deve testemunhar, com a sua doação sem limites e com a sua entrega total, o amor de Deus pela humanidade.


LEITURA I – Gn 2,18-24

Leitura do Livro do Génesis

Disse o Senhor Deus:
«Não é bom que o homem esteja só:
vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele».
Então o Senhor Deus, depois de ter formado da terra
todos os animais do campo e todas as aves do céu,
conduziu-os até junto do homem,
para ver como ele os chamaria,
a fim de que todos os seres vivos fossem conhecidos
pelo nome que o homem lhes desse.
O homem chamou pelos seus nomes
todos os animais domésticos, todas as aves do céu
e todos os animais do campo.
Mas não encontrou uma auxiliar semelhante a ele.
Então o Senhor Deus fez descer sobre o homem
um sono profundo
e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma costela,
fazendo crescer a carne em seu lugar.
Da costela do homem o Senhor Deus formou a mulher
e apresentou-a ao homem.
Ao vê-la, o homem exclamou:
«Esta é realmente osso dos meus ossos e a minha carne.
Chamar-se-á mulher, porque foi tirada do homem».
Por isso, o homem deixará pai e mãe,
para se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne.

AMBIENTE

O texto de Gn 2,4b-3,24 – conhecido como relato jahwista da criação – é, de acordo com a maioria dos comentadores, um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante, colorido, pitoresco. Parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e fortes. Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem jornalística de acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade do autor não é científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como o mundo e o homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do homem está Jahwéh. Trata-se, portanto, de uma página de catequese e não de um tratado destinado a explicar cientificamente as origens do mundo e da vida.
Para apresentar essa catequese aos homens do séc. X a.C., os teólogos jahwistas utilizaram elementos simbólicos e literários das cosmogonias mesopotâmicas (por exemplo, a formação do homem “do pó da terra” é um elemento que aparece sempre nos mitos de origem mesopotâmicos); no entanto, transformaram e adaptaram os símbolos retirados das narrações lendárias de outros povos, dando-lhes um novo enquadramento, uma nova interpretação e pondo-os ao serviço da catequese e da fé de Israel. Ou seja: a linguagem e a apresentação literária das narrações bíblicas da criação apresentam paralelos significativos com os mitos de origem dos povos da zona do Crescente Fértil; mas as conclusões teológicas – sobretudo o ensinamento sobre Deus e sobre o lugar que o homem ocupa no projecto de Deus – são muito diferentes.
O texto que nos é hoje proposto como primeira leitura situa-nos no “jardim do Éden”, um espaço ideal onde Deus colocou o homem que criou, um ambiente de felicidade material onde todas as exigências da vida humana estavam satisfeitas. É um lugar de água abundante e com muitas árvores (para quem sentia pesar sobre si a ameaça do deserto árido, o ideia de felicidade seria um lugar com muita água, um clima de frescura, um ambiente de árvores e de verdura abundante). O homem tinha, então, tudo para ser feliz? Ainda não. Na perspectiva do catequista jahwista, o homem não estava plenamente realizado, pois faltava-lhe alguém com quem compartilhar a vida e a felicidade. O homem não foi criado para viver sozinho, mas para viver em relação. É esse problema que Deus, com solicitude e amor, vai resolver…

MENSAGEM

Depois de criar o homem e de o colocar no “jardim” da felicidade, Deus constatou a solidão do homem e quis dar-lhe solução. Como?
Num primeiro momento, Deus fez desfilar diante do homem “todos os animais do campo e todas as aves do céu”, a fim de que o homem os chamasse “pelos seus nomes” (vers. 19). Segundo as ideias vigentes no Médio Oriente antigo, o facto de “dar um nome” era, antes de mais, um acto de domínio e de posse. Por outro lado, o facto de Deus ter trazido os animais para que o homem lhes desse um nome era, na perspectiva do catequista jahwista, o reconhecimento por parte de Deus da autonomia do homem e a associação do homem à obra criadora e ordenadora de Deus. A autoridade sobre os outros seres criados e a associação do homem à obra criadora de Deus responderá ao desejo de felicidade completa que o homem sente e resolverá o problema da sua solidão? Não. O homem não encontrou, nesse mundo animal que Deus lhe confiou, “uma auxiliar semelhante a ele” (vers. 20). Por muito rico e desafiador que fosse esse mundo novo que lhe foi apresentado, o homem não encontrou aí a ajuda e o complemento que esperava. Para que o homem se realize completamente, Deus vai intervir de novo.
A nova acção de Deus começa com um “sono profundo” do homem. Depois, Deus, actuando como um hábil cirurgião, tirou parte do corpo do homem (o texto fala da “zela'“, que se tem traduzido como “costela”; contudo, a palavra pode significar “lado” ou “costado”) e com ela fez a mulher (vers. 21-22). Porquê o “sono profundo” do homem”? Porque, de acordo com a concepção do autor jahwista, criar era segredo de Deus e o homem não podia testemunhar esse momento solene e misterioso; restava-lhe admirar a criação de Deus e adorá-l’O pelas suas obras admiráveis… Depois de ter “construído” a mulher, Jahwéh acompanha-a à presença do homem. A mulher é aqui apresentada como uma noiva conduzida à presença do noivo e Deus como o “padrinho” desse noivado. O homem, desperto do “sono profundo”, acolhe a mulher com um grito de alegria e reconhece-a como a companhia que lhe fazia falta, o seu complemento, o seu outro eu: “Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne” (vers. 23a). O homem (vers. 23b) dá à sua companheira o nome de “mulher” (em hebraico: 'ishah) porque foi tirada do homem (em hebraico: 'ish). A proximidade das duas palavras sugere a proximidade entre o homem e a mulher, a sua igualdade fundamental em dignidade, a sua complementaridade, o seu parentesco.
O nosso texto termina com um comentário que não é de Deus, nem do homem, nem da mulher, mas do catequista jahwista: “por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne” (vers. 24). Este comentário pretende ser a resposta a uma questão bem concreta: de onde vem essa força poderosa que é o amor e que é mais forte do que o vínculo que nos liga aos próprios pais? Para o catequista jahwista, o amor vem de Deus, que fez o homem e a mulher de uma só carne; por isso, homem e mulher buscam essa unidade e estão destinados, fatalmente, a viver em comunhão um com o outro.

ACTUALIZAÇÃO

• “Não é bom que o homem esteja só”. Estas palavras, postas pelo autor jahwista na boca de Deus, sugerem que a realização plena do homem acontece na relação e não na solidão. O homem que vive fechado em si próprio, que escolhe percorrer caminhos de egoísmo e de auto-suficiência, que recusa o diálogo e a comunhão com aqueles que caminham a seu lado, que tem o coração fechado ao amor e à partilha, é um homem profundamente infeliz, que nunca conhecerá a felicidade plena. Por vezes a preocupação com o dinheiro, com a realização profissional, com o estatuto social, com o êxito levam os homens a prescindir do amor, a renunciar à família, a não ter tempo para os amigos… E um dia, depois de terem acumulado muito dinheiro ou de terem chegado à presidência da empresa, constatam que estão sozinhos e que a sua vida é estéril e vazia. A Palavra de Deus que nos é hoje proposta deixa um aviso claro: a vocação do homem é o amor; a solidão, mesmo quando compensada pela abundância de bens materiais, é um caminho de infelicidade.

• Por vezes, certos círculos religiosos mais fechados desvalorizam o amor humano, consideram o casamento como um estado inferior de realização da vocação cristã e vêem na sexualidade algo de pecaminoso. Não é esta a perspectiva que a Palavra de Deus nos apresenta… No nosso texto, o amor aparece como algo que está, desde sempre, inscrito no projecto de Deus e que é querido por Deus. Deus criou o homem e a mulher para se ajudarem mutuamente e para partilharem, no amor, as suas vidas. É no amor e não na solidão que o homem encontra a sua realização plena e o sentido para a sua existência.

• Homem e mulher são, de acordo com o nosso texto, iguais em dignidade. Eles são “da mesma carne”, em igualdade de ser, partícipes do mesmo destino; completam-se um ao outro e ajudam-se mutuamente a atingir a realização. São, portanto, iguais em dignidade. Esta realidade exige que homem e mulher se respeitem absolutamente um ao outro; e exclui, naturalmente, qualquer atitude que signifique dominação, escravidão, prepotência, uso egoísta do outro.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)

Refrão: O Senhor nos abençoe em toda a nossa vida.

Feliz de ti que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.

Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos como ramos de oliveira,
ao redor da tua mesa.

Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião o Senhor te abençoe:
vejas a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida;
e possas ver os filhos dos teus filhos. Paz a Israel.


LEITURA II – Heb 2,9-11

Leitura da Epístola aos hebreus

Irmãos:
Jesus, que, por um pouco, foi inferior aos Anjos,
vemo-l’O agora coroado de glória e de honra
por causa da morte que sofreu,
pois era necessário que, pela graça de Deus,
experimentasse a morte em proveito de todos.
Convinha, na verdade, que Deus,
origem e fim de todas as coisas,
querendo conduzir muitos filhos para a sua glória,
levasse à glória perfeita, pelo sofrimento,
o Autor da salvação.
Pois Aquele que santifica e os que são santificados
procedam todos de um só.
Por isso não Se envergonha de lhes chamar irmãos.

AMBIENTE

A Carta aos Hebreus é um sermão de um autor cristão anónimo, provavelmente elaborado nos anos que antecederam a destruição do Templo de Jerusalém (ano 70). Destina-se a comunidades cristãs não identificadas (o título “aos hebreus” foi-lhe colado posteriormente e provém das múltiplas referências ao Antigo Testamento e ao ritual dos “sacrifícios” que a obra apresenta). Trata-se, em qualquer caso, de comunidades cristãs em situação difícil, expostas a perseguições e que vivem num ambiente hostil à fé… Os membros dessas comunidades perderam já o fervor inicial pelo Evangelho, deixaram-se contaminar pelo desânimo e começam a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos… O objectivo do autor deste “discurso” é estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé.
A Carta aos Hebreus apresenta – recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência – através de quem os homens têm acesso livre a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para reflectir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.
O texto que nos é proposto está incluído na primeira parte da Carta (cf. Heb 1,5-2,18). Aí, o autor recolhe e repete aquilo que a catequese primitiva afirmava sobre o mistério de Cristo: a sua incarnação, a sua paixão e morte, a sua glorificação pela ressurreição. Ao longo destes dois capítulos, o autor vai afirmando a superioridade de Jesus em relação a todas as criaturas, nomeadamente em relação aos anjos.

MENSAGEM

Jesus aceitou despojar-se das suas prerrogativas divinas e fazer-se “por um pouco, inferior aos anjos” a fim de que, pelo dom da sua vida até à morte, se cumprisse o projecto salvador do Pai para os homens (vers. 9).
Depois desta afirmação de princípio, o autor da Carta aos Hebreus vai aprofundar a sua reflexão e explicar porque é que Jesus teve que passar pela humilhação da cruz (a explicação é bem mais longa do que a leitura que nos é proposta e vai do versículo 10 ao versículo 18).
A questão da paixão e morte de Cristo era uma “conveniência” do projecto de salvação que Deus tinha para o homem (“convinha” – vers. 10). O que é que isso significa? O objectivo de Deus é que o homem cresça até chegar à vida plena. Ora, para fazer com que a humanidade atinja esse fim, Deus deu-lhe um guia – Jesus Cristo. Ele devia mostrar, com a sua vida e o seu exemplo, que se chega à plenitude da vida cumprindo integralmente a vontade do Pai e fazendo da existência um dom de amor aos irmãos. A cruz foi a expressão máxima e total dessa vida de entrega aos desígnios de Deus e de doação aos irmãos. Morrendo por amor, Jesus ensinou aos homens como é que eles devem viver, qual o caminho que eles devem percorrer, a fim de chegarem à plenitude da vida, à felicidade sem fim; morrendo por amor e ressuscitando logo a seguir para a vida plena, Jesus libertou os homens do medo paralisante da morte e mostrou-lhes que a morte não é o fim da linha para quem vive na entrega a Deus e na doação aos irmãos.
Ao assumir a natureza humana, ao fazer-Se solidário com os homens, ao fazer-Se irmão dos homens, Cristo (Aquele que santifica) inseriu os homens (os que são santificados) na órbita de Deus e mostrou-lhes o caminho a seguir para integrar a família de Deus (vers. 11).

ACTUALIZAÇÃO

• A incarnação, paixão e morte de Jesus atestam, antes de mais, o incrível amor de Deus pelos homens. É o amor de alguém que enviou o próprio Filho para fazer da sua vida um dom, até à morte na cruz, a fim de mostrar aos homens o caminho da vida plena e definitiva. Trata-se de uma realidade que a Palavra de Deus nos recorda cada domingo; e trata-se de uma realidade que não deve cessar de nos espantar e de nos levar à gratidão e ao amor.

• A atitude de aceitação incondicional do projecto do Pai assumida por Cristo contrasta com o egoísmo e a auto-suficiência de Adão face às propostas de Deus. A obediência de Cristo trouxe vida plena ao homem; a desobediência de Adão trouxe sofrimento e morte à humanidade. O exemplo de Cristo convida-nos a viver na escuta atenta e na obediência radical às propostas de Deus: esse caminho é gerador de vida verdadeira. Quando o homem prescinde de Deus e das suas propostas e decide que é ele quem define o caminho a seguir, fatalmente resvala para projectos de ambição, de orgulho, de injustiça, de morte; quando o homem escuta e acolhe os desafios de Deus, aprende a amar, a partilhar, a servir, a perdoar e torna-se uma fonte de bênção para todos aqueles que caminham ao seu lado.

• Jesus fez-Se homem, enfrentou a condição de debilidade dos homens e morreu na cruz. No entanto, a sua glorificação mostrou que a morte não é o final do caminho para quem faz da vida uma escuta atenta dos planos de Deus e uma doação de amor aos irmãos. Dessa forma, Ele libertou os homens do medo da morte. Agora, podemos enfrentar a injustiça, a opressão, as forças do mal que oprimem os homens, sem medo de morrer: sabemos que quem vive como Jesus não fica prisioneiro da morte, mas está destinado à vida verdadeira e eterna.


ALELUIA – 1 Jo 4,12

Aleluia. Aleluia.

Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós
e o seu amor em nós é perfeito.


EVANGELHO – Mc 10,2-16

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo,
Aproximaram-se de Jesus uns fariseus para O porem à prova
e perguntaram-Lhe:
«Pode um homem repudiar a sua mulher?»
Jesus disse-lhes:
«Que vos ordenou Moisés?»
Eles responderam:
«Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio,
para se repudiar a mulher».
Jesus disse-lhes:
«Foi por causa da dureza do vosso coração
que ele vos deixou essa lei.
Mas, no princípio da criação, ‘Deus fê-los homem e mulher.
Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne’.
Deste modo, já não são dois, mas uma só carne.
Portanto, não separe o homem o que Deus uniu».
Em casa, os discípulos interrogaram-n’O de novo
sobre este assunto.
Jesus disse-lhes então:
«Quem repudiar a sua mulher e casar com outra,
comete adultério contra a primeira.
E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro,
comete adultério».

Apresentaram a Jesus umas crianças
para que Ele lhes tocasse,
mas os discípulos afastavam-nas.
Jesus, ao ver isto, indignou-Se e disse-lhes:
«Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis:
dos que são como elas é o reino de Deus.
Em verdade vos digo:
Quem não acolher o reino de Deus como uma criança,
não entrará nele».
E, abraçando-as, começou a abençoá-las,
impondo a mão sobre elas.

AMBIENTE

Despedindo-se definitivamente da Galileia, Jesus continua o seu caminho para Jerusalém, ao encontro do seu destino final. O episódio de hoje situa-nos “na região da Judeia, para além do Jordão” (vers. 1) – isto é, no território transjordânico da Pereia, território governado por Herodes Antipas, o mesmo que havia assassinado João Baptista quando este o criticou por haver abandonado a sua esposa legítima. Aí, Jesus volta a confrontar-Se com as multidões e a dirigir-lhes os seus ensinamentos. Os discípulos, contudo, continuam a rodear Jesus e a beneficiar de uma instrução especial.
Entram de novo em cena os fariseus, não para escutar as suas propostas, mas para O experimentar e para Lhe apanhar uma declaração comprometedora. São esses fanáticos da Lei que vão proporcionar a Jesus a oportunidade de Se pronunciar sobre uma questão delicada e comprometedora: o matrimónio e o divórcio.
Tratava-se, na realidade, de uma questão “quente” e não totalmente consensual nas discussões dos “mestres” de Israel. A Lei de Israel permitia o divórcio (“quando um homem tomar uma mulher e a desposar, se depois ela deixar de lhe agradar, por ter descoberto nela algo de inconveniente, escrever-lhe-á um documento de divórcio, entregar-lho-á em mão e despedi-la-á de sua casa” – Dt 24,1); mas não era totalmente clara acerca das razões que poderiam fundamentar a rejeição da mulher pelo marido. Na época de Jesus, as duas grandes escolas teológicas do tempo divergiam na interpretação da Lei do divórcio. A escola de Hillel ensinava que qualquer motivo, mesmo o mais fútil (porque a esposa cozinhava mal ou porque o marido gostava mais de outra), servia para o homem despedir a mulher; a escola de Shammai, mais rigorosa, defendia que só uma razão muito grave (o adultério ou a má conduta da mulher) dava ao marido o direito de repudiar a sua esposa. A mulher, por sua vez, era autorizada a obter o divórcio em tribunal somente no caso de o marido estar afectado pela lepra ou exercer um ofício repugnante.
É nesta discussão de contornos pouco claros que os fariseus procuram envolver Jesus. Uma resposta negativa por parte de Jesus seria, certamente, interpretada como uma condenação do matrimónio de Herodes Antipas com Herodíades, a sua cunhada. A pergunta dos fariseus insere-se, provavelmente, na tentativa de encontrar razões para eliminar Jesus.

MENSAGEM

Diante da questão posta pelos fariseus (“pode um homem repudiar a sua mulher?” – vers. 2), Jesus começa por recordar-lhes o estado da questão na perspectiva da Lei (“que vos ordenou Moisés?” – vers. 3). Tal não significa, contudo, que Jesus Se identifique com o posicionamento da Lei a propósito da questão do divórcio.
Efectivamente, a Lei permite o divórcio (“Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio para se repudiar a mulher” – vers. 4); contudo, essa condescendência da Lei não resulta do projecto de Deus para o homem e para a mulher, mas é o resultado da “dureza do coração” dos homens. As prescrições de Moisés não definem o quadro ideal do amor do homem e da mulher, mas apenas regulam o compromisso matrimonial, tendo em conta a mediocridade humana.
Em contraste com a permissividade da Lei, Jesus vai apresentar o projecto primordial de Deus para o amor do homem e da mulher. Citando livremente Gn 1,27 e Gn 2,24, Jesus explica que, no projecto original de Deus, o homem e a mulher foram criados um para o outro, para se completarem, para se ajudarem, para se amarem. Unidos pelo amor, o homem e a mulher formarão “uma só carne”. Ser “uma só carne” implica viverem em comunhão total um com o outro, dando-se um ao outro, partilhando a vida um com o outro, unidos por um amor que é mais forte do que qualquer outro vínculo. A separação será sempre o fracasso do amor; não está prevista no projecto ideal de Deus, pois Deus não considera um amor que não seja total e duradouro. Só o amor eterno, expresso num compromisso indissolúvel, respeita o projecto primordial de Deus para o homem e para a mulher.
A perspectiva de Jesus acerca da questão é a seguinte: nessa nova realidade que Deus quer propor ao homem (o Reino de Deus), chegou o momento de abandonar a facilidade, a mesquinhez, as meias-tintas e de apontar para um patamar mais alto. Ora, no que diz respeito ao matrimónio, o patamar mais alto é o projecto inicial de Deus para o homem e para a mulher, que previa um compromisso de amor estável, duradouro, indissolúvel.
Para os discípulos (que anteriormente, em diversas situações, tiveram dificuldade em passar da lógica do mundo para a lógica de Deus), contudo, o discurso de Jesus é difícil de entender; por isso, quando chegam a casa, pedem a Jesus explicações suplementares (vers. 10). Jesus reitera que a relação entre o homem e a mulher se deve enquadrar no projecto inicial de Deus e não nas facilidades concedidas pela Lei de Moisés. A perspectiva de Deus é que marido e mulher, unidos pelo amor, formem uma comunidade de vida estável e indissolúvel. O divórcio não entra nesse projecto. Marido e esposa, em igualdade de circunstâncias, são responsáveis pela edificação da comunidade familiar e por evitar o fracasso do amor (vers. 11-12).
O texto que nos é proposto termina com uma cena em que Jesus acolhe as crianças, defende-as e abençoa-as (vers. 13-16). As crianças são, aqui, uma espécie de contraponto ao orgulho e arrogância com que os fariseus se apresentam a Jesus, bem como à dificuldade que os discípulos revelaram, nas cenas precedentes, para acolher a lógica do Reino… As crianças são simples, transparentes, sem calculismos; não têm prestígio ou privilégios a defender; entregam-se confiadamente nos braços do pai e dele esperam tudo, com amor. Por isso, as crianças são o modelo do discípulo. O Reino de Deus é daqueles que, como as crianças, vivem com sinceridade e verdade, sem se preocuparem com a defesa dos seus interesses egoístas ou dos seus privilégios, acolhendo as propostas de Deus com simplicidade e amor. Quem não é “criança”, isto é, quem percorre caminhos tortuosos e calculistas, quem não renuncia ao orgulho e auto-suficiência, quem despreza a lógica de Deus e só conta com a lógica do mundo (também na questão do casamento e do divórcio), quem conduz a própria vida ao sabor de interesses e valores efémeros, quem não aceita questionar os próprios raciocínios e preconceitos, não pode integrar a comunidade do Reino.

ACTUALIZAÇÃO

• O Evangelho deste domingo apresenta-nos o projecto ideal de Deus para o homem e para a mulher que se amam: eles são convidados a viverem em comunhão total um com o outro, dando-se um ao outro, partilhando a vida um com o outro, unidos por um amor que é mais forte do que qualquer outro vínculo. O fracasso dessa relação não está previsto nesse projecto ideal de Deus. O amor de um homem e de uma mulher que se comprometem diante de Deus e da sociedade deve ser um amor eterno e indestrutível, que é reflexo desse amor que Deus tem pelos homens. Este projecto de Deus não é uma realidade inatingível e impossível: há muitos casais que, dia a dia, no meio das dificuldades, lutam pelo seu amor e dão testemunho de um amor eterno e que nada consegue abalar.

• As telenovelas, os valores da moda, a opinião pública, têm-se esforçado por apresentar o fracasso do amor como uma realidade normal, banal, que pode acontecer a qualquer instante e que resolve facilmente as dificuldades que duas pessoas têm em partilhar o seu projecto de amor. Para os casais cristãos, o fracasso do amor não é uma normalidade, mas uma situação extrema, uma realidade excepcional. Para os casais cristãos, o divórcio não deve ser um remédio simples e sempre à mão para resolver as pequenas dificuldades que a vida todos os dias apresenta. À partida, o compromisso de amor não deve ser uma realidade efémera, sujeito a projectos egoístas e a planos superficiais, que terminam quando surgem dificuldades ou quando um dos dois é confrontado com outras propostas. Para o casal que quer viver na dinâmica do Reino, a separação não deve ser uma proposta sempre em cima da mesa. Marido e esposa têm que esforçar-se por realizar a sua vocação de amor, apesar das dificuldades, das crises, das divergências e dos problemas que, dia a dia, a vida lhes vai colocando. A Igreja é chamada a ser no mundo, mesmo contra a corrente, testemunha do projecto ideal de Deus.

• Apesar de tudo, a vida dos homens e das mulheres é marcada pela debilidade própria da condição humana. Nem sempre as pessoas, apesar do seu esforço e da sua boa vontade, conseguem ser fiéis aos ideais que Deus propõe. A vida de todos nós está cheia de fracassos, de infidelidades, de falhas. Nessas circunstâncias, a comunidade cristã deve usar de muita compreensão para aqueles que falharam (muitas vezes sem culpa) na vivência do seu projecto de amor. Em nenhuma circunstância as pessoas divorciadas devem ser marginalizadas ou afastadas da vida da comunidade cristã. A comunidade deve, em todos os instantes, acolher, integrar, compreender, ajudar aqueles a quem as circunstâncias da vida impediram de viver o tal projecto ideal de Deus. Não se trata de renunciar ao “ideal” que Deus propõe; trata-se de testemunhar a bondade e a misericórdia de Deus para com todos aqueles a quem a partilha de um projecto comum fez sofrer e que, por diversas razões, não puderam realizar esse ideal que um dia, diante de Deus e da comunidade, se comprometeram a viver.

• As crianças que Jesus nos apresenta no Evangelho deste domingo como modelos do discípulo convidam-nos à simplicidade, à humildade, à sinceridade, ao acolhimento humilde dos dons de Deus. De acordo com as palavras de Jesus, não pode integrar o Reino quem se coloca numa atitude de orgulho, de auto-suficiência, de autoritarismo, de superioridade sobre os irmãos. A dinâmica do Reino exige pessoas dispostas a acolher e a escutar as propostas de Deus e dispostas a servir os irmãos com humildade e simplicidade.


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 27º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 27º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. BILHETE DE EVANGELHO.
Quando Jesus pressente que Lhe querem estender uma armadilha, Ele refere-se à vontade de seu Pai. Ora, Deus tem um projecto que submete ao homem, e este, porque foi criado livre, realiza este projecto ou recusa-o. O mais belo projecto de Deus é o homem, a sua criatura. Como Ele o criou à sua imagem, fê-lo como ser de relação. É por isso que Ele cria a humanidade, homem e mulher, e a sua comunhão significa algo de Deus que em si mesmo é comunhão. O que conta numa obra artística não são primeiramente as interpretações ou os comentários que são feitos, mas a intenção do autor. Face ao amor do homem e da mulher, não comecemos por olhar como é vivida hoje a relação, mas contemplemos o sonho de Deus e tenhamos sobre os casais o olhar de Deus, que vê que aquilo que Ele fez é bom ou que oferece a sua misericórdia àqueles que não puderam ou não quiseram interpretar o seu projecto.

3. À ESCUTA DA PALAVRA.
“Não separe o homem o que Deus uniu…” Jesus coloca o dedo na ferida… O divórcio é sempre um fracasso, um sofrimento. Mas entrou nos costumes como uma realidade normal, um “direito”! Jesus está contra a corrente… Palavra incompreensível para muitos homens e mulheres, qualquer que seja a sua idade! Na sua resposta aos fariseus, Jesus recorre a um critério a que geralmente se presta pouca atenção. Vai ao “princípio da criação”, à vontade primeira, à vontade criadora de Deus. Ora, esta vontade é que os seres humanos se tornem “imagens de Deus”, na medida em que aceitem entrar uns e outros nas relações de amor recíproco, porque Ele, Deus, é eterno movimento de amor no seu Ser mais profundo. O casal humano, antes mesmo da questão da procriação, é chamado por Deus a tornar-se o primeiro lugar de incarnação deste movimento de amor. O amor humano, sob todas as suas formas, não nasceu dos acasos da evolução biológica. É dom de Deus. Quando os homens recusam este dom, impedem Deus de imprimir neles a sua imagem. Na realidade, vão contra a vontade criadora, introduzem uma desordem na criação tal como Deus a quis. Porque Ele escuta plenamente o seu Pai e acolhe sem quaisquer reticências nem recusas a vontade de amor do seu Pai, Jesus, e apenas Ele, pode colocar-nos na luz de Deus Criador e da sua vontade criadora. Mas isso supõe que aceitemos escutar Jesus, tomar Jesus na nossa vida. Só poderemos compreender a exigência de unidade e de fidelidade no amor humano se aceitarmos tornar-nos, dia após dia, discípulos, mais ainda, amigos de Jesus. Para resolver os nossos problemas afectivos, temos razão em recorrer à psicologia, à psicoterapia do casal. Mas isso não basta. A verdadeira falta é uma falta de profundidade espiritual. Não servirá de nada a Igreja repetir sem cessar a sua oposição ao divórcio se, primeiro, não fizer imensos esforços para ajudar a redescobrir um verdadeiro acompanhamento com Jesus, revelador do amor do Pai.

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Que o Senhor te abençoe… Como seria belo, em cada manhã desta semana, dizer-se bom dia, em família, com as simples palavras do salmista: “Que o Senhor te abençoe…” Fórmula de bênção, em que se deseja apenas o bem. Ultrapassemos qualquer falso pudor, para oferecermos àqueles que amamos a bênção do Senhor.


UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

Tempo Comum - Anos Ímpares - XXVI Semana - Sábado - 03.10.2015


Lectio

Primeira leitura: Baruc 4, 5-12.27-29

5Coragem, povo meu, que trazes o nome de Israel! 6Fostes vendidos às nações, mas não para serdes aniquilados. Porque provocastes a ira de Deus, fostes entregues aos inimigos. 7Irritastes o vosso criador, oferecendo sacrifícios aos demónios e não a Deus. 8Esquecestes o vosso criador, o Deus eterno, e contristastes Jerusalém, que vos alimentou. 9Quando viu precipitar-se sobre vós o castigo de Deus, disse: «Escutai, nações vizinhas de Sião! Deus enviou-me um grande tormento. 10Vi o cativeiro dos meus filhos e filhas, que o Eterno lhes infligiu. 11Eu tinha-os criado com alegria e despedi-os com lágrimas e tristeza. 12Que ninguém se regozije com a minha viuvez e o meu desamparo! Se estou deserta, é por causa dos pecados dos meus filhos, porque se afastaram da Lei de Deus. 27Coragem, meus filhos, clamai ao Senhor, porque aquele mesmo que vos provou, há-de lembrar-se de vós. 28Se um dia quisestes afastar-vos de Deus, convertei-vos, agora, e procurai-o com um empenho dez vezes maior; 29pois aquele que vos enviou o castigo vos trará a alegria eterna da vossa salvação.»

Escutamos hoje um oráculo de consolação, semelhante aos que encontramos no Segundo e no Terceiro Isaías. A cidade de Jerusalém personifica todo o povo, comparado a uma viúva desolada, que reconhece a justeza do castigo recebido de Deus, porque pecou e esqueceu o Senhor, o seu poder e a sua paternidade.
Reconhecida a justeza do castigo, o povo reconhece também o carácter pedagógico que ele tem. Por isso, surge a esperança no perdão: o povo castigado, ao reconhecer o seu pecado e a justiça do castigo, pode regressar a Deus e experimentar novamente a salvação, uma salvação que transcende os limites das expectativas humanas.
Jerusalém exorta os seus filhos, maus e desobedientes, a corrigir-se e a retomar o caminho da maturidade e da positividade. Há que converter-se a Deus, Àquele que deu as Dez Palavras ao seu povo. E, depois do castigo, encontrará a alegria eterna da salvação (v. 29).


Evangelho: Lucas 10, 17-24

Naquele tempo, 17os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: «Senhor, até os demónios se sujeitaram a nós, em teu nome!» 18Disse-lhes Ele:«Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago. 19Olhai que vos dou poder para pisar aos pés serpentes e escorpiões e domínio sobre todo o poderio do inimigo; nada vos poderá causar dano. 20Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu.» 21Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. 22Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho houver por bem revelar-lho.» 23Voltando-se, depois, para os discípulos, disse-lhes em particular: «Felizes os olhos que vêem o que estais a ver. 24Porque - digo-vos - muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram!»


Os setenta e dois discípulos voltam «cheios de ale­gria» (v. 17) e Jesus revela-lhes o conteúdo profundo daquilo que fizeram.
O tema é tratado em duas secções ligeiramente diferentes, mas unitárias (vv. 17-20 e vv. 21-24). Temos, em primeiro lugar a missão, considerada pelos 72 discípulos uma vitória na luta contra Satanás (v. 18); depois, a vitória sobre Satanás, que evidencia a capacidade dos discípulos em vencer o mal que há no mundo. Por isso são chamados «Felizes» (v. 23) e os seus nomes estão «escritos no Céu» (v. 20); em terceiro lugar, o evangelho faz notar que «os pequenos» (v. 21) estão abertos ao mistério e recebem a verdade de Jesus; finalmente, Jesus louva o Pai pelo dom concedido «aos pequenos» e revela a união de amor entre Ele e o Pai: «Tudo me foi entregue por meu Pai; e nin­guém conhece quem é o Filho senão o Pai…» (v. 22).
Pode dizer-se que a missão é irradiação do amor que une o Pai e o Filho. Este amor, revelado «aos pequenos» é a força que destrói o mal. Os discípulos são «felizes» (v. 23) porque vêem e saboreiam desde já o amor do Pai e do Filho.


Meditatio

Jerusalém, comparada a uma viúva desamparada e desolada com a sorte dos seus filhos, mas também cheia de esperança na sua recuperação, faz-nos pensar em Maria, mãe da verdadeira Jerusalém, preocupada com os seus filhos, que não seguem o Senhor, mas andam afastados dele por causa dos seus pecados.
De facto, nas suas diversas aparições, a Virgem manifesta sempre a sua materna solicitude pelos pecadores, exortando a rezar e a fazer penitência por eles. Pensemos nas aparições de Fátima, nas palavras de Maria e na seriedade e empenho com que os Pastorinhos as acolheram! Todavia, nas intervenções da Senhora, também há sempre palavras de encorajamento, semelhantes às de Jerusalém: «Coragem, meus filhos, clamai ao Senhor, porque aquele mesmo que vos provou, há-de lembrar-se de vós. Se um dia quisestes afastar-vos de Deus, convertei-vos, agora, e procurai-o com um empenho dez vezes maior; pois aquele que vos enviou o castigo vos trará a alegria eterna da vossa salvação» (v. 27ss.). Maria ama-nos e quer a nossa felicidade e a nossa alegria. Por isso, clama: «Fazei penitência!... Rezai pelos pobres pecadores!» O caminho da alegria e o caminho da conversão coincidem.
A reparação do pecado, que ofende a Deus e prejudica o homem, deve ser um dos nossos principais objectivos como cristãos e como dehonianos: «O Padre Dehon espera que os seus religiosos sejam profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo (cf. 2 Cor 5,18). Assim comprometidos com Ele, para reparar o pecado e a falta de amor na Igreja e no mundo, prestarão com toda a sua vida, com as orações, trabalhos, sofrimentos e alegrias, o culto de amor e de reparação que o seu Coração deseja (cf. NQ XXV, 5) (Cst 7). «Implicados no pecado, mas participantes na graça redentora, pela realização de todas as nossas tarefas, queremos unir-nos a Cristo presente na vida do mundo e, em solidariedade com Ele e com toda a humanidade e a criação inteira, oferecer-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável (cf. Rom 12,1).» (Cst 22).
Voltando-nos para o evangelho, talvez não seja difícil reconhecer-nos nos discípulos que regressam cansados de uma missão cujos resultados não são fáceis de avaliar. Por um lado, não tiverem sucesso com pessoas junto das quais esperavam alcançá-lo; por outro lado, reconhecem o surpreendente acolhimento obtido junto de outras de quem o não esperavam. É o que acontece com todos aqueles que se dedicam ao anúncio do Evangelho. Então, é preciso voltarmos a escutar Jesus que dá graças ao Pai e rejubila no Espírito pelos seus imperscrutáveis desígnios que revelam o mistério do Reino aos últimos, aos humildes, e o escondem «aos sábios», aos soberbos, aos que contam com a sua presumida justiça. E, mais uma vez, nos podemos lembrar dos Pastorinhos e de tantos outros “pequenos e humildes” a quem Deus revelou por meio da Virgem Maria importantes mistérios do Reino.


Oratio

Senhor Jesus, hoje quero unir-me ao teu grito de júbilo no Espírito, porque me enche de comoção saber que também me tratas como amigo e confidente, e me tornaste participante do diálogo de amor com o Pai. Assim me fazes compreender quanto sou precioso aos olhos do mesmo Pai e como Ele pensou em mim desde toda a eternidade e me quis seu filho, à tua imagem, que és o Filho unigénito gerado antes de todos os séculos. Bendito é o Pai, Bendito é o Espírito e bendito sejas Tu, para sempre. Amen.


Contemplatio

O Coração de Maria é o refúgio dos pecadores. Deus quis muito particularmente fazer de Maria a esperança e a salvação dos pecadores. Os Padres da Igreja não se calam sobre este privilégio de Maria. A Idade Média, muito ávida de símbolos, comparou Maria ao astro da noite, porque ilumina o pecador, que caminha na noite dos seus pecados. «O sol, criado para brilhar durante o dia, é, diz o cardeal Hugo, a figura de Jesus, cuja luz alegra os justos que vivem no grande dia da graça divina; a lua, criada para luzir durante a noite, é a figura de Maria, cuja luz ilumina ainda os pecadores, mergulhados na noite do pecado». - «Se alguém, diz Inocêncio III, se encontra miseravelmente empenhado na noite do pecado, que levante os olhos para o astro do noite, que invoque Maria!». «A divina misericórdia, diz o P. Eudes, reina tão perfeitamente no Coração de Maria, que lhe faz levar o nome de Rainha e de Mãe de misericórdia. Ganhou de tal modo o coração da divina misericórdia, que lhe deu as chaves de todos os seus tesouros, e tornou-a absolutamente senhora». Recusará ela o seu concurso aos pecadores, ela que durante a sua vida ofereceu o seu divino Filho por eles, no Templo e no Calvário? (Leão Dehon, OSP 3, p. 670).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Coragem: aquele que vos enviou o castigo
vos trará a alegria eterna da vossa salvação» (Br 4, 27)


Fonte http://www.dehonianos.org/

Tempo Comum - Anos Ímpares - XXVI Semana - Sexta-feira - 02.10.2015


Lectio

Primeira leitura: Baruc 1, 15-22

Para o Senhor nosso Deus, a justiça; para nós, porém, a vergonha, estampada no rosto, como acontece hoje para os homens de Judá e os habitantes de Jerusalém, 16para os nossos reis e príncipes, os sacerdotes, os profetas e os nossos antepassados, 17porque pecámos contra o Senhor. 18Desobedecemos ao Senhor nosso Deus, não ouvimos a sua voz nem seguimos os mandamentos que Ele nos deu. 19Desde o dia em que o Senhor tirou os nossos pais da terra do Egipto até hoje, temos desobedecido ao Senhor, nosso Deus e, na nossa leviandade, recusámos ouvir a sua voz. 20Por isso, agora, persegue-nos o infortúnio e a maldição que o Senhor predissera pela boca de Moisés, seu servo, quando tirou os nossos pais da terra do Egipto, a fim de nos dar uma terra onde mana leite e mel. 21Nós, porém, não escutámos a voz do Senhor, nosso Deus, conforme a palavra dos profetas, que Ele nos enviou. 22Cada um de nós, andou segundo as inclinações do seu mau coração, servindo deuses estrangeiros e praticando o mal aos olhos do Senhor, nosso Deus".

Depois da escuta da Palavra, na grande celebração presidida por Esdras e Neemias, Baruc apresenta-nos uma longa oração penitencial de que escutamos, hoje, os primeiros versículos. É a oração do povo regressado do exílio, mas submetido a poderes estrangeiros, na Palestina ou noutras zonas mais ou menos distantes. É a oração do povo de Deus em diáspora, que não quer perder a sua identidade.
Este povo sente-se solidário na história passada feita de promessas divinas e de pecados do povo. A história é solidária no bem e no mal. O povo não correspondeu à generosidade de Deus. Revoltou-se e desobedeceu. Por isso, confessa as suas culpas, e reconhece a inocência e a justiça de Deus. Mas é a justiça de Deus que dá ao povo capacidade para recomeçar, ter nova esperança, e esperar o perdão.


Evangelho: Lucas 10, 13-16

Naquele tempo, Jesus disse: 13Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sídon se tivessem operado os milagres que entre vós se realizaram, de há muito que teriam feito penitência, vestidas de saco e na cinza. 14Por isso, no dia do juízo, haverá mais tolerância para Tiro e Sídon do que para vós. 15E tu, Cafarnaúm, porventura serás exaltada até ao céu? É até ao inferno que serás precipitada. 16Quem vos ouve é a mim que ouve, e quem vos rejeita é a mim que rejeita; mas, quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou.»

O evangelho de hoje conclui a mensagem com que foram enviados os setenta e dois discípulos. Porque fala Jesus tão duramente das cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaúm? Que nos quer dizer Jesus?
A condenação das três cidades deve se entendida a vários níveis. Em primeiro lugar, Jesus sublinha que estas cidades não acolheram a Palavra pregada por Ele, isto é, a graça do Evangelho, o apelo à conversão. Em segundo lugar, Jesus realça o abandono dos seus. Talvez se dê conta da hostilidade do povo. As cidades pagãs de Tiro e Sídon terão um juízo menos severo que o povo de Israel. Em terceiro lugar, Jesus prevê que o Evangelho ultrapasse as fronteiras da Galileia, que chegue aos gentios, enquanto as cidades que, por primeiras, ouviram a sua pregação permaneçam fechadas num judaísmo anticristão.
Este evangelho é um aviso para todos aqueles que se excluem da graça do Senhor e caem na hipocrisia e na resistência sublinhadas pelos “Ai” de Jesus. Jesus lastima o maior dos pecados, o pecado contra o Espírito Santo: fechar os olhos às manifestações da graça, à oferta de perdão. É o grande risco da missão cristã. Jesus disse claramente: «Quem vos ouve é a mim que ouve, e quem vos rejeita é a mim que rejeita; mas, quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou» (v. 16).


Meditatio

As duas leituras convidam-nos ao arrependimento e à penitência. O cristão, que quiser ser fiel a Jesus, deve sofrer com os seus pecados e com os que se cometem à sua volta, fazendo sua a oração de Baruc: «Para o Senhor nosso Deus, a justiça; para nós, porém, a vergonha, estampada no rosto» (v. 15). Trata-se de uma oração inspirada na catástrofe nacional, que aniquilou o povo judeu e o levou para o exílio. Perante esses factos, os Judeus voltaram-se para a sua vida e para a sua história, reconhecendo a sua infidelidade e o seu pecado: «Pecámos contra o Senhor. Desobedecemos ao Senhor nosso Deus, não ouvimos a sua voz nem seguimos os mandamentos que Ele nos deu» (v. 17s.).
O novo povo de Deus, que é a Igreja, também precisa de olhar para a sua vida e para a sua história, reconhecer os seus pecados e manter uma atitude de contínua penitência e conversão. O duro aviso de Jesus às cidades ribeirinhas do lago de Genesaré também se dirige a nós, que lemos a Palavra de Deus e, particularmente, o Evangelho. Todos corremos o risco de deixar endurecer o coração e de nos fecharmos à escuta da Palavra, à penitência e à mudança de vida que ela cada dia nos sugere. Tanto Baruc como Jesus nos convidam a reconhecer e a confessar os nossos pecados, afirmando, ao mesmo tempo, a fidelidade e a misericórdia de Deus. Mas podemos e devemos pensar também nos pecados do mundo, no ódio que aqui e ali explode ferozmente, fazendo vítimas inocentes, na corrupção que torna possíveis tantos abusos, nos pobres que continuam a ser oprimidos, nos ricos que não querem partilhar os seus bens nem ceder nos seus privilégios, na imoralidade de toda a espécie que, como maré negra, nos cerca destruindo a vida. Há que tomar sobre nós tudo isto, com a solidariedade de quem partilha e quer, com Jesus, tirar o pecado do mundo: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!» (Jo 1, 29).
Escutemos as nossas Constituições, que são fruto da nossa leitura do Evangelho, à luz do nosso carisma: «Implicados no pecado, mas participantes na graça redentora, pela realização de todas as nossas tarefas, queremos unir-nos a Cristo presente na vida do mundo e, em solidariedade com Ele e com toda a humanidade e a criação inteira, oferecer-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável (cf. Rm 12,1). «Caminhai no amor segundo o exemplo de Cristo que nos amou e Se entregou por nós a Deus, como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2) (Cst 22). A nossa reparação é cooperação na obra redentora de Deus no coração do mundo (cf. Cst 23), que consiste em libertar os homens do pecado e das suas consequências, e em transformá-lo em oblação santa e agradável a Deus.


Oratio

Pai santo, nós Te louvamos, bendizemos e damos graças, porque nos reconciliaste em Cristo e nos regeneraste pelo Espírito Santo, fazendo de nós homens novos, animados por um Espírito novo. Dá-nos a graça de cooperar alegre e generosamente na obra da redenção, que realizas no coração do mundo, para que toda a humanidade e a criação inteira, libertas do pecado e das suas consequências, se tornem oblação viva, santa e agradável para Ti. Amen.


Contemplatio

Ecce homo! Eis o homem castigado por Deus em nosso lugar. – Eis o homem que, carregado com o pesado fardo dos nossos pecados dos quais se constituiu vítima expiatória, representa neste momento a humanidade em toda a sua miséria. Eis o homem-vítima que nos descreve Isaías. Já não tem beleza. Todo o seu corpo não é senão uma chaga. Dir-se-ia um leproso. Quando o vemos, desviamos dele o olhar. É um homem atingido pela justiça de Deus. Que é então o pecado para que tenha tais efeitos? Deus é, portanto, por ele muito ofendido, muito irritado, para que o possa punir até este ponto, mesmo naquele que não o cometeu, mas que dele aceitou a responsabilidade. E se o lenho verde, o justo por excelência, é assim tratado por causa dos pecados de outros, que será então do lenho seco, dos verdadeiros culpados, quando vier a hora do seu juízo? Este mistério do Ecce homo não é o mais adequado para nos excitar ao arrependimento, à conversão, ao ódio ao pecado? Eis o homem! Eis o vosso rei! Repete Pilatos. Eis onde caiu a vossa realeza, diz-nos o nosso Deus. Todo o homem era rei, pela graça de Deus. Todo o homem era chamado a reinar sobre si mesmo e sobre a natureza. Mas vede o homem do pretório, aquele que tomou sobre si todos os vossos pecados, que é feito da sua realeza? O seu ceptro é uma cana; o seu manto real, um farrapo tingido pelo sangue; a sua coroa, um ramo de espinhos entrançado. Eis o retrato do homem culpado, é um rei decaído, desonrado, injuriado, ridicularizado. Eu podia ser rei e posso ainda sê-lo: «Fizestes-nos reis e sacerdotes», dizem os eleitos falando a Deus, no Apocalipse (5,10), Mas é preciso para isso deixar de ofender a Deus, é preciso servi-lo real e sacerdotalmente, com força, com piedade, com o espírito de sacrifício e de devoção. (Leão Dehon, OSP 3, p. 343s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Para o Senhor nosso Deus, a justiça; para nós, a vergonha» (Br 1, 15)


Fonte http://www.dehonianos.org/

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - XXVI Semana - Quinta-feira - 01.10.2015



Lectio


Primeira leitura: Neemias 8, 1-4a.5-6.7b-12

Naqueles dias: 1os filhos de Israel já estavam instalados nas suas cidades. Então todo o povo se reuniu, como um só homem, na praça que fica diante da porta das Águas e pediu a Esdras, o escriba, que trouxesse o livro da Lei de Moisés, que o Senhor prescrevera a Israel. 2O sacerdote Esdras apresentou, pois, a Lei diante da assembleia de homens e mulheres e de todos quantos eram capazes de a compreender. Foi no primeiro dia do sétimo mês. 3Esdras leu o livro, desde a manhã até à tarde, na praça que fica diante da porta das Águas, e todo o povo escutava com atenção a leitura do livro da Lei. 4O escriba Esdras subiu para um estrado de madeira, mandado levantar para a ocasião. 5Esdras abriu o livro à vista de todo o povo, pois achava-se num lugar elevado acima da multidão. Quando o escriba abriu o livro, todo o povo se levantou. 6Então, Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus, e todo o povo respondeu, levantando as mãos: «Ámen! Ámen!» Depois, inclinaram-se e prostraram-se diante do Senhor, com a face por terra 7e os outros levitas explicavam a Lei ao povo, e cada um ficou no seu lugar. 8E liam, clara e distintamente, o livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido, de modo que se pudesse compreender a leitura. 9O governador Neemias, Esdras, sacerdote e escriba, e os levitas que instruíam o povo disseram a toda a multidão: «Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus; não vos entristeçais nem choreis.» Pois todo o povo chorava ao ouvir as palavras da Lei. 10Então, Neemias disse-lhes:«Ide para as vossas casas, fazei um bom jantar, bebei vinho doce e reparti com aqueles que nada têm preparado; este é um dia grande, consagrado a Deus; não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é que é a vossa força.» 11Os levitas exortaram o povo ao silêncio: «Calai-vos! - diziam eles. Este é um dia santo; não vos lamenteis.» 12E todo o povo se retirou para comer e beber, repartir porções pelos pobres e entregar-se a grandes alegrias, porque tinham entendido o sentido das palavras que lhes tinham sido explicadas.


O capítulo 8 de Neemias é a continuação de Esd 8, 36. Isto quer dizer que Ne 8-10 pertence às memórias de Esdras, verdadeiro protagonista destes capítulos. O texto que escutamos apresenta-nos o povo reunido pela Palavra, que inspira o serviço e o governo da comunidade. Regressado de Babilónia, o povo não reconstrói a sua vida religiosa apenas à volta do Templo e dos sacrifícios, mas começa a elaborar uma nova instituição: uma comunidade que se reúne para ler e rezar a Palavra, isto é, a Sinagoga. A religião de Israel torna-se a religião do Livro! Concluída a reforma civil e religiosa, Neemias e Esdras convocam todo o povo para que escute a leitura da Lei de Moisés. Esta assembleia em Jerusalém, durante a festa dos Tabernáculos, assinala o nascimento do judaísmo. Depois do exílio, o povo de Deus não recuperou a independência política, mas viveu sob o domínio sucessivo dos persas, gregos e romanos. Por isso, nunca mais formou uma entidade política, mas religiosa. Era uma espécie de “Igreja”. Tinha o seu estatuto religioso próprio, que era a Lei, tinha a hierarquia sacerdotal e tinha como centro de coesão a cidade santa e o templo. Parte do povo judeu não vivia na Palestina, pois se tinha dispersado em diversas comunidades na diáspora. Este tipo de organização religiosa, que se estabelece na comunidade pós-exílica, foi o que veio a denominar-se “judaísmo”. Tem um pai, Esdras; tem uma data de nascimento, 398 a. C.; tem um estatuto, a Lei de Moisés. A assembleia de que nos fala o nosso texto pode ser qualificada como uma renovação da aliança. De facto, Esdras faz alusão a um compromisso e a um documento selado e assinado pelos representantes da comunidade (Ne 10).


Evangelho: Lucas 10, 1-12

Naquele tempo, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Disse-lhes:«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. 3Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho. 5Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. 8Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, 9curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: ‘O Reino de Deus já está próximo de vós.’ 10Mas, em qualquer cidade em que entrardes e não vos receberem, saí à praça pública e dizei: 11‘Até o pó da vossa cidade, que se pegou aos nossos pés, sacudimos, para vo-lo deixar. No entanto, ficai sabendo que o Reino de Deus já chegou.’» 12«Digo-vos: Naquele dia haverá menos rigor para Sodoma do que para aquela cidade.


O sim cordial dos discípulos a Cristo torna-se a força da missão evangélica. Jesus manda os discípulos a fazer o que Ele mesmo fez. É o que a Igreja continua, ainda hoje, a fazer. Os Doze são o fundamento da missão da Igreja. Mas Jesus escolheu ao longo dos séculos, e continua a escolher hoje, muitos outros. A messe é grande e os operários são poucos. Os 72 de que nos fala o evangelho anunciam a mensagem do Reino. O número “Doze” evoca as doze tribos de Israel. O número “Setenta e dois” evoca os 72 povos da terra elencados em Gn 10. A missão dos discípulos é universal, destinada a toda a terra. Os Setenta e dois são sinal de todos quantos o Senhor da messe chama para o anúncio do Evangelho. Trata-se de uma empresa divina, do Reino, que só é possível realizar com a força de Deus, e não com as simples forças humanas.
O verdadeiro operário do Reino, não é aquele que o anuncia, mas o próprio Jesus Cristo. É Ele que envia, que toma a palavra, que actua. Mais do que fazer, é preciso deixar Jesus fazer. O mais importante é ser como Ele, adoptar o seu estilo, com as suas vicissitudes e os seus frutos – e por isso com alegria. “Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos» (v. 3). Não há que lamentar-se sobre as dificuldades da missão. Elas são o sinal do Reino. São obra do Espírito Santo. Jesus pede aos discípulos que não se preocupem: «Não vos preocupeis com o que haveis de dizer… Não sois vós a falar, mas é o Espírito do Pai que falará por vós» (10, 19 s). O Mestre não nos quer ver ansiosos. A missão é sempre um milagre do Senhor.


Meditatio

A primeira leitura apresenta-nos a comunidade reunida, que escuta a Palavra de Deus e reage. Os que tinham regressado do exílio não tinham um conhecimento adequado da Palavra do Senhor, até porque tinham esquecido o hebraico e tinham começado a falar aramaico. Era preciso ler a Lei, escrita em hebraico, e traduzi-la para aramaico, para que fosse compreendida pelo povo.: «Os outros levitas explicavam a Lei ao povo, e cada um ficou no seu lugar. E liam, clara e distintamente, o livro da Lei de Deus e explicavam o seu sentido, de modo que se pudesse compreender a leitura» (v. 7s.). A escuta e a compreensão da Palavra de Deus enchem de alegria o povo: «Todo o povo se retirou para comer e beber, repartir porções pelos pobres e entregar-se a grandes alegrias, porque tinham entendido o sentido das palavras que lhes tinham sido explicadas» (v. 12).
Aqueles que estudam a Bíblia têm o dever de tornar possível esta festa, esta alegria. A sua missão é diferente da dos pregadores, que falam directamente ao povo. Os estudiosos preparam a pregação, explicando bem a Palavra de Deus, para que a pregação possa ser mais fiel à Palavra e mais frutuosa. Assim contribuem para a instrução do povo, para a sua alegria. «A alegria do Senhor é que é a vossa força», diz Neemias (v. 10). A força e a alegria vêm da Palavra de Deus, que é alimento e luz, que é a maior consolação que temos na terra.
A escuta da Palavra de Deus provoca, em primeiro lugar, a conversão, que se torna caridade, atenção aos mais carenciados, impulso de partilha e de fraternidade: «Reparti com aqueles que nada têm preparado» (v. 10). O encontro salvífico com Deus, e a caridade para com o próximo, provocados pela escuta livre e acolhedora da Palavra, produzem em nós a verdadeira alegria, que jamais acabará: «Fiéis à escuta da Palavra… somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento» (Cst 17).


Oratio

Senhor, a tua Palavra é realmente eficaz. Mas não é mágica. Exige acolhimento livre, consciente e activo, e paciência para esperar. Que eu seja terreno bom, onde a Palavra lance raiz, germine e dê fruto, tanto na minha vida pessoal, como na minha vida familiar, profissional, apostólica. Que a tua Palavra seja em mim impulso de caridade, de entrega, de missão, de anúncio do teu amor que excede todo o conhecimento, porque «a messe é grande, mas os trabalhadores são poucos». Amen.

Contemplatio

Fala-se pouco em Nazaré. O Evangelho não quis dar uma única palavra de S. José. Dá algumas de Maria, mas bem poucas. Assinala antes, por duas vezes, a sua vida de silêncio e de recolhimento: «Ela conservava e meditava no seu coração os mistérios de que tinha sido testemunha». Esta meditação habitual implica uma vida de calma, de silêncio e de união com Deus. Ouvia-se somente em Nazaré, na santa casa, algumas conversas curtas, afectuosas, discretas, em intervalos regrados, não invadindo nunca as horas sérias, sem lamentos nem murmurações, sem este fluxo de palavras, estes vãos propósitos que caracterizam os espíritos agitados, dissipados e curiosos. Cada um fazia abnegação de si para servir a Deus, seja directamente na oração, seja indirectamente ajudando o próximo. Nada senão as palavras necessárias para se entenderem no trabalho ou na vida de família, e algumas palavras de piedade para se ajudarem a amarem e a servirem a Deus. Oh! Como isto difere da minha maneira de agir! Como estou longe desta calma, desta discrição, desta reserva! Que farei hoje para disto me aproximar? (Leão Dehon, OSP 3, p. 67.).

Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«A alegria do Senhor é a vossa força» (Ne 8, 10)


Fonte http://www.dehonianos.org/

Tempo Comum - Anos Ímpares - XXVI Semana - Quarta-feira - 30.09.2015


Lectio


Primeira leitura: Neemias

No mês de Nisan, no vigésimo ano do rei Artaxerxes, como o vinho estivesse diante do rei, tomei-o e ofereci-lho. Ora, jamais eu estivera triste na sua presença. 2O rei disse-me: «Porque tens o semblante tão sombrio? Não estás doente. Portanto, isso só pode ser tristeza do coração.» Eu fiquei muito conturbado, 3e respondi ao rei: «Viva o rei para sempre! Como não hei-de estar triste quando a cidade onde se encontram os túmulos dos meus pais está em ruínas, e as suas portas consumidas pelo fogo?» 4E o rei disse-me: «Que queres?» Então, fiz uma oração ao Deus do céu 5e disse ao rei: «Se aprouver ao rei, e se o teu servo achar graça diante de ti, deixa-me ir ao país de Judá, à cidade onde se encontram os túmulos dos meus pais, a fim de a reconstruir.» 6O rei, junto de quem a rainha se sentara, perguntou-me: «Quanto tempo durará essa viagem? Quando será o regresso?» Aprouve ao rei deixar-me partir, e eu indiquei-lhe a data do regresso. 7Prossegui: «Se o rei achar bem, dêem-me cartas para os governadores da outra margem do rio, de modo que me deixem passar para Judá; 8e também outra carta para Asaf, o intendente da floresta real, a fim de que me forneça madeira para construir as portas da cidadela do templo, para as muralhas da cidade e para a casa que eu habitar.» O rei concordou com o meu pedido porque me favorecia a bondosa mão de Deus.

Neemias, que detém um alto cargo na corte persa, e intervém junto do rei em favor do seu povo, lembra José no Egipto, Daniel em Babilónia, Marduqueu, Ester e o próprio Esdras na Pérsia.
Esdras dedicou-se sobretudo à reconstrução do templo; Neemias, à reconstrução da cidade. De qualquer modo, são os artífices da reconstrução pós-exílica. Mas a cronologia e a relação entre os dois levanta diversos problemas. Actualmente a disposição dos livros é Esdras-Neemias. Mas historiadores modernos pensam que a reconstrução das muralhas da cidade e toda a actividade profana e material de Neemias deve ter precedido a reforma religiosa de Esdras. Provavelmente foi o Cronista, levita do templo, que inverteu a ordem dos livros e colocou Esdras primeiro, a fim de acentuar a preeminência do sacerdócio e da vida religiosa da comunidade.
Se lermos os primeiros seis capítulos de Neemias, ficaremos com melhor compreensão da sua audácia, coragem e fortaleza.
A memória de Neemias, narrada em primeira pessoa, acaba por conduzir à presença protectora e providente de Deus, cuja mão guia os protagonistas da reconstrução do povo (v. 8).


Evangelho: Lucas 9, 57-62

Naquele tempo, 57Enquanto iam a caminho, disse-lhe alguém: «Hei-de seguir-te para onde quer que fores.» 58Jesus respondeu-lhe: «As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.» 59E disse a outro: «Segue-me.» Mas ele respondeu: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar o meu pai.» 60Jesus disse-lhe: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos. Quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus.» 61Disse-lhe ainda outro: «Eu vou seguir-te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família.» 62Jesus respondeu-lhe: «Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus.»

Como vimos ontem, depois do ministério na Galileia, Jesus tomou a direcção de Jerusalém. Não se trata só de mudança de caminho em sentido topográfico, mas também em sentido teológico e místico. Este novo caminho culminará na morte ressurreição de Jesus. É uma perspectiva paradigmática também para os discípulos. A vida cristã passa necessariamente por um encontro com Cristo no Calvário. Não basta contemplar a glória de Cristo; é preciso fixar o nosso olhar também na cruz, onde Cristo atingiu perfeição e chegou à glória (cf. Heb 5, 8s.)
Os diálogos referidos no evangelho dizem-nos que, além dos Doze, havia outros que queriam seguir Jesus, ainda que não soubessem claramente o que isso significava. As exigências do seguimento de Cristo só se tornaram claras depois da Páscoa. Lucas não nos diz quem são os três interlocutores. Mateus diz-nos que um era um escriba e outro, um discípulo (8, 19.21). Em Lucas, os três retraem-se atemorizados pela “nudez” exigida por Jesus a quem O quer seguir. O primeiro apresentou-se por sua iniciativa. Jesus mostra-lhe o esvaziamento que segui-l´O significa: «o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça» (v. 58). O segundo já é discípulo, como nos informa Mateus. Jesus ordena-lhe que O siga. Mas ele pede licença para ir enterrar o pai. Jesus responde-lhe: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos» (v. 60). Para o Senhor, está morto tudo o que não seja o Deus vivo (cf. Jo 14, 6). O terceiro fez um programa que apresenta a Jesus: «Eu vou seguir‑te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família» (v. 61). Mas Jesus diz-lhe: «Quem olha para trás, de­pois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus» (v. 62).
Não sabemos como acabaram estes episódios. O evangelho apenas refere o que Jesus oferece a quem o segue: o caminho da cruz. É preciso coragem!


Meditatio

A primeira leitura pode levar-nos, mais uma vez, à meditação sobre o dever de cada crente em colaborar na edificação do Povo de Deus e no fortalecimento da sua caminhada na fé. Como discípulos do Senhor, não podemos deixar de sentir uma verdadeira paixão pela sua comunidade, a Igreja.
Mas a primeira leitura e o evangelho também nos podem levar a outra reflexão, sempre importante. As exigências de Jesus, no evangelho, são radicais: «”Segue-me”» … Deixa que os mortos sepultem os seus mortos…Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus». Na primeira leitura, a piedade filial é expressa de modo comovente: Neemias está triste porque a cidade onde estão os túmulos dos seus pais está em ruínas e quer reconstruí-la para que guarde dignamente esses túmulos. A presença de Jesus no meio de nós realiza grandes transformações na nossa vida. Agora, como lemos na Segunda Carta aos Coríntios, estamos no tempo em que «os que vivem, não devem viver mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou. De agora em diante, não conhecemos ninguém à maneira humana… Se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; eis que surgiram coisas novas» (2 Cor 5, 15ss.). O desapego que Jesus pede a quem O segue tem em vista esta vida nova, a nova criação que Ele realizou na sua morte e ressurreição. Agora vivemos em Deus, em Cristo Jesus. «Na nossa maneira de ser e de agir, - diz o n. 38 das nossas Constituições - pela participação na construção da cidade terrena e na edificação do Corpo de Cristo, devemos testemunhar eficazmente que é o Reino de Deus e a sua justiça que se devem procurar antes de tudo e acima de tudo (cf. Mt 6,33)». Por isso, o nosso estilo de vida deve ser desapegado de tudo e de todos, sóbrio e simples, denso de fé, e compreendido na caridade. De outro modo, nem ele nem a nossa pregação serão credíveis nem representarão a «Igreja dos pobres».
Peçamos a graça de vivermos como ressuscitados na comunidade dos homens novos, que é a Igreja, contribuindo com a nossa vida desapegada e sóbria, e com nossa dedicação generosa, para a edificação da mesma.


Oratio

Senhor Jesus, que me chamaste à comunidade dos homens novos, nascidos do teu Lado aberto na cruz, infunde em mim o teu Espírito, que me torne membro vivo da tua Igreja. Que eu saiba seguir-te no caminho do desapego e da doação total, servindo o Reino, e servindo cada um dos irmãos e irmãs. Que eu saiba sempre reconhecer-te como Senhor da minha vida, e não me distraia de Ti com outras preocupações ou trabalhos. Que em todas as circunstâncias eu saiba contemplar-te ressuscitado e glorioso, ou mergulhado nos sofrimentos da tua paixão e morte. Amen.


Contemplatio

Preparai o caminho do Senhor. Há nas vossas almas perturbações e irregularidades, nada de igual, de limpo e de correcto, como era necessário que estivesse para um caminho real. Abaixai as elevações, que marcam o orgulho e a vaidade; aplanai estas partes baixas, que marcam a lassidão, a sensualidade, a avareza, a tibieza; endireitai estes caminhos tortuosos, que são as vias da hipocrisia e da inconstância; igualai os caminhos irregulares, que marcam os defeitos de carácter, a impaciência, a dureza, o mau humor. Preparai para o Salvador um caminho digno dele, onde ele avançará com prazer distribuindo as suas bênçãos. Assim falava S. João Baptista. E os seus ouvintes questionavam-no. Que havemos de fazer? Diziam de todas as partes na multidão. Ele respondia: Produzi dignos frutos de penitência, confessai os vossos pecados e mudai de vida. Que é preciso fazer, perguntavam alguns publicanos ou cobradores de impostos. Dizia-lhes: Não exijais nada para além do que vos foi prescrito. Que havemos de fazer? - perguntavam os soldados. Disse-lhes: Abstende-vos da violência e de toda a delação e contentai-vos com o vosso soldo. Acontecia, de facto, muito frequentemente que soldados denunciavam inocentes, como culpados de rebelião e de outros crimes, a fim de se apoderarem dos seus bens ou de receberem um salário vergonhoso. Em resumo, S. João recomenda a todos o cumprimento do dever de estado. É também cumprindo todos os deveres do meu estado e da minha vocação especial de amigo do Sagrado Coração que hei-de preparar os caminhos para o bom Mestre. Sei o que ele espera de mim, mas não o dou sempre. Pede de mim um coração puro e amoroso, uma grande fidelidade à minha regra de vida, com o hábito do recolhimento, da oração e da vida interior. Nestas condições, virá de boamente à minha alma e aí derramará as graças do seu divino Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 210s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Se alguém está em Cristo, é uma nova criação» (2 Cor 5, 17)


Fonte http://www.dehonianos.org/