O primeiro domingo do Advento é o início do ano litúrgico.
Para os cristãos, é o verdadeiro “ano novo”, pois a nossa vida de fé é marcada
e ritmada pela celebração do Mistério de Deus. O Advento é tempo de preparação
para o Natal; tempo que deve ser vivido numa dupla atitude: intensificar a
leitura e a meditação da Palavra de Deus e a penitência.
O texto da liturgia de hoje é parte do discurso escatológico
de Jesus (Mt 24,1–25,46); discurso sobre o fim. Entenda-se fim não como
término, mas como aquilo que é definitivo para a existência humana.
Normalmente, a linguagem utilizada para este tipo de discurso é a apocalíptica,
que tem um tom um tanto dramático e, por vezes, causa certo medo nas pessoas
que não ultrapassam o sentido primeiro do texto. Em nosso caso, o discurso é
exortação aos discípulos a colocarem a sua confiança naquilo que não passa. O
precursor deste tipo de linguagem na Bíblia é o livro de Daniel (Dn 7–12),
escrito em meados do segundo século antes de Cristo.
A evocação do tempo de Noé e o dilúvio servem para colocar
os discípulos, destinatários do discurso (cf. Mt 24,1), de alerta e para os
convidar a uma atitude de engajamento e coerência com sua vocação cristã. O
dilúvio, como evento de purificação, é água divisora entre um antes e um
depois. Parece que o dilúvio os faz abrir os olhos quanto ao modo como viviam:
nada percebiam, “até que veio o dilúvio e arrastou a todos” (v. 39). A vida do
ser humano não se encerra nos limites da história, nem se resume em comer e
beber, nem em procurar “aproveitar a vida”. Na descrição sumária do tempo de
Noé, Deus não aparece; é como se ele não contasse para nada. A excessiva
preocupação com questões relativas à vida de cada dia e com o bem-estar pode
não só nos distanciar das coisas do céu, como também nos fazer prescindir do
próprio Deus ou até ignorar sua presença. A história do tempo de Noé, antes do
dilúvio, serve para ilustrar esta situação e interpelar os discípulos a que
mantenham a vida referida a Deus. A fé em Deus exige uma vida conforme a sua
vontade: “Nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor!, entrará no Reino dos
céus, mas o que faz a vontade do meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). A vida
de quem crê deve ser a expressão da fé que ele professa e do Deus em quem ele
põe a sua esperança e confiança. O principal é buscar o Reino de Deus, que
antecede todas as coisas, e por Deus o necessário é dado (ver: Lc 12,22-31).
A imprevisibilidade da vinda do Filho do Homem exige uma
atitude diferente das pessoas do tempo de Noé, anteriores ao dilúvio (cf. v.
39b-41). A atitude requerida é a da vigilância (cf. v. 42). Vigilância é
trabalho de discernimento, é empenho na atividade cotidiana que engaja o homem
na sua missão, fruto do seguimento de Jesus Cristo. “É hora de despertarmos do sono”,
diz Paulo, “abandonemos as obras das trevas, e vistamos as armas da luz;
procedamos honestamente como em pleno dia […]. Revesti-vos do Senhor Jesus
Cristo” (Rm 13,11-14).
Carlos Alberto Contieri, sj
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