sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos - 02.11.2014


Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos

TERCEIRA MISSA

Tema da Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos

A liturgia da Comemoração dos Fiéis Defuntos convida-nos a descobrir que o projecto de Deus para o homem é um projecto de vida. No horizonte final do homem não está a morte, o fracasso, o nada, mas está a comunhão com Deus, a realização plena do homem, a felicidade definitiva, a vida eterna.
No Evangelho, Jesus deixa claro que o objectivo final da sua missão é dar aos homens o “pão” que conduz à vida eterna. Para aceder a essa vida, os discípulos são convidados a “comer a carne” e a “beber o sangue” de Jesus – isto é, a aderir à sua pessoa, a assimilar o seu projecto, a interiorizar a sua proposta. A Eucaristia cristã (o “comer a carne” e beber o sangue” de Jesus) é, ao longo da nossa caminhada pela terra, um momento privilegiado de encontro e de compromisso com essa vida nova e definitiva que Jesus veio oferecer.
Na segunda leitura, Paulo garante aos cristãos de Tessalónica que Cristo virá de novo, um dia, para concluir a história humana e para inaugurar a realidade do mundo definitivo; todo aquele que tiver aderido a Jesus e se tiver identificado com Ele irá ao encontro do Senhor e permanecerá com Ele para sempre.
Na primeira leitura, Isaías anuncia e descreve o “banquete” que Deus, um dia, vai oferecer a todos os Povos. Com imagens muito sugestivas, o profeta sugere que o fim último da caminhada do homem é o “sentar-se à mesa” de Deus, o partilhar a vida de Deus, o fazer parte da família de Deus. Dessa comunhão com Deus resultará, para o homem, a felicidade total, a vida definitiva.


LEITURA I – Is 25,6a.7-9

Leitura do Livro de Isaías

Sobre este monte,
o Senhor do Universo há-de preparar para todos os povos
um banquete de manjares suculentos.
Sobre este monte,
há-de tirar o véu que cobria todos os povos,
o pano que envolvia todas as nações;
Ele destruirá a morte para sempre.
O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces
e fará desaparecer da terra inteira
o opróbrio que pesa sobre o seu povo.
Porque o Senhor falou.
Dir-se-á naquele dia:
«Eis o nosso Deus,
de quem esperávamos a salvação;
é o Senhor, em quem pusemos a nossa confiança.
Alegremo-nos e rejubilemos,
porque nos salvou.

AMBIENTE

É extremamente difícil situar, no tempo e no momento histórico, o texto que a primeira leitura deste domingo nos apresenta.
Para uns, o oráculo pertence à fase final da vida do profeta Isaías (no final do séc. VIII a.C.) quando, desiludido com a política e com os reis de Judá, o profeta começou a sonhar com um tempo novo de felicidade e de paz sem fim para o Povo de Deus.
Para outros, contudo, este texto não pertenceria ao primeiro Isaías (o autor dos capítulos 1-39 do Livro de Isaías), apesar de aparecer integrado no seu livro. Seria um texto de uma época posterior ao profeta… A referência à superação da morte, das lágrimas e da vergonha, poderia sugerir que a composição deste texto se situaria num momento histórico posterior ao Exílio na Babilónia, quando Judá já teria reconquistado a liberdade.
Em qualquer caso, o texto constrói-se à volta da imagem do “banquete”. O “banquete” é, no ambiente sócio-cultural do mundo bíblico, o momento da partilha, da comunhão, da constituição de uma comunidade de mesa, do estabelecimento de laços familiares entre os convivas.
Para além de acontecimento social, o “banquete” tem também, frequentemente, uma dimensão religiosa. Os “banquetes sagrados” celebram e potenciam a comunhão do crente com Deus, o estabelecimento de laços familiares entre Deus e os fiéis. É por isso que, na perspectiva dos catequistas que redigiram as tradições sobre a Aliança do Sinai, o compromisso entre Jahwéh e Israel tinha de ser selado com uma refeição entre Deus e os representantes do Povo (cf. Ex 24,1-2. 9-11).
Neste campo são, também, particularmente significativos os “sacrifícios de comunhão” (“zebâh shelamim”) celebrados no Templo de Jerusalém. Neste tipo de celebração religiosa, o crente trazia ao Templo um animal destinado a Deus. Depois de imolado o animal, a sua gordura era queimada sobre o altar, ao passo que a carne era repartida pelo oferente e pelos sacerdotes. O oferente e a sua família deviam comer a sua parte no espaço sagrado do santuário. Dessa forma, sentavam-se à mesa com Deus, celebravam a sua pertença ao círculo familiar de Deus e renovavam com Deus os laços de paz, de harmonia, de comunhão (cf. Lv 3).
É este ambiente que o nosso texto supõe.

MENSAGEM

O profeta anuncia que Deus, num futuro sem data marcada, vai oferecer “um banquete”; e, para esse “banquete”, Jahwéh vai convidar “todos os povos”. Trata-se, portanto, de uma iniciativa de Deus no sentido de estabelecer laços “de família” com a humanidade inteira.
O cenário do “banquete” é “este monte” (vers. 6) – evidentemente, o monte do Templo, em Jerusalém, a “casa de Jahwéh”, o lugar onde Deus reside no meio do seu Povo, o lugar onde Israel presta culto a Jahwéh e celebra os sacrifícios de comunhão. Aceitar o convite de Deus para o “banquete” significará, portanto, participar no culto a Jahwéh, ser acolhido na casa de Jahwéh, entrar no “espaço íntimo” e familiar de Deus e sentar-se com ele à mesa.
Nesse “banquete” serão servidos “manjares suculentos”, “comida de boa gordura”, “vinhos deliciosos” e “puríssimos” (vers. 6). As expressões sublinham a abundância de vida – e de vida com qualidade – com que Deus vai cumular os seus convidados.
Para os que aceitarem o convite para o “banquete”, iniciar-se-á uma nova era, de comunhão íntima com Deus e de vida sem fim. O profeta sugere a comunhão total entre Deus e os homens que então se iniciará, com a indicação de que será removido “o véu que cobria todos os povos, o pano que envolvia todas as nações” (vers. 7) e que impedia o contacto total com o mundo de Deus. Por outro lado, o profeta sugere o início da nova era de paz e de felicidade sem fim, dizendo que Deus vai destruir a morte para sempre, vai enxugar “as lágrimas de todas as faces” e vai eliminar “o opróbrio que pesa sobre o seu Povo” (vers.8).
O “banquete” termina com um cântico de acção de graças que evoca, provavelmente, uma fórmula usada na aclamação de um novo rei (vers. 9). Significa que, com o “banquete” que o Messias vai oferecer, se iniciará o reinado de Deus sobre toda a terra.
O profeta está, sem dúvida, a descrever os tempos messiânicos. Na perspectiva do profeta, serão tempos de comunhão total de Deus com o homem e do homem com Deus. Dessa intimidade entre Deus e o homem resultará, para o homem, a felicidade total, a vida verdadeira e plena.
A partir daqui, a ideia de um “banquete messiânico” tornou-se corrente no judaísmo.

ACTUALIZAÇÃO

• A imagem do “banquete” para o qual Deus convida “todos os povos” aponta para essa realidade de comunhão, de festa, de amor, de felicidade que Deus insistentemente nos oferece. Nunca será de mais recordar isto: Deus tem um projecto de vida, que quer oferecer a todos os homens, sem excepção. Não somos “filhos de um deus menor”, pobre humanidade abandonada à sua sorte, perdida num universo hostil e condenada ao nada; somos pessoas a quem Deus ama, a quem Ele convida para integrar a sua família e a quem Ele oferece a vida plena e definitiva. A consciência desta realidade deve iluminar a nossa existência e encher de serenidade, de esperança e de confiança a nossa caminhada nesta terra. A nossa finitude, as nossas limitações, os nossos medos e misérias não são a última palavra da nossa existência; mas caminhamos todos ao encontro da festa definitiva que Deus prepara para todos os que aceitam o seu dom.

• Ao homem basta-lhe aceitar o convite de Deus para ter acesso a essa festa de vida eterna. Aceitar o convite de Deus significa renunciar ao egoísmo, ao orgulho e à auto-suficiência e conduzir a existência de acordo com os valores de Deus; aceitar o convite de Deus implica dar prioridade ao amor, testemunhar os valores do Reino e construir, já aqui, uma nova terra de justiça, de solidariedade, de partilha, de amor. No dia do nosso baptismo, aceitamos o convite de Deus e comprometemo-nos com Ele… A nossa vida tem sido coerente com essa opção?


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)

Refrão 1: O Senhor é meu pastor:
nada me faltará.

Refrão 2: Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
nada temo, porque Vós estais comigo.

O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.

Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.

Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça,
e o meu cálice transborda.

A bondade e a graça hão-de acompanhar-me
todos os dias da minha vida
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.


LEITURA II – 1 Tes 4,13-18

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses

Não queremos, irmãos, deixar-vos na ignorância
a respeito dos defuntos,
para não vos contristardes como os outros,
que não têm esperança.
Se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou,
do mesmo modo, Deus levará com Jesus
os que em Jesus tiverem morrido.
Eis o que temos para vos dizer,
segundo a palavra do Senhor:
Nós, os vivos,
os que ficarmos para a vinda do Senhor,
não precederemos os que tiverem morrido.
Ao sinal dado, à voz do Arcanjo e ao som da trombeta divina,
o próprio Senhor descerá do Céu
e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro.
Em seguida, nós, os vivos, os que tivermos ficado,
seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens,
para irmos ao encontro do Senhor nos ares,
e assim estaremos sempre com o Senhor.
Consolai-vos uns aos outros com estas palavras.

AMBIENTE

De acordo com os “Actos dos Apóstolos”, Paulo não teve muito tempo para evangelizar os tessalonicenses. Depois de poucas semanas de pregação, um motim habilmente preparado pelos judeus da cidade obrigou-o a partir precipitadamente de Tessalónica, deixando atrás de si uma comunidade cristã fervorosa e entusiasta, mas insuficientemente preparada do ponto de vista catequético (cf. Act 17,1-10). Paulo foi para Bereia, depois para Atenas e Corinto. De Corinto, Paulo enviou Timóteo ao encontro dos tessalonicenses, para verificar como é que a comunidade se estava a aguentar face à hostilidade dos judeus. No regresso a Corinto, Timóteo deu conta a Paulo da situação da comunidade: os tessalonicenses continuavam a viver com entusiasmo o seu compromisso cristão, embora sentissem algumas dúvidas em questões de fé e de doutrina.
Um dos problemas teológicos que mais preocupava os tessalonicenses era a questão da parusia (regresso de Jesus, no final dos tempos)… Paulo e as primeiras gerações cristãs acreditavam que esse dia surgiria num espaço de tempo muito curto e que assistiriam ao triunfo final de Jesus. A este propósito os tessalonicenses punham, no entanto, um problema muito prático: qual será a sorte dos cristãos que morrerem antes da segunda vinda de Cristo? Como poderão sair ao encontro de Cristo vitorioso e entrar com Ele no Reino de Deus se já estão mortos?
É então que Paulo escreve aos tessalonicenses, encorajando-os na fé e respondendo às suas dúvidas. Estamos no ano 50 ou 51. O texto que nos é proposto é parte desse esclarecimento sobre a parusia que Paulo incluiu na carta.

MENSAGEM

Antes de mais, Paulo confirma aquilo que, provavelmente, já antes havia ensinado aos tessalonicenses: que Cristo virá para concluir a história humana; e que todo aquele que tiver aderido a Cristo e se tiver identificado com Ele, esteja morto ou esteja vivo, encontrará a salvação (vers. 14). Se Cristo recebeu do Pai a vida que não acaba, quem se identifica com Cristo está destinado a uma vida semelhante; a morte não tem poder sobre ele… Isto deve encher de esperança o cristão, mantendo-o alegre, sereno e cheio de ânimo.
Como é que se concretizará isso? Como é que aqueles que já morreram assistirão ao triunfo final de Cristo?
Paulo não é demasiado explícito, pois está consciente de que se trata de uma realidade misteriosa, que foge à lógica e à linguagem humanas. De qualquer forma, para descrever a passagem do homem velho para a realidade do homem novo que vive para sempre junto de Deus, Paulo vai recorrer ao género literário “apocalipse”, um género literário que utiliza preferentemente a imagem e o símbolo (afinal, a linguagem mais adaptada para expressar uma realidade que nos ultrapassa e que não conseguimos definir e explicar nos seus detalhes). O quadro que Paulo traça é o seguinte: aqueles crentes que, entretanto, morreram ressuscitarão primeiro (“à voz do arcanjo”, “ao som da trombeta de Deus” – elementos típicos da escatologia judaica); depois, em companhia de “nós, os vivos”, irão ao encontro do Senhor que vem na sua glória, e permanecerão com Ele para sempre.
Em qualquer caso, o que está aqui em causa não é a definição do quadro fotográfico da última vinda do Senhor… O que Paulo aqui pretende é tranquilizar os tessalonicenses, assegurando-lhes que não haverá qualquer diferença ou discriminação entre os que morreram antes da segunda vinda de Jesus e aqueles que permanecerem vivos até esse instante: uns e outros encontrar-se-ão com o Senhor Jesus, partilharão o seu triunfo e entrarão com Ele na glória.

ACTUALIZAÇÃO

• A certeza da ressurreição garante-nos que Deus tem um projecto de salvação e de vida para cada homem; e que esse projecto está a realizar-se continuamente em nós, até à sua concretização plena, quando nos encontrarmos definitivamente com Deus.

• A nossa vida presente não é, pois, um drama absurdo, sem sentido e sem finalidade; é uma caminhada tranquila, confiante – ainda quando feita no sofrimento e na dor – em direcção a esse desabrochar pleno, a essa vida total em que se revelará o Homem Novo.

• Isso não quer dizer que devamos ignorar as coisas boas deste mundo, vivendo apenas à espera da recompensa futura, no céu; quer dizer que a nossa existência deve ser – já neste mundo – uma busca da vida e da felicidade; isso implicará uma não conformação com tudo aquilo que nos rouba a vida e que nos impede de alcançar a felicidade plena, a perfeição última (a nós e a todos os homens nossos irmãos).

• Não é possível viver com medo, depois desta descoberta: podemos comprometer-nos na luta pela justiça e pela paz, com a certeza de que a injustiça e a opressão não podem pôr fim à vida que nos anima; e é na medida em que nos comprometemos com esse mundo novo e o construímos com gestos concretos, que estamos a anunciar a ressurreição plena do mundo, dos homens e das coisas.


ALELUIA – Jo 6,51

Aleluia. Aleluia.

Eu sou o pão vivo que desceu do Céu;
Que comer deste pão viverá eternamente.


EVANGELHO – Jo 6,51-58

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
disse Jesus à multidão:
«Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei-de dar é minha carne,
que Eu darei pela vida do mundo».
Os judeus discutiam entre si:
«Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?»
Jesus disse-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Se não comerdes a carne do Filho do homem
e não beberdes o seu sangue,
não tereis a vida em vós.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
tem a vida eterna;
e Eu o ressuscitarei no último dia.
A minha carne é verdadeira comida
e o meu sangue é verdadeira bebida.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
permanece em Mim e Eu nele.
Assim como o Pai, que vive, Me enviou
e Eu vivo pelo Pai,
também aquele que Me come viverá por Mim.
Este é o pão que desceu do Céu;
não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram:
Quem comer deste pão viverá eternamente».

AMBIENTE

O trecho que nos é proposto neste domingo como Evangelho situa-nos na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,59) e no contexto do discurso sobre o “pão da vida”. Ao longo desse discurso, Jesus afirmou repetidamente que era “o pão que desceu do céu para dar vida ao mundo”; aqui, no entanto, vai ainda mais além: convida os seus interlocutores a comer a sua carne e a beber o seu sangue.
As palavras de Jesus parecem conter uma referência clara à Eucaristia. Alguns biblistas pensam que esta parte do discurso é uma reflexão da primitiva comunidade cristã, que reintrepretou a primeira parte do discurso, explicitando-a a partir da celebração eucarística posterior; outros pensam que João reelaborou uma série de materiais que estariam, inicialmente, incluídos no relato da última ceia e que foram deslocados para aqui por conveniências teológicas (na sua versão da última ceia, João preferiu dar relevo à lavagem dos pés; contudo, não quis a omitir o discurso eucarístico de Jesus, um dado tão importante para a tradição cristã. Sendo assim, transladou-o para outro lugar; e o lugar mais indicado para o situar pareceu-lhe ser, precisamente, na continuação do discurso sobre o “pão descido do céu para dar vida ao mundo”). Em qualquer caso, esta parte do discurso (cf. Jo 6,51-58) não deve ter sido feita na sinagoga de Cafarnaum… Ela só faz sentido após a instituição da Eucaristia, na última ceia.
O discurso sobre o “pão da vida” (cf. Jo 6,22-58) ficou, portanto, no esquema de João, com o seguinte enquadramento lógico: os homens buscam o pão material; Jesus traz-lhes o “pão do céu que dá vida ao mundo”; e o pão eucarístico realiza, de forma plena, a missão de Jesus no sentido de dar vida ao homem.

MENSAGEM

Depois de se apresentar como “o pão vivo que desceu do céu” para dar aos homens a vida definitiva (vers. 51a), Jesus identifica esse “pão” com a sua “carne” (vers. 51b). A palavra “carne” (em grego: “sarx”) designa a realidade física do homem, na sua condição débil, transitória e caduca. Ora, foi precisamente na “carne” de Jesus – isto é, no seu corpo físico – que se manifestou, em gestos concretos, a sua doação e o seu amor até ao extremo. Na realidade física de Jesus, Deus tornou-Se presente e visível no meio dos homens, mostrou a sua vontade de comunicar com os homens e manifestou-lhes o seu amor. É esta “carne” (isto é, a sua vida física, o “lugar” onde Deus se manifesta aos homens e lhes mostra o seu amor) que Jesus vai dar a “comer” para que o mundo tenha vida.
Os judeus não entendem as palavras de Jesus (vers. 51). Quando Jesus Se apresentou como “pão vivo descido do céu para dar a vida ao mundo”, eles entenderam que Jesus pretendia ser uma espécie de “mestre de sabedoria” que trazia aos homens palavras de Deus (também isso, eles tinham dificuldade em aceitar; mas, pelo menos, entendiam aonde Ele queria chegar)… Mas agora Jesus fala em “comer” a sua carne. O que significam as suas palavras? São palavras difíceis de entender, se não nos colocarmos numa perspectiva eucarística; e, por isso, os judeus não as entendem… Para a comunidade de João, contudo, as palavras de Jesus são claras, pois são entendidas tendo em conta a celebração e o significado da Eucaristia.
Na sequência, Jesus reitera a sua afirmação, desta vez com mais desenvolvimentos: Ele não só vai dar a comer a sua carne, mas também a beber o seu sangue; e quem os aceitar, recebe vida definitiva (vers. 53-54). A referência ao sangue coloca-nos no contexto da paixão e da morte. Dizer que Jesus é carne significa que Ele Se tornou pessoa como nós, assumiu a nossa condição de debilidade, aceitando passar, até, pela experiência da morte. Dizer que o pão que Ele há-de dar é a sua “carne para a vida do mundo” significa que Jesus fez da sua vida um dom, uma “entrega” por amor aos homens; e que o momento mais alto dessa vida feita “dom” e “entrega” é a morte na cruz. Na cruz, manifestou-se, através da “carne” de Jesus – isto é, através da sua realidade física – o seu amor, o seu dom, a sua entrega… Ora, é essa realidade que se manifestou na cruz – realidade de amor, de doação, de entrega – que os discípulos são convidados a comer e a beber. Comer e beber significam, neste contexto, “aderir”, “acolher”, interiorizar”, “assimilar”.
A questão é, portanto, esta: Jesus não está a falar da sua carne física e do seu sangue físico… Está a pedir, simplesmente, que os seus discípulos acolham e assimilem essa vida de amor, de dom, de entrega, que Ele mostrou na sua pessoa (isto é, nos seus gestos, no seu amor, na sua doação aos homens) e que teve a sua expressão mais radical na cruz, quando Jesus, por amor, ofereceu totalmente a sua vida, até à última gota de sangue. Quem “acolher” e “assimilar” esta vida e aceitar viver da mesma forma – no amor e no dom total da vida, até à morte – terá vida plena e definitiva.
A Eucaristia actualiza esta realidade na comunidade cristã e na vida dos crentes. Esse mesmo Jesus que amou até às últimas consequências, que pôs a sua vida ao serviço dos homens, que Se deu na cruz, oferece-Se como alimento aos seus. O discípulo que participa da Eucaristia, isto é, que “come” e que “bebe” a “carne” e o “sangue” de Jesus, assimila esta proposta e compromete-se a viver e a dar a vida como Ele (vers. 55).
Um dos efeitos de comer a carne e beber o sangue de Jesus é ficar em união íntima, em comunhão de vida com Jesus. O discípulo que interioriza a proposta de Jesus identifica-se com Ele e torna-se um com Ele (vers. 56). O cristão é, antes de mais, alguém que recebe vida de Jesus e vive em união com Ele.
Outro efeito de comer a carne e beber o sangue de Jesus é comprometer-se com o mesmo projecto de Jesus. Jesus Cristo foi enviado pelo Pai ao mundo para dar vida ao mundo e o seu plano consiste em concretizar esse projecto; o cristão assimila esse mesmo projecto e dedica toda a sua existência a concretizá-lo no meio dos homens (vers. 57).
É neste caminho que se chega a essa vida plena e definitiva que Jesus veio propor aos homens. Do comer a carne e beber o sangue de Jesus nascerá uma nova humanidade de gente livre, que venceu a morte e que vive para sempre (vers. 58).
O discurso que João põe na boca de Jesus não se dirige aos judeus (pois os judeus não eram capazes de entender as palavras de Jesus), mas dirige-se aos discípulos. O seu objectivo é explicar o programa de Jesus, pedir aos discípulos que assimilem esse programa e o testemunhem no meio dos homens. A Eucaristia cristã (comer a carne e beber o sangue) é, assim, uma forma privilegiada de “actualizar” na vida dos crentes a vida e o amor de Jesus, de estar em comunhão com Jesus, de “assimilar” o projecto de Jesus e de o concretizar no mundo.

ACTUALIZAÇÃO

• A liturgia da comemoração dos Fiéis Defuntos assegura-nos que Deus tem um projecto de vida definitiva para oferecer aos homens: o caminho que percorremos nesta terra não termina no fracasso e na morte, mas no encontro com a vida verdadeira e eterna. Ora, o Evangelho que hoje nos é proposto confirma e garante esse ensinamento fundamental: cumprindo o seu projecto de salvação, Deus enviou Jesus ao mundo (Jesus apresenta-Se como “o pão que desceu do céu”) para que os homens pudessem chegar à vida eterna. A liturgia deste dia convida-nos, antes de mais, a contemplar o amor de Deus por nós, a constatar a sua incrível preocupação com a nossa felicidade e com a nossa realização plena, a descobrir que não estamos perdidos e abandonados face à nossa fragilidade, debilidade e finitude. Esta constatação deve levar-nos a encarar, com serenidade e confiança, a nossa caminhada pela terra, com a certeza de que nos espera, para lá do horizonte deste mundo imperfeito, a vida verdadeira e definitiva.

• Como é que chegamos a adquirir essa vida verdadeira e definitiva? O Evangelho deste domingo afirma, categoricamente, que quem aceita comer a carne e beber o sangue de Jesus viverá eternamente. Ora, comer a carne e beber o sangue de Jesus é, antes de mais, acolher, assimilar e interiorizar essa proposta de vida que Jesus nos fez (com a sua Palavra, com o seu exemplo, com os seus gestos, com o seu amor); é, como Jesus, colocar a própria vida ao serviço dos projectos de Deus e fazer da própria existência um dom de amor aos irmãos. Este programa de vida não é, como é notório para qualquer um de nós, demasiado apreciado numa cultura como a nossa, fortemente marcada pelo egoísmo, pelo individualismo e pela auto-suficiência. Que não restem, contudo, dúvidas: só encontraremos essa vida plena e eterna a que aspiramos, seguindo Jesus, assimilando os seus valores, fazendo da nossa vida um serviço a Deus e aos irmãos com quem nos cruzamos nos caminhos do mundo. Se aceitarmos conduzir a vida de acordo com esses parâmetros, o horizonte final da nossa caminhada por esta terra não é a morte, mas a vida eterna.

• A Eucaristia é um momento privilegiado de encontro com esse Cristo que Se faz “dom” e que vem ao nosso encontro para nos oferecer a vida plena e definitiva. Participar no encontro eucarístico, comer a carne e beber o sangue de Jesus é encontrar-se, hoje, com esse Cristo que veio ao encontro dos homens e que tornou presente na sua “carne” (na sua pessoa física) uma vida feita amor, partilha, entrega, até ao dom total de Si mesmo na cruz (“sangue”). Para nós, os crentes, a Eucaristia – mais do que um rito que cumprimos por obrigação ou por tradição – tem de ser um momento privilegiado de encontro e de compromisso com Jesus e com essa vida nova e eterna que Ele continuamente nos oferece.

• Sentar-se à mesa da Eucaristia é identificar-se com Jesus, aceitar viver em união com Ele. Na Eucaristia, o alimento servido é o próprio Cristo. Por isso, é a própria vida de Cristo que passa a circular nos crentes. Quem acolhe essa vida que Jesus oferece torna-se um com Ele. Comer cada domingo (ou cada dia) à mesa com Jesus desse alimento que Ele próprio dá e que é a sua pessoa, leva os crentes a uma comunhão total de vida com Jesus e a fazer parte da família do próprio Jesus. Convém termos consciência desta realidade: celebrar a Eucaristia é aprofundarmos os laços familiares que nos unem a Jesus, identificarmo-nos com Ele, deixarmos que a sua vida circule em nós. O crente, alimentado pela Eucaristia, identificado com Jesus, transformado num homem novo, transporta consigo dinamismos de vida eterna.

• Na concepção judaica, a partilha do mesmo alimento à volta da mesa gera entre os convivas familiaridade e comunhão. Assim, os crentes que participam da Eucaristia passam a ser irmãos: todos partilham a mesma vida, a vida do Cristo do amor total. Dessa forma, a participação na Eucaristia tem de resultar no reforço da comunhão dos irmãos. Uma comunidade que celebra a Eucaristia é uma comunidade que aceitou banir do seu próprio seio tudo o que é divisão, ciúme, conflito, orgulho, auto-suficiência, indiferença para com as dores e as necessidades dos irmãos… A comunidade que se alimenta da Eucaristia deve ser, portanto, um anúncio vivo desse mundo novo de fraternidade, de justiça e de paz que nos espera para além desta terra.

• Finalmente, o comer a carne e beber o sangue de Jesus implica um compromisso com esse mesmo projecto que Jesus procurou concretizar em toda a sua vida, em todos os seus gestos, em todas as suas palavras. O crente que celebra a Eucaristia tem de levar ao mundo e aos homens essa vida que aí recebe… Tem de lutar, como Jesus, contra a injustiça, o egoísmo, a opressão, o pecado; tem de esforçar-se, como Jesus, por eliminar tudo o que desfeia o mundo e causa sofrimento e morte; tem de construir, como Jesus, um mundo de liberdade, de amor e de paz; tem de testemunhar, como Jesus, que a vida verdadeira é aquela que se faz amor, serviço, partilha, doação até às últimas consequências. O crente que come a carne e que bebe o sangue de Jesus torna-se uma fonte de onde brota, para o mundo e para os homens, a vida eterna.

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org  – www.dehonianos.org 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Solenidade de Todos os Santos - 01.11.2014


Solenidade de Todos os Santos

Nota introdutória:

Temos partilhado convosco os comentários às leituras de cada domingo. Para a Solenidade de Todos os Santos, não sendo possível preparar os comentários na forma habitual, publicamos alguns elementos de apoio, inspirados e adaptados da revista “Signes d’aujourd´hui”: breves introduções e comentários às leituras; uma primeira reflexão sobre o Evangelho no presente; uma segunda reflexão intitulada “ter um coração de pobre”; uma terceira reflexão sobre “a santidade de muitos” (João Paulo II); algumas sugestões práticas.


BREVES INTRODUÇÕES ÀS LEITURAS:


Primeira leitura: Como descrever a felicidade dos mártires e dos santos na sua condição celeste, invisível? Para isso, o profeta recorre a uma visão.

Salmo responsorial: O salmo de hoje proclama as condições de entrada no Templo de Deus. Ele anuncia também a bem-aventurança dos corações puros. Nós somos este povo imenso que marcha ao encontro do Deus santo.

Segunda leitura: Desde o nosso baptismo, somos chamados filhos de Deus e o nosso futuro tem a marca da eternidade.

Evangelho: Que futuro reserva Deus aos seus amigos, no seu Reino celeste? Ele próprio é fonte de alegria e de felicidade para eles.


LEITURA I – Ap 7,2-4.9-14

Eu, João, vi um Anjo que subia do Nascente,
trazendo o selo do Deus vivo.
Ele clamou em alta voz
aos quatro Anjos a quem foi dado o poder
de causar dano à terra e ao mar:
«Não causeis dano à terra, nem ao mar, nem às árvores,
até que tenhamos marcado na fronte
os servos do nosso Deus».
E ouvi o número dos que foram marcados:
cento e quarenta e quatro mil,
de todas as tribos dos filhos de Israel.
Depois disto, vi uma multidão imensa,
que ninguém podia contar,
de todas as nações, tribos, povos e línguas.
Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.
E clamavam em alta voz:
«A salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono,
e ao Cordeiro».
Todos os Anjos formavam círculo
em volta do trono, dos Anciãos e dos quatro Seres Vivos.
Prostraram-se diante do trono, de rosto por terra,
e adoraram a Deus, dizendo:
«Amen! A bênção e a glória, a sabedoria e a acção de graças,
a honra, o poder e a força ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amen!».
Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me:
«Esses que estão vestidos de túnicas brancas,
quem são e de onde vieram?».
Eu respondi-lhe:
«Meu Senhor, vós é que o sabeis».
Ele disse-me:
«São os que vieram da grande tribulação,
os que lavaram as túnicas
e as branquearam no sangue do Cordeiro».


Breve comentário
As primeiras perseguições tinham feito destruições cruéis nas comunidades cristãs, ainda tão jovens. Iriam estas comunidades, acabadas de fundar, desaparecer? As visões do profeta cristão trazem uma mensagem de esperança nesta provação. É uma linguagem codificada, que evoca Roma, perseguidora dos cristãos, sem a nomear directamente, aplicando-lhe o qualificativo de Babilónia.
A revelação proclamada é a da vitória do Cordeiro. Que paradoxo! O próprio Cordeiro foi imolado. Mas é o Cordeiro da Páscoa definitiva, o Ressuscitado. Ele transformou o caminho de morte em caminho de vida para todos aqueles que o seguem, em particular pelo martírio, e eles são numerosos; participam doravante ao seu triunfo, numa festa eterna.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 23 (24)

Refrão: Esta é a geração dos que procuram o Senhor.

Do Senhor é a terra e o que nela existe,
o mundo e quantos nele habitam.
Ele a fundou sobre os mares
e a consolidou sobre as águas.

Quem poderá subir à montanha do Senhor?
Quem habitará no seu santuário?
O que tem as mãos inocentes e o coração puro,
o que não invocou o seu nome em vão.

Este será abençoado pelo Senhor
e recompensado por Deus, seu Salvador.
Esta é a geração dos que O procuram,
que procuram a face de Deus.


LEITURA II – 1 Jo 3,1-3

Caríssimos:
Vede que admirável amor o Pai nos consagrou
em nos chamar filhos de Deus.
E somo-lo de facto.
Se o mundo não nos conhece,
é porque O não conheceu a Ele.
Caríssimos, agora somos filhos de Deus
e ainda não se manifestou o que havemos de ser.
Mas sabemos que, na altura em que se manifestar,
seremos semelhantes a Deus,
porque O veremos tal como Ele é.
Todo aquele que tem n’Ele esta esperança
purifica-se a si mesmo,
para ser puro, como ele é puro.


Breve comentário

Segunda mensagem de esperança. Ela responde às nossas interrogações sobre o destino dos defuntos. Que vieram a ser? Como sabê-lo, pois desapareceram dos nossos olhos? E nós próprios, que viremos a ser?
A resposta é uma dedução absolutamente lógica: se Deus, no seu imenso amor, faz de nós seus filhos, não nos pode abandonar. Ora, em Jesus, vemos já qual o futuro a nos conduz a pertença à família divina: seremos semelhantes a Ele.


ALELUIA – Mt 11,28

Aleluia. Aleluia.
Vinde a Mim, vós todos os que andais cansados e oprimidos
e Eu vos aliviarei, diz o Senhor.


EVANGELHO – Mt 5,1-12

Naquele tempo,
ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se.
Rodearam-n’O os discípulos
e Ele começou a ensiná-los, dizendo:
«Bem-aventurados os pobres em espírito,
porque deles é o reino dos Céus.
Bem-aventurados os humildes,
porque possuirão a terra.
Bem-aventurados os que choram,
porque serão consolados.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados.
Bem-aventurados os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus.
Bem-aventurados os que promovem a paz,
porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça,
porque deles é o reino dos Céus.
Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa,
vos insultarem, vos perseguirem
e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.
Alegrai-vos e exultai,
porque é grande nos Céus a vossa recompensa».


Breve comentário
As Bem-aventuranças revelam a realidade misteriosa da vida em Deus, iniciada no Baptismo. Aos olhos do mundo, o que os servidores de Deus sofrem são, efectivamente, formas de morte: ser pobre, suportar as provas (os que choram) ou as privações (ter fome e sede) de justiça, ser perseguido, ser partidário da paz, da reconciliação e da misericórdia, num mundo de violência e de lucro… tudo isso aparece como não rentável, votado ao fracasso, à morte.
Mas que pensa Cristo? Ele, pelo contrário, proclama felizes todos os seus amigos que o mundo despreza e considera como mortos, consola-os, alimenta-os, chama-os filhos de Deus, introdu-los no Reino e na Terra Prometida.
A Solenidade de Todos os Santos abre-nos assim o espírito e o coração às consequências da Ressurreição. O que se passou em Jesus realizou-se também nos seus bem amados, os nossos antepassados na fé, e diz-nos igualmente respeito: sob as folhas mortas, sob a pedra do túmulo, a vida continua, misteriosa, para se revelar no Grande Dia, quando chegar o fim dos tempos. Para Jesus, foi o terceiro dia; para os seus amigos, isso será mais tarde.

REFLEXÃO 1 – O EVANGELHO NO PRESENTE

Os membros de uma mesma família têm traços do rosto comuns…
As pessoas que partilham toda uma vida juntos acabam por se parecerem…
Esta festa anual de Todos os Santos reúne inúmeros rostos que trazem em si a imagem e a semelhança de Deus.


Um rosto de humanidade transfigurada.

Enquanto vivos, os santos não se consideravam como tais, longe disso! Eles não esculpiam a sua efígie num fundo de auto-satisfação…
Contrariamente àquilo que geralmente aparece nas imagens ditas piedosas e nas biografias embelezadas, eles não foram perfeitos, nem à primeira, nem totalmente, nem sobretudo sem esforço. Eles tinham fraquezas e defeitos contra os quais se bateram toda a vida.
Alguns, como S. Agostinho, vieram de longe, transfigurados pelo amor de Deus que acolheram na sua existência. Quanto mais se aproximaram da luz de Deus, tanto mais viram e reconheceram as sombras da sua existência.
Peregrinos do quotidiano, a maior parte deles não realizaram feitos heróicos nem cumpriram prodígios. É certo que alguns têm à sua conta realizações espectaculares, no plano humanitário, no plano espiritual, ou ainda na história da Igreja. Mas muitos outros, a maioria, são os santos da simplicidade e do quotidiano! Infelizmente, canoniza-se muito pouco estas pessoas do quotidiano!


Um rosto com traços de Cristo.

Encontramos em cada um dos santos e das santas um mesmo perfil. Poderíamos mesmo desenhar o seu retrato-robô comum. Por muito frequentarem Cristo, deixaram-se modelar pelos seus traços.
Como Jesus, os santos tiveram que viver muitas vezes em sentido contrário às ideias recebidas e aos comportamentos do seu tempo. Viver as Bem-aventuranças não é evidente: ser pobre de coração num mundo que glorifica o poder e o ter; ser suave num mundo duro e violento; ter o coração puro face à corrupção; fazer a paz quando outros declaram a guerra…
Os santos foram pessoas “em marcha” (segundo uma tradução judaizante de “bem-aventurado”), isto é, pessoas activas, apaixonadas pelo Evangelho… Os santos foram homens e mulheres corajosos, capazes de reagir e de afirmar a todo o custo aquilo que os fazia viver. Eles mostram-nos o caminho da verdade e da liberdade.
Aqueles que frequentaram os santos – aqueles que os frequentam hoje – afirmam que, junto deles, sentimos que nos tornamos melhores. O seu exemplo ilumina. A sua alegria é o seu testemunho mais belo. A sua felicidade é contagiosa.


REFLEXÃO 2 – TER UM CORAÇÃO DE POBRE (Gérard Naslin)

Eram quatro casais amigos à volta da mesma mesa. Os copos estavam bem cheios e os pratos bem guarnecidos. No meio da refeição, a conversa centra-se nos acontecimentos da actualidade: fala-se dos estrangeiros e imigrantes. O debate aquece e cada um proclama o slogan tantas vezes repetido, o cliché veiculado pelos media… Todos parecem em uníssono.
Entretanto, um dos convivas, que estava em silêncio há alguns minutos, abrindo a boca, disse: “Não estou de acordo convosco e vou dizer-vos porquê. Para mim, todo o homem é uma história sagrada, eu acredito nisso, deixai-me dizê-lo”. Imaginai o tempo de silêncio que se seguiu, enquanto os olhares e os garfos mergulharam nos pratos.
Naquela noite, ao longo de uma refeição entre amigos, passou-se qualquer coisa que nos faz ver o que é o Reino de Deus: um homem só ousava deixar a multidão para dizer: “Não estou de acordo!” em nome da sua fé no homem e, no caso preciso, em nome da sua fé em Deus.
Não foi o que se passou no cimo de uma montanha da Palestina, há 2000 anos, quando um homem, Jesus de Nazaré, tendo diante de si os seus discípulos que tinham deixado a multidão para O seguir, “abrindo a boca”, se pôs a instrui-los e lhes falou de felicidade, mas de modo nenhum como o mundo fala dela?!
São estes discípulos que ele declara “bem-aventurados”. São Lucas, no seu Evangelho, será ainda mais preciso, pois escreverá: “erguendo os olhos para os discípulos…” E que lhes disse Ele? “Bem-aventurados vós, os pobres de coração, porque vosso é o Reino de Deus!”.
Eis a força contestatária de Jesus. E as outras seis bem-aventuranças aí estão para ilustrar a primeira, a da pobreza do coração. Quanto à última, ela aparece como a conclusão: “Sim, se vós viveis dessa vida, esperai ser perseguidos, porque isso impedirá as pessoas de dormir; isso inquietá-las-á, e como as pessoas não gostam de ser inquietadas, vós sereis perseguidos”.
As bem-aventuranças, se as queremos tomar a sério, e sobretudo vivê-las, colocam-nos em situação de contestação e fazem-nos assumir riscos. Sim, em certos momentos, fazem-nos dizer, e sobretudo viver, um “Não estou de acordo” em nome da nossa fé.
Porque é que Jesus declara “felizes” os seus discípulos? Porque eles são pobres de coração, porque eles estão libertos de tudo o que poderia entravar a sua liberdade. Com efeito, a alegria é o fruto da liberdade.
Mas de que pobreza fala Jesus? Fala da pobreza que permite crer, esperar e amar.

O pobre é aquele que “tem crédito” em Deus.
“Ter crédito” ou dizer “credo”, é a mesma coisa. Quando se fala de noivos, fala-se de duas pessoas que confiam entre si, que se fiam uma na outra, que “têm crédito”. A desconfiança torna a pessoa infeliz. Confiar é aceitar um certo abandono: aquele que grita em direcção a Deus no meio do seu sofrimento ou da sua confusão é aquele que confia sempre em Deus.

O pobre é também aquele que espera.
O rico não pode esperar, está plenamente satisfeito. O pobre, esse, está sempre virado para um futuro que espera que seja melhor; depois, ele procura, porque pensa nunca ter totalmente encontrado. A sua vida é uma procura e todos os sinais que ele encontra enchem-no de alegria e fazem-no avançar. O pobre é aquele que aceita ser criticado pela Palavra de Deus. Com efeito, pôr-se em questão só é possível para aquele que espera tornar-se melhor.

O pobre é aquele que ama.
Por não estar plenamente satisfeito consigo mesmo, o pobre está disponível para servir os seus irmãos. Não centrado em si próprio, abre os olhos e vê aqueles que esperam os seus gestos de amor; ouve os gritos dos seus irmãos e abre as suas mãos vazias para as estender àquele que tem necessidade. A sua pobreza fá-lo receber e, ao mesmo tempo, dar o pouco que tem.
Jesus conhecia o coração do homem, e soube reconhecer no coração dos seus discípulos esta aspiração a crer, a esperar e a amar; é a razão pela qual ele os escolheu e chamou.
As bem-aventuranças vão, em tantas situações, contra a corrente, porque um homem, um dia, ousou abrir a boca para dizer aos seus discípulos: “Sois do mundo, e ao mesmo tempo não sois do mundo… Vós não sois do mundo do cada um para si, do consumo, da violência, da vingança, do comprometimento… E face a este mundo deveis dizer: não estou de acordo! É certo que sereis perseguidos ou, pelo menos, rir-se-ão de vós, ou procurarão fazer-vos calar. Sereis felizes, porque fareis ver onde está a verdadeira felicidade. Chamar-vos-ão santos”.
Festejamos neste dia todos aqueles que tomam de tal modo a sério as bem-aventuranças que são hoje plenamente felizes.
Queremos experimentar ser já felizes? Basta-nos ter um coração de pobre.


REFLEXÃO 3 – A SANTIDADE DE MUITOS
(da Exortação Apostólica Ecclesia in Europa de João Paulo II, nº 14)

Fruto da conversão realizada pelo Evangelho é a santidade de muitos homens e mulheres do nosso tempo; não só daqueles que foram proclamados oficialmente santos pela Igreja, mas também dos que, com simplicidade e no dia a dia da existência, deram testemunho da sua fidelidade a Cristo. Como não pensar aos inumeráveis filhos da Igreja que, ao longo da história do continente europeu, viveram uma santidade generosa e autêntica no mais recôndito da vida familiar, profissional e social? «Todos eles, como “pedras vivas” aderentes a Cristo “pedra angular”, construíram a Europa como edifício espiritual e moral, deixando aos vindouros a herança mais preciosa. O Senhor Jesus havia prometido: “Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai'' (Jo 14,12). Os santos são a prova viva da realização desta promessa, e ajudam a crer que isto é possível mesmo nos momentos mais difíceis da história».
(1) João Paulo II, Homilia durante a Missa de encerramento da II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa (23 de Outubro de 1999), 4: AAS 92 (2000), 179.


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

1. DURANTE A CELEBRAÇÃO.
Podemos traduzir hoje a nossa alegria através da nossa maneira de cantar. Mas podemos igualmente imaginar outros meios para sublinhar a alegria e o júbilo: com diversos instrumentos musicais, com a preparação de decoração ou com o realce da iluminação, etc. O importante hoje é mostrar que os cristãos são pessoas felizes!

2. PALAVRA DE VIDA.
Todos os Santos é a festa de todos aqueles que procuram, em cada dia, amar os seus irmãos e Deus. Conhecemos bem alguns destes anónimos aos olhos do mundo: os nossos pais ou avós que nos amaram, um filho arrancado demasiado cedo ao nosso afecto, educadores que nos formaram, padres que nos falaram de Jesus Cristo, pessoas sempre prontas a prestar serviço, ou ainda pessoas apaixonadas pela justiça e pela paz e que ficaram na sombra. Não os esqueçamos neste dia de Todos os Santos, evoquemos o seu nome com respeito, rezemos-lhes. Eles são santos, mesmo se os seus nomes não estão nos calendários, mesmo se eles não foram beatificados nem canonizados. É a sua festa: façamo-los sair do anonimato, porque o seu nome está inscrito no coração de Deus.


3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

Uma oração litânica.

Não temos muitas ocasiões de rezar a partir da ladainha dos santos. Essa ocasião dá-se hoje em que celebramos todos os santos do céu e da terra. Uma ladainha é uma oração repetitiva que quer suscitar e manter uma súplica ardente. Pode-se rezar a ladainha dos santos no momento da celebração que parecer mais oportuno, intercalando com um refrão após algumas invocações.


4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

Escolher uma atitude concreta.
Escolher, nas nossas relações imediatas, uma atitude de defesa da justiça num conflito, ou uma atitude de humildade ou de “apagamento”, que poderá fazer nascer a reconciliação, uma atitude de paz que poderá ser fonte de alegria e de serenidade.

Fonte http://www.dehonianos.org/

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

XXX Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 31.10.2014


Tempo Comum - Anos Pares
XXX Semana - Sexta-feira

Lectio

Primeira leitura: Filipenses 1, 1-11

Irmãos: 1Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com seus bispos e diáconos: 2a vós a graça e a paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo! 3Todas as vezes que me lembro de vós, dou graças ao meu Deus, 4sempre, em toda a minha oração por todos vós. É uma oração que faço com alegria, 5por causa da vossa participação no anúncio do Evangelho, desde o primeiro dia até agora. 6E é exactamente nisto que ponho a minha confiança: aquele que em vós deu início a uma boa obra há-de levá-la ao fim, até ao dia de Cristo Jesus. 7É justo que eu tenha tais sentimentos por todos vós, pois tenho-vos no coração, a todos vós que, nas minhas prisões e na defesa e consolidação do Evangelho, participais na graça que me foi dada. 8Pois Deus é minha testemunha de quanto anseio por todos vós, com a afeição de Cristo Jesus. 9E é por isto que eu rezo: para que o vosso amor aumente ainda mais e mais em sabedoria e toda a espécie de discernimento, 10para vos poderdes decidir pelo que mais convém, e assim sejais puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo, 11repletos do fruto da justiça, daquele que vem por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus.

A carta aos Filipenses, escrita da prisão, é das mais afectuosas de S. Paulo, manifestando as excelentes relações do Apóstolo coma primeira comunidade cristã na Europa. Paulo, que associa a si Timóteo, não sente necessidade de explicitar a sua condição de apóstolo, totalmente reconhecida pelos Filipenses. Paulo augura-lhes a plenitude dos dons de Deus e de Jesus Cristo ressuscitado e glorioso (v. 2). E, da comunidade dos baptizados, chamados «santos» porque participam da santidade de Deus, apenas menciona os «bispos e diáconos» (v. 1b), a quem está confiado um particular serviço, provavelmente o governo e a administração da comunidade a uns, e o cuidado dos pobres e o anúncio do Evangelho a outros.
Ao agradecer a Deus, o Apóstolo manifesta o seu afecto pelos Filipenses. Lembra-se continuamente deles, reza por eles e manifesta a sua alegria por se terem tornado missionários entusiastas. Paulo verifica que o Espírito do Senhor os anima e está certo de que os fará perseverar até à parusia (v. 6). A estima de Paulo pelos Filipenses tem sólido fundamento: partilham a sua missão, não o abandonam durante o cativeiro, e dão-se activamente à evangelização. Por isso, o Apóstolo tem por eles uma especial ternura, fundada na caridade de Cristo. E Paulo reza e augura o crescimento da caridade que os anima, tornando-os capazes de compreenderem em todas as circunstâncias qual é a vontade de Deus, para que a cumpram e se enriqueçam de boas obras. E assim os encontrará o Senhor quando voltar no fim dos tempos. E Deus será glorificado (vv. 9s.).


Evangelho: Lucas 14, 1-6

Naquele tempo: 1Tendo entrado, a um sábado, em casa de um dos principais fariseus para comer uma refeição, todos o observavam. 2Achava-se ali, diante dele, um hidrópico. 3Jesus, dirigindo a palavra aos doutores da Lei e fariseus, disse-lhes: «É permitido ou não curar ao sábado?» 4Mas eles ficaram calados.Tomando-o, então, pela mão, curou-o e mandou-o embora. 5Depois, disse-lhes: «Qual de vós, se o seu filho ou o seu boi cair a um poço, 6não o irá logo retirar em dia de sábado?» E a isto não puderam replicar.

Jesus aproveita a refeição em casa de um chefe dos fariseus para reafirmar a subordinação da lei do sábado à lei do amor (cf. Lc 6, 1-11; 13, 10-17) e evidenciar a redução hipócrita que dela fazem os doutores da lei e os fariseus. Lucas sublinha como a atenção de todos está centrada em Jesus: «todos o observavam» (v. 1b). É, mais uma vez Jesus que, como no caso da cura da mulher curvada, toma a iniciativa. E levanta, Ele mesmo, a controvérsia sobre a observância do preceito sabático, perguntando: «É permitido ou não curar ao sábado?» (v. 3).
Realizada a cura, Jesus interpela, mais uma vez os seus interlocutores com uma questão retórica que tem subentendida a não observância escrupulosa da lei pelos seus adversários, quando nisso há interesse pessoal (v. 5). O silêncio (vv. 4ª.6), com que reagem às perguntas de Jesus, torna clara a incapacidade de impugnar os argumentos do Mestre e as insuficientes razões com que eles defendem a sua interpretação da Lei.


Meditatio

Jesus desmascara a hipocrisia dos seus adversários que têm dois pesos e duas medidas para julgar, conforme estejam ou não em jogo os seus interesses. Se os seus interesses estiverem em jogo, nem o sábado tem importância. Mas se não estão interessados, então sabem recorrer a todo o tipo de objecções, inclusivamente religiosas. Podemos facilmente ver-nos retratados neste evangelho. Quando estamos interessados numa coisa, movemos tudo e todos para alcançá-la ou realizá-la. Mas se nos pedem algo que não queremos dar ou fazer, encontramos mil argumentos, inclusivamente: «agora tenho que ir rezar!». Peçamos ao Senhor que nos ilumine e torne dóceis ao amor. Então saberemos julgar sem preconceitos interessados, teremos o coração livre, puro e magnânimo, tal como o vemos em Paulo no começo da carta aos Filipenses. O Apóstolo diz-lhes que os leva no coração ou, mais precisamente, «nas vísceras» (segundo o termo grego).e que anseia «por todos com a afeição de Cristo Jesus». O amor de Paulo revela-se muitas vezes nestas linhas: vê o bem, alegra-se com ele… E recorda a cooperação dos Filipenses na difusão do Evangelho. Porque os ama, deseja que a sua caridade cresça e torne possível o discernimento e o cumprimento da vontade de Deus. Quanto precisamos de uma caridade idêntica à de Paulo. Há que pedi-la a Deus.
Paulo mostra-nos que, ao contrário do que dizem alguns antigos lugares comuns, o conhecimento de Jesus, acolhê-lo, segui-lo, faz aumentar (e não diminuir) a nossa humanidade, liberta em nós os sentimentos mais profundos e torna-nos capazes de os manifestar na vida com verdade, intensidade e concreção. E onde se manifesta o amor, aí está Deus, aí é glorificado.
Recordemos as desconfianças em relação a certas amizades, dentro ou fora da comunidade. A prudência não deve levar à pusilanimidade e, muito menos, à obsessão pelo medo de eventuais perigos. Pode haver desvios e abusos, quando a relação entre duas pessoas se manifesta como atracção forte e exclusiva, emocional, mórbida, quando isola as pessoas da comunidade, quando é uma amizade fechada. Mas é preciso lembrar a parábola do trigo e do joio, actuando à maneira do dono (Deus) e não à maneira dos servos precipitados e impacientes que, com o joio, arrancaram a boa semente (cf. Mt 13, 24-30). Se assim fizermos, pode ficar por realizar aquela importantíssima formação que leva a gerir a nossa afectividade e a saber distinguir a verdadeira amizade, boa e sadia, da amizade adolescente, ciumenta, possessiva, emocional, mórbida, que fecha as pessoas no seu egoísmo e as inclina para a voluptuosidade.
A amizade, é, em primeiro lugar, um dom do Espírito. Quanto mais entramos na intimidade com Deus ou, melhor, quanto mais Deus nos atrai para a Sua intimidade, «para o Seu do Pai» (Jo 1, 18), por meio de Cristo, especialmente na oração contemplativa, mais bebemos o amor na sua fonte, mais experimentamos o Espírito de amor que se derrama sobre nós e verificamos, por experiência própria, a veracidade da afirmação de Paulo: «O amor de Deus foi derramado nos nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). Verificamos que o amor, não é tanto uma difícil conquista nossa, quanto um dom de Deus. Amamos com um amor verdadeiro porque Deus nos ama.


Oratio

Senhor, quero hoje pedir-te por tantos irmãos e irmãs que, em certos momentos, foram e são mediação do teu amor e da tua ternura para outros irmãos e irmãs. Fortalece-os para que, nas inevitáveis provações, não desistam mas se confirmem e robusteçam na sua opção. Dá a todos nós um coração acolhedor, compreensivo e bom, para que possamos ser apoio dos nossos irmãos, especialmente nas horas difíceis.
Mas livra-nos também, nós to suplicamos, da instrumentalização das leis, mesmo religiosas, e das reduzirmos a um pragmático caminho para o céu. Livra-nos de uma cómoda fé privada. Dá-nos o gosto e a alegria da docilidade ao Espírito, fazendo da nossa vida um serviço ao Evangelho.


Contemplatio

Consideremos agora Jesus nas suas relações com as pessoas amigas e benevolentes. Por toda a parte espalha benefícios e eleva as almas para Deus.
Eis em primeiro lugar as bodas de Caná. Jesus assiste a elas, porque tem laços de parentesco com os esposos. Maria e Ele próprio estão atentos às necessidades desta família e a sua bondade é testemunhado com um belo milagre.
Quando Jesus chama Mateus Levi ao apostolado, aceita uma refeição em sua casa; é para semear um pouco de verdade num meio de publicanos e de mundanos.
Aceita também o convite de Zaqueu, mas que generosidade lhe inspira! Zaqueu dá a metade dos seus bens aos pobres e repara o quádruplo dos danos que pôde causar.
A refeição em casa de Simão de Betânia é muito importante. Jesus queria justificar Madalena e receber a unção que devia pressagiar a sua sepultura próxima. É benevolente para com Simão, mas dá-lhe também úteis lições pondo o seu orgulho farisaico em oposição com a humildade de Madalena.
Jesus acolhe o fariseu Nicodemos que vem vê-lo uma noite para esconder o seu respeito humano. Jesus instrui-o e prepara-o para a fé.
Podemos finalmente considerar Jesus em casa dos seus amigos de Betânia. Como Ele ama esta família! Converte Madalena, encoraja Marta, chora a doença e a morte de Lázaro e ressuscita-o.
Não é proibido ao padre ter amizades puras e sobrenaturais. (Leão Dehon, OSP 2, p. 577).


Actio

Repete muitas vezes e vive a palavra:
«Seja tudo para glória e louvor de Deus» (cf. Filip 1, 11; cfr Cst 25)




Fonte | Fernando Fonseca, scj | http://www.dehonianos.org/

terça-feira, 28 de outubro de 2014

XXX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 30.10.2014


Tempo Comum - Anos Pares
XXX Semana - Quinta-feira

Lectio

Primeira leitura: Efésios 6, 10-20

Irmãos: 10Tornai-vos fortes no Senhor e na sua força poderosa. 11Revesti-vos da armadura de Deus, para terdes a capacidade de vos manterdes de pé contra as maquinações do diabo. 12Porque não é contra os seres humanos que temos de lutar, mas contra os Principados, as Autoridades, os Dominadores deste mundo de trevas, e contra os espíritos do mal que estão nos céus. 13Por isso, tomai a armadura de Deus, para que tenhais a capacidade de resistir no dia mau e, depois de tudo terdes feito, de vos manterdes firmes. 14Mantende-vos, portanto, firmes, tendo cingido os vossos rins com a verdade, vestido a couraça da justiça 15e calçado os pés com a prontidão para anunciar o Evangelho da paz; 16acima de tudo, tomai o escudo da fé, com o qual tereis a capacidade de apagar todas as setas incendiadas do maligno. 17Recebei ainda o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus. 18Servindo-vos de toda a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito; e, para isso, vigiai com toda a perseverança e com preces por todos os santos, 19e também por mim; que, quando abrir a minha boca, me seja dada a palavra, para que, corajosamente, dê a conhecer o mistério do Evangelho, 20de que sou embaixador em cadeias; que, nele, eu possa falar aberta e corajosamente, tal como é meu dever.

No mundo são muitas as forças que se opõem a Deus, e ao seu Flho, Jesus Cristo, forças que tentam afastar a criatura do Criador (v. 11b). Estas forças, que não são facilmente identificáveis, são superiores ao homem (v. 12). Todavia o cristão, que vive em comunhão com o Senhor recebe dele a força necessária para o combate (v. 10). Usando imagens militares, Paulo exorta o cristão, despojado do homem velho no baptismo (cfr. Ef 4, 22; Cl 3, 9), a revestir-se adequadamente: o cinturão, a couraça, as sandálias, o escudo, o elmo, a espada simbolizam a «armadura espiritual» da verdade, da justiça, da paz, da fé, da salvação, da palavra de Deus (vv. 14-17). Trata-se de dons que Deus derrama sobre os baptizados e que eles são chamados a acolher e a pôr em prática para viverem a liberdade dos filhos de Deus, livres do medo e das insídias do maligno, fortes e perseverantes nas provações até à realização dos tempos escatológicos (v. 13).
A oração é o meio indispensável para receber os dons de Deus e levar a bom termo a batalha, isto é, viver e agir como cristão. Não se trata, porém, de uma oração qualquer, mas da oração incessante, animada pelo Espírito Santo (v. 18ª). Paulo alerta para o cansaço e para o desânimo, que podem assaltar-nos. Para evitá-los, é preciso rezar uns pelos outros, também por ele, Paulo, enviado a anunciar o Evangelho.


Evangelho: Lucas 13, 31-35

Naquela dia 31aproximaram se alguns fariseus, que disseram a Jesus: «Vai-te embora, sai daqui, porque Herodes quer matar-te.» 32Respondeu-lhes: «Ide dizer a essa raposa: Agora estou a expulsar demónios e a realizar curas, hoje e amanhã; ao terceiro dia, atinjo o meu termo. 33Mas hoje, amanhã e depois devo seguir o meu caminho, porque não se admite que um profeta morra fora de Jerusalém.»

Herodes, com os chefes religiosos de Israel, querem matar Jesus. O Senhor, alertado, com ou sem recta intenção, por alguns deles, reafirma a sua fidelidade ao mandato recebido do Pai: anunciar o tempo da salvação definitiva (cf. 2 Cor 6, 2). A expulsão dos demónios e as curas são sinais dessa salvação já presente (v. 32). Não há maldade humana capaz de mudar os desígnios de Deus.
Lucas nota como Jesus está consciente de que vai ao encontro da morte cruenta (cf. Lc 9, 22; 9, 44; 17, 25; 18, 31-33), sorte idêntica à dos profetas (vv. 33-34ª; cf. 6, 22s.). Tal irá acontecer exactamente em Jerusalém, cujo nome curiosamente significa «Cidade da paz». Jesus anuncia a ruína dessa cidade (v. 35ª), uma ruína material (será destruída pelos romanos), mas também uma ruína espiritual, pois, recusando Jesus, não acolhe a realização das promessas.
Mas o evangelista entrevê na aclamação triunfal de Jesus, ao entrar na cidade (cf. Lc 19, 28-39), o acolhimento do Salvador por Israel, no fim dos tempos, quando hebreus e pagãos, convertidos ao cristianismo, aclamarem juntos o Senhor. Verdadeiramente «os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis» (Rm 11, 29).


Meditatio

A luta faz parte da vida cristã. Paulo, na primeira leitura, fala dessa luta. E pode fazê-lo como ninguém, porque sofreu na sua carne oposições, prisões, inúmeras dificuldades.
Também Jesus, no evangelho de hoje, nos aparece rodeado de oposições. Herodes quer matá-lo, e os fariseus aproveitam para se livrarem d´Ele: «Parte, vai te daqui, porque Herodes quer matar te» (v. 31). O próprio Jesus verifica que Jerusalém, em vez acolher aquele que lhe leva a paz, o combate: Jerusalém mata os profetas e lapida os que lhe são enviados.
Temos, pois, que aceitar que a nossa vida cristã, em qualquer das suas formas, também decorra em ambiente de combate. O combate espiritual sempre fez parte da vida cristã. Os velhos monges do deserto viveram-no intensamente, bem como os santos de todos os tempos. É preciso que também contemos com ele e o combatamos quando surgir a ocasião. Hoje parecemos todos pouco dispostos a isso e, ao primeiro embate, de qualquer inimigo, facilmente cedemos. Mas, sem combate, não há vitória.
Algumas questões: Por quem combater? Contra quem combater? Que armas temos à disposição para o combate?
Demos uma resposta cristã a estas perguntas, e não apenas uma resposta espontânea. Por quem combater? Jesus e S. Paulo não combatem por si mesmos. Jesus mostra claramente isso. Querem matá-lo. Se combatesse por si, tomaria as medidas adequadas. Mas, na realidade, não se preocupa consigo: aceita morrer e continua o seu ministério de salvação. Avança para Jerusalém, cidade que mata os profetas.
Paulo também não combate em seu favor. Preocupa-se em anunciar o Evangelho e mais nada. Nem sequer pede aos cristãos que rezem para que seja libertado, para que ganhe o processo, para que os seus adversários sejam reduzidos à impotência. Rezai também «por mim; que, quando abrir a minha boca, me seja dada a palavra, para que, corajosamente, dê a conhecer o mistério do Evangelho, de que sou embaixador em cadeias; que, nele, eu possa falar aberta e corajosamente, tal como é meu dever» (vv. 19-20). O objectivo do seu combate é realizar o ministério, ser fiel à vocação, espalhar a luz de Deus, dar a conhecer o seu amor. E será o nosso amor que animará tudo o que somos, fazemos e sofremos pelo serviço do Evangelho, pela participação na obra de reconciliação, que cura a humanidade, a reúne no Corpo de Cristo e a consagra para Glória e Alegria de Deus (cf. Cst 25).


Oratio

Senhor Jesus, nós Te pedimos por todos os irmãos e irmãs que vivem em situações de provação. Que saibam resistir ao desânimo! Que saibam escutar o convite a recorrerem a Ti e não abandonem a Palavra que escutaram, a verdade em que acreditaram, a justiça que acolheram. Queremos especialmente pedir hoje pelos arautos do Evangelho: que, como Tu, perseverem, contra toda a oposição visível ou invisível. Que sejam fiéis à tua vontade, testemunhas da verdade, que por primeiros receberam, com a única preocupação de que sejas conhecido e amado, louvado e agradecido. Amen.


Contemplatio

O melhor meio de adquirir uma força superior à das tentações é unir-se e abandonar-se inteiramente a Nosso Senhor e ao seu divino Coração. – Os motivos sobrenaturais são as únicas armas nas quais uma alma cuidadosa dos seus interesses eternos possa colocar a sua confiança. E entre estes motivos, os mais poderosos são aqueles que excitam mais Nosso Senhor a participar no combate e que nos trazem assim o socorro de uma graça mais abundante.
Nosso Senhor oferece a sua graça a todos, mas embora a sua graça seja gratuita, ordinariamente não a distribui senão em proporção das garantias que recebe. É preciso, portanto, julgar os sentimentos que Ele experimenta para com as almas nesta distribuição das graças segundo os de um bom pai de família para com as pessoas da sua casa. Um bom pai de família ajuda e defende sempre todos os seus bens; mas nos perigos instantes, presta um socorro mais pronto e mais poderoso à sua esposa, aos seus filhos, do que aos seus servos. Entre estes, protege com mais diligência e mais eficácia os que se tornaram mais caros ao seu coração pela sua afectuosa dedicação e pelos seus cuidados. Em último lugar, virão os escravos, que não se mostram fiéis e exactos senão por medo do castigo.
Em que categoria nos havemos de colocar? Não depende de ninguém tornar-se esposa, esta escolha é reservada ao Senhor. Mas depende de nós tornarmo-nos seus filhos afectuosos. A única condição a preencher, é a de nos abandonarmos totalmente a Nosso Senhor e nos confiarmos ao seu divino Coração, como uma criança se abandona à sua mãe, darmo-nos generosamente a Ele, com amor, com o único objectivo de lhe agradarmos, e de lhe provarmos o nosso amor como for do seu agrado pedi-lo.
Quando a generosidade não vai até ao abandono, quando a preocupação pelos direitos que pretendemos ter sobre o próprio senhor, faz que deixemos dominar em nós, apesar de uma real afeição, a preocupação pela recompensa ligada aos nossos serviços, colocamo-nos entre os servos. E se o interesse domina a afeição, descemos ao nível do mercenário e do escravo. (Leão Dehon, OSP, p. 278s.).


Actio

Repete muitas vezes e vive a palavra:
«Só Tu, Senhor, és a minha força poderosa» (cf. Ef 6, 10).


Fonte | Fernando Fonseca, scj | http://www.dehonianos.org/

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

XXX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 29.10.2014


Tempo Comum - Anos Pares
XXX Semana - Quarta-feira

Lectio

Primeira leitura: Efésios 6, 1-9

1Filhos, obedecei a vossos pais, no Senhor, pois é isso que é justo: 2Honra teu pai e tua mãe - tal é o primeiro mandamento, com uma promessa: 3para que sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra. 4E vós, pais, não exaspereis os vossos filhos, mas criai-os com a educação e correcção que vêm do Senhor. 5Escravos, obedecei aos senhores terrenos, com o maior respeito, na simplicidade do vosso coração, como a Cristo: 6não para dar nas vistas, como quem procura agradar aos homens, mas como escravos de Cristo, que fazem a vontade de Deus, do fundo do coração; 7servi de boa vontade, como se servísseis ao Senhor e não a homens, 8sabendo que cada um, escravo ou livre, será recompensado pelo Senhor, conforme o bem que fizer. 9E vós, os senhores, fazei o mesmo para com eles: deixai-vos de ameaças, sabendo que o Senhor, que o é tanto deles como vosso, está nos Céus e diante dele não há acepção de pessoas.

Não só os esposos, mas também os pais e os filhos hão-de viver em recíproca submissão na comum obediência a Cristo (cf. 5,21). Os filhos hão-de lembrar-se do mandamento: «Honra pai e mãe» (Ex 20, 12ª). A obediência aos pais está relacionada com a obediência a Deus, que a ela liga a bênção, expressa em termos de fecundidade (v. 3; cf. Ex 20, 12b). Aos pais é confiada a tarefa da educação dos filhos. Devem realizá-la com suavidade e cuidado, como servidores da obra de Deus (v. 4). É Ele que dá inspiração e orientação a essa educação.
Também as relações entre os escravos e os seus senhores recebem nova luz da mensagem cristã. Trata-se de relações entre pessoas «ambas» submetidas ao mesmo «Senhor» (v. 9b) que, sem qualquer favoritismo, reconhece e aprecia o bem realizado por cada um, e não o estado social que ocupa (v. 8). Para escravos e senhores vale a palavra do Senhor: «Sempre que o fizestes a um dos meus irmãos mais pequenos, foi a Mim que o fizestes» (Mt 25, 40). Quando o escravo, obedecendo ao dono obedece a Cristo, o seu serviço adquire um valor religioso, que exclui o servilismo ou a busca de ambíguas recompensas (vv. 5-7). O dono, por seu lado, deve tratar o escravo como trataria a Cristo, isto é, com o coração animado pela caridade, sem arrogância nem autoritarismo (v. 9ª).


Evangelho: Lucas 13, 22-30

Naquele tempo: 22Jesus percorria cidades e aldeias, ensinando e caminhando para Jerusalém. 23Disse-lhe alguém: «Senhor, são poucos os que se salvam?» Ele respondeu-lhes: 24«Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. 25Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, ficareis fora e batereis, dizendo: ‘Abre-nos, Senhor!’ Mas ele há-de responder-vos: ‘Não sei de onde sois.’ 26Começareis, então, a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo e Tu ensinaste nas nossas praças.’ 27Responder-vos-á: ‘Repito-vos que não sei de onde sois. Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade.’ 28Lá haverá pranto e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac, Jacob e todos os profetas no Reino de Deus, e vós a serdes postos fora. 29Hão-de vir do Oriente, do Ocidente, do Norte e do Sul, sentar-se à mesa no Reino de Deus. 30E há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.»

O sumário lucano do v. 22 introduz uma nova etapa da viagem de Jesus para Jerusalém. Jesus não responde directamente à pergunta com que abre a nova secção (v. 23), indicando o número dos que se salvam. Mas exorta a estar prontos e solícitos para acolher o Reino que vem. É urgente um compromisso total de todo o nosso ser e forças, como faríamos, se tivéssemos de entrar por uma porta estreita (v. 24). «Hoje» é o momento para esse compromisso: a salvação é o dom de Deus a que se adere fazendo o bem, e não simplesmente reclamando laços familiares com Jesus (vv. 25s.).
A imagem do banquete escatológico, em que participam todos os povos da terra (v. 29), manifesta a salvação oferecida a todos os homens e acolhida por muitos pagãos. Estes, os «últimos» a receber o anúncio do Evangelho, serão os «primeiros» a entrar no reino de Deus, enquanto Israel, o primeiro a ouvi-lo, se verá excluído dele, se não o acolher (v. 30). A salvação não é questão de pertença étnica, mas de fé em Jesus. Não é o ser filhos de Abraão que assegura a salvação, mas o realizar as obras de Abraão (cf. Jo 8, 39) que, na esperança da redenção futura, acreditou e, pela fé foi reconhecido como justo (cf. Tg 2, 23).


Meditatio

No tempo de S. Paulo, a situação social não era melhor que a de hoje: havia escravos e senhores. E não se punha a questão social como se põe hoje, isto é, não se procurava melhorar a condição das classes mais miseráveis e maltratadas, como eram os escravos. De vez em quando, havia revoltas de escravos que eram simplesmente esmagadas. E tudo continuava como dantes. Hoje, pelo contrário, procura-se melhorar a sociedade.
S. Paulo não pensou em novas estruturas sociais, mas procurou transformar as existentes do modo mais profundo. E, se pensarmos bem, o seu método ainda continua a ser o mais decisivo. O papel da Igreja não é criar novas estruturas sociais e económicas, mas introduzir em todos os homens um espírito novo, animado pela consciência da igual dignidade de todos os homens e do amor de Cristo.
Na carta ao Efésios, Paulo prega uma igualdade de fundo. Diz aos escravos: «cada um, escravo ou livre, será recompensado pelo Senhor, conforme o bem que fizer» E diz aos senhores: «Vós, os senhores, fazei o mesmo para com eles… sabendo que para o Senhor…não há acepção de pessoas».
À igualdade fundamental corresponde a igualdade de comportamento. Depois de ter dito aos escravos que sejam obedientes aos senhores como a Cristo, prestando-lhes de boa vontade os serviços, como ao Senhor e não aos homens, Paulo exorta os senhores: «Fazei do mesmo modo para com eles» (v. 9). Esse modo é o «serviço». Os escravos devem servir alegremente os senhores e os senhores devem servir alegremente os escravos. Se assim não for, não terão feito algo de bom e serão julgados e condenados.
É uma verdadeira reviravolta. Paulo não prega a liberdade por meio das reivindicações: quer suscitar em todos a vontade de servir, de prestar um serviço que, no fundo, é serviço de Deus: «servi de boa vontade, como se servísseis ao Senhor» (v. 8). Se assim for, toda a sociedade mudará naturalmente e concretizar-se-á uma igualdade fundamental.
Esta é uma pregação mais difícil do que a da violência e das reivindicações. Mas é esta a perspectiva cristã, a única que corresponde à caridade divina: amar a todos, também aqueles contra quem temos de lutar. É esta a «porta estreita» pela qual Jesus nos convida a entrar: a porta estreita da caridade, que exige renúncia mas se abre à verdadeira vida, onde o coração se dilata até às dimensões de Deus.
Estes ensinamentos de Paulo podem servir à nossa vida religiosa. Na Congregação: «São todos iguais na mesma profissão de vida religiosa, sem qualquer distinção a não ser a dos ministérios» (Cst. 8). Esta igualdade é unidade na diversidade dos ministérios, e, portanto, dos carismas dados pelo Espírito. O importante é que todos se amem reciprocamente, levando «fraternamente os fardos uns dos outros numa mesma vida comum» (Cst. 8), que é um dom do Pai. As nossas comunidades, onde há vários ministérios, onde há superiores e súbditos, hão-de ser um reflexo da família trinitária (cf. Jo 17, 21-23). Vivendo o «sint unum», tão caro ao Pe. Dehon, realizaremos pessoal e comunitariamente a nossa missão de “Oblatos” (Cst. 6) na Igreja, em favor de Cristo “Para que o mundo creia que Tu (Pai) me enviaste” (Jo 17, 23).


Oratio

Senhor, faz-me compreender e assumir que a comunhão contigo se realiza desde já, sobre a terra, e se há-de prolongar para além da morte. Faz-me compreender e assumir que essa comunhão se realiza fazendo o bem, servindo alegre e generosamente todos os nossos irmãos, pois a fé se torna necessariamente amor que caracteriza as nossas relações com os outros. Faz-me compreender e assumir que a família, a comunidade, a paróquia, são lugares para traduzir a minha fé em relações e comportamentos verdadeiramente fraternos. Que eu saiba levar os fardos dos outros; que respeite os carismas dos meus irmãos, e saiba pôr os meus ao seu serviço. Que, em tudo e sempre, eu contribua para o «sint unum». Para que o mundo creia! Amen.


Contemplatio

O Coração sacerdotal de Jesus foi particularmente dedicado às classes populares.
Era necessário renovar o mundo. Em Roma, a escravatura era como um animal de carga. Dez milhões de cidadãos eram servidos por cem milhões de escravos. Na Palestina, os fariseus eram arrogantes e sem coração.
Só um Deus podia dizer aos homens: «Vós sois todos irmãos» (Mt 23). «Amai-vos uns aos outros» (Jo 15).
É a missão de Jesus, foi sob este aspecto que os profetas no-lo apresentaram: «Será totalmente penetrado pelo Espírito de Deus, trará a boa nova aos pequenos e aos humildes, remediará todos os infortúnios, pregará o grande jubileu, com o perdão das dívidas e a reabilitação dos pobres» (Is 61).
Toda a reforma económica e social está em germe nos princípios que coloca: a paternidade divina e a fraternidade de todos os homens.
Dá o exemplo da simplicidade e do trabalho. Escolheu a oficina para sua morada, os pastores para os seus primeiros adoradores. É operário e filho de operário. Vede-o em Nazaré com a mesa e os utensílios do carpinteiro. Despreza a riqueza, o luxo e as honras. Reclama para os operários a justiça, o respeito, a afeição fraterna.
1º A justiça. - «O trabalhador tem direito ao seu salário, ao seu pão, ao que exige a sua vida quotidiana: Dignus est operarius mercede sua, cibo suo» (Mt 10; Lc 10).
S. Tiago desenvolve este preceito: «Ricos avarentos, exclama, os vossos tesouros atrairão a cólera de Deus sobre vós. Os vossos trabalhadores sofreram nos vossos campos e só lhes destes um salário tardio e insuficiente» (Tg 5).
2º Respeito. - «Bem-aventurados os que são mansos, pacíficos e misericordiosos» (Mt 5). - «Aquele que não tem cuidado com os seus servos é mais desprezível do que um pagão» (1 Tm 5).
3º A afeição fraterna. «Vós sois todos irmãos» (Jo 15). «Não deve haver entre vós distinção entre escravos e homens livres. Non est servus neque liber» (Gl 3). «Amai e praticai a fraternidade» (1 e 2Pd; 1Ts 4). (Leão Dehon, OSP 2, p. 603s.)


Actio

Repete muitas vezes e vive a palavra:
«Amai e praticai a fraternidade» (1 e 2Pd; 1Ts 4)


Fonte | Fernando Fonseca, scj | http://www.dehonianos.org/

S. Simão e S. Judas, Apóstolos - 28.10.2014


Os apóstolos, que hoje celebramos, ocupam uma posição bastante discreta nos evangelhos. Simão é cognominado “zelote” por Lucas, talvez porque pertencia ao grupo antirromano dos zelotes. Mateus e Marcos qualificam-no como “cananeu” (10, 3; 3, 18). O apóstolo Judas, cognominado “Tadeu” por Mateus e Marcos (10, 3; 3, 18), é qualificado por Lucas como “

filho de Tiago” (6, 16) e, portanto, primo do Senhor. É este Judas que, na última ceia, diz a Jesus: “Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?»” (Jo 14, 22). Uma das Cartas Católicas, na qual se previne os cristãos contra os falsos doutores que se haviam infiltrado nas comunidades, é-lhe atribuída. De acordo com uma tradição oriental, os dois apóstolos terão levado o Evangelho até ao Cáucaso, onde teriam sido martirizados. A sua festa, celebrada no Oriente desde o século VI, passou a ser celebrada em Roma no século IX.

 
 
Lectio
 
 
Primeira leitura: Efésios 2, 19-22
 
Irmãos: Já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus, 20edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. 21É nele que toda a construção, bem ajustada, cresce para formar um templo santo, no Senhor. 22É nele que também vós sois integrados na construção, para formardes uma habitação de Deus, pelo Espírito.
 
Na perspetiva de Paulo, o ministério de Cristo e o da Igreja estão intimamente ligados entre si. A unidade e a paz que há entre os cristãos, de origem pagã, ou deorigem hebraica, é dom de Deus Pai, por meio de Cristo Senhor, no Espírito Santo. A Igreja é como que um grande edifício, um templo santo, morada de Deus entre os homens. Os apóstolos, nossos pais na fé, com os profetas, são o fundamento desse edifício, onde nos sentimos “concidadãos dos santos e membros da casa de Deus” (v. 19). A “pedra angular” é Cristo (v. 20). Nesta perspetiva cristológica, a eclesiologia de Paulo torna-se particularmente clara. A presença, a função e o ministério dos apóstolos assume toda a sua importância. A Igreja é, pois, una, santa, católica e apostólica.
 
 
Evangelho: Lucas 6, 12-19
 
Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a Deus. 13Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos: 14Simão, a quem chamou Pedro, e André, seu irmão; Tiago, João, Filipe e Bartolomeu;15Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado o Zelote; 16Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que veio a ser o traidor.17Descendo com eles, deteve-se num sítio plano, juntamente com numerosos discípulos e uma grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, 18que acorrera para o ouvir e ser curada dos seus males. Os que eram atormentados por espíritos malignos ficavam curados; 19e toda a multidão procurava tocar-lhe, pois emanava dele uma força que a todos curava.
 
Jesus dá particular atenção ao grupo dos Doze: escolhe-os (Lc 6, 12-19), institui-os como colégio (Mc 3, 13-19) e envia-os em missão (Mt 10, 1-15). Lucas anota que Jesus prepara a escolha dos Doze com uma noite de oração (6, 12). Antes de os escolher, Jesus chama os seus discípulos: o chamamento, a vocação, está sempre na origem de toda a instituição e ministério eclesial. Depois de os chamar, Jesus impõe-lhes o nome de apóstolos. A nota de Lucas pretende certamente exprimir a importância do colégio dos Doze na Igreja que Jesus está para fundar.
 
 
Meditatio
 
A festa dos santos apóstolos Simão e Judas oferecem-nos ensejo para refletirmos e tornarmos mais clara consciência da Igreja, que é simultaneamente corpo de Cristo e templo do Espírito Santo. São duas dimensões imprescindíveis. Não se pode receber o Espírito Santo sem pertencer ao corpo de Cristo. A razão é clara: o Espírito Santo é o Espírito de Cristo, que se recebe no corpo de Cristo. A Igreja, todavia, tem um aspeto visível. Por isso, Cristo escolheu os Doze e continua a escolher os seus sucessores, para formar a estrutura visível do seu corpo, quase em continuação da Incarnação. Pertencendo ao corpo de Cristo, podemos receber o seu Espírito e ser intimamente unidos a Ele num só corpo e num só Espírito.
Um outro aspeto que esta festa nos permite colher é a relação entre a oração e a missão. Jesus demora-se em oração antes de decidir a escolha dos Doze. É preciso rezar para discernir o projeto de Deus. É preciso rezar em ordem às grandes decisões da vida pessoal e comunitária. Nesta perspetiva, a oração não é um momento separado do resto da vida, mas uma atitude prévia à nossa experiência de vida pessoal e eclesial. Rezar antes de iniciar a missão pessoal e/ou comunitária significa confiá-la Àquele que é o seu primeiro responsável, o dono da vinha, o pastor do rebanho, o Senhor do povo.
“Reconhecemos que da oração assídua depende… a fecundidade do nosso apostolado.” (Cst 76).
 
 
Oratio
 
Senhor Jesus, na festa de S. Simão e S. Judas, quero pedir-te a graça de, como os santos apóstolos, me tornar teu familiar e amigo. Então virás, com o Pai e com o Espírito Santo estabelecer em mim a tua morada. Que eu seja todo para ti, para o teu amor, para o apostolado, cooperação na tua obra redentora no coração do mundo. Ámen.
 
Contemplatio
 
Os dois apóstolos, que deviam ter-se conhecido na sua juventude em Caná, terminaram juntos o seu apostolado na Pérsia. Lá quiseram obrigá-los a oferecer sacrifícios ao Sol; preferiram dar a sua vida por Jesus Cristo. A sua morte foi ainda para ambos um ato de caridade, no seu objeto e nas suas circunstâncias. S. Simão estava num templo onde queriam obrigá-lo a sacrificar aos ídolos. Um anjo disse-lhe: «Far-te-ei sair do templo e farei ruir sobre eles todo o edifício». - «Não, respondeu Simão, deixai-os viver. Pode ser que alguns deles venham a converter-se». Enfim, um anjo disse a ambos: «Que escolheis? Ou a morte para vós ou o extermínio deste povo ímpio?» Os dois apóstolos exclamaram: «Misericórdia para este povo! Que o martírio seja a nossa herança». A sua morte foi uma semente de conversões. Unidos na sua vida, foram-no na morte, e são-no também no culto que lhes é prestado. A Igreja honra-os no mesmo dia. Os seus corpos reuniram-se a S. Pedro em Roma. Devo imitá-los no seu amor por Jesus, na sua fidelidade e no seu zelo pela salvação do próximo. (L. Dehon, OSP 4, p. 402s.).
 
 
Actio
 
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
“Sois concidadãos dos santos
 e membros da casa de Deus” (Ef 2, 19).
 
 
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S. Simão e S. Judas, Apóstolos (28 Outubro)

Fonte http://www.dehonianos.org/

XXX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 27.10.2014


Tempo Comum - Anos Pares
XXX Semana - Segunda-feira

Lectio

Primeira leitura: Efésios 4, 32 – 5,8

Irmãos: 32Sede bondosos uns para com os outros, compassivos; perdoai-vos mutuamente, como também Deus vos perdoou em Cristo.1Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos bem amados, 2e procedei com amor, como também Cristo nos amou e se entregou a Deus por nós como oferta e sacrifício de agradável odor. 3Mas de prostituição e qualquer espécie de impureza ou ganância nem sequer se fale entre vós, como é próprio de santos; 4nem haja palavras obscenas, insensatas ou grosseiras; são coisas que não convêm; haja, sim, acção de graças. 5Porque, disto deveis ter a certeza: nenhum fornicador, impuro ou ganancioso - o que equivale a idólatra - tem herança no Reino de Cristo e de Deus. 6Ninguém vos engane com palavras ocas; pois são estas coisas que provocam a ira de Deus contra os rebeldes. 7Não sejais, pois, cúmplices deles. 8É que outrora éreis trevas, mas agora sois luz, no Senhor. Procedei como filhos da luz.

O baptizado vive em Cristo e é morada do Espírito Santo (cf. Ef 2, 10; 2, 22). Sendo assim, a sua vida e as suas acções devem estar em harmonia com a verdade e a caridade (cf. Ef 4, 5), e contribuir para a comunhão na comunidade (cf. Ef 4, 16). Benevolência, misericórdia e perdão mútuo devem caracterizar as relações entre cristãos, que sabem ter recebido gratuitamente o amor de Deus em Cristo (Ef 4, 32). O nosso modo de agir dos cristãos há-de ser idêntico ao modo de agir de Deus. Vêm-nos à mente as palavras de Jesus: «Sede misericordiosos como o vosso Pai» (Lc 6, 36). Os cristãos, filhos adoptivos de Deus, hão-de viver naquele amor de que Jesus dá exemplo na sua entrega total (Ef 5, 2; cf. Jo 15, 13).
A vida nova em Cristo comporta o abandono de hábitos e tendências que não condizem com o amor. Paulo indica uma série de acções que, manifestando uma relação desordenada com a sexualidade e com os bens, que não têm em conta o único senhorio de Jesus Cristo e do Pai (vv. 3-5). O prazer e o ter, tornados ídolos, as palavras ocas e vulgares, apenas merecem condenação por parte de Deus e exclusão do seu Reino. Daí o insistente convite do Apóstolo a que os Efésios cristãos não sigam aqueles que os querem associar à sua rebelião contra Deus, onde se encontravam antes do baptismo (vv. 6s.). Depois de iluminados pela graça do sacramento, não vivam nas «trevas» do afastamento de Deus, mas na «luz» da comunhão com Ele, uma vez que são filhos.


Evangelho: Lucas 13, 10-17

Naquele tempo, 10Ensinava Jesus numa sinagoga em dia de sábado. 11Estava lá certa mulher doente por causa de um espírito, há dezoito anos: andava curvada e não podia endireitar-se completamente. 12Ao vê-la, Jesus chamou-a e disse-lhe: «Mulher, estás livre da tua enfermidade.» 13E impôs-lhe as mãos. No mesmo instante, ela endireitou-se e começou a dar glória a Deus. 14Mas o chefe da sinagoga, indignado por ver que Jesus fazia uma cura ao sábado, disse à multidão: «Seis dias há, durante os quais se deve trabalhar. Vinde, pois, nesses dias, para serdes curados e não em dia de sábado.» 15Replicou-lhe o Senhor: «Hipócritas, não solta cada um de vós, ao sábado, o seu boi ou o seu jumento da manjedoura e o leva a beber? 16E esta mulher, que é filha de Abraão, presa por Satanás há dezoito anos, não devia libertar-se desse laço, a um sábado?» 17Dizendo isto, todos os seus adversários ficaram envergonhados, e a multidão alegrava-se com todas as maravilhas que Ele realizava.

Jesus prossegue a caminhada para Jerusalém, onde se irá manifestar e onde irá realizar a sua missão salvífica. Lucas coloca ao longo desta caminhada os ensinamentos de Jesus aos discípulos. Eles são chamados a percorrer o mesmo caminho do Mestre, a partirem de Jerusalém (cf. 24, 47; Act 1, 8).
O milagre da cura da mulher curvada é narrado apenas por Lucas. Jesus realiza-a ao sábado, provocando a indignação do chefe da sinagoga. O Senhor aproveita o ensejo para reafirmar o essencial da mensagem evangélica: o amor de Deus, revelado por Jesus, libertando o homem da Lei, que, tendo sido dada para lhe garantir a liberdade, acabara por torná-lo escravo. O amor de Deus é absolutamente gratuito: Jesus curou a mulher sem que ela o pedisse (v. 12). Com o seu gesto, Jesus afirma que o sábado está ao serviço da vida: para quem ama a Deus, deixar de fazer o bem, significa fazer o mal. E é efectivamente “mal” o desprezo do chefe da sinagoga (v. 14); e são “mal” os pensamentos dos adversários de Jesus, para quem o anúncio do reino se torna vergonha (v. 17ª).
A palavra de Jesus realiza o que diz. Os seus gestos nada têm a ver com o espectáculo que davam os taumaturgos orientais. Jesus liberta do espírito maligno, origem do mal, que deforma a imagem do homem (cf. Gn 1, 26ss.), tornando-o escravo, incapaz de erguer os olhos para o Criador (cf. Sl 121, 1; 123, 1). Restituído à dignidade da relação vital com Deus, o homem é cheio de alegria e dá glória ao seu Senhor e Salvador exaltando as suas obras maravilhosas (vv. 13b.17b).


Meditatio

Se tivéssemos assistido à cena que o evangelho de hoje nos refere, não sei de que parte nos colocaríamos. Do lado de Jesus? Do lado do chefe da sinagoga? Hoje, que já conhecemos o Evangelho, colocávamo-nos naturalmente do lado de Jesus. Mas, na vida concreta, facilmente raciocinamos como o chefe da sinagoga!
O cristão é uma pessoa livre da opressão dos seus limites de criatura. Eles não impedem a sua relação pessoal com Deus, porque o próprio Deus a tornou possível em Jesus Cristo. O cristão está livre de qualquer vínculo que torne pesada a convivência humana: o seu único vínculo é o amor, que promove a vida de todos e anima a todos a fazer o bem. Como testemunhar este dom de liberdade? Um modo concreto é comportar-nos no dia a dia como Jesus se comportou, tornando visíveis nos nossos ambientes os atributos de Deus, tais como a misericórdia, o perdão, a benevolência. Mas esse estilo de relação com os outros, muito frequentemente, entra em choque com o da maioria das pessoas. Será que, viver em comunhão com Deus, nos afasta dos outros? Pode acontecer, porque a proposta de um amor que se dá inteiramente se torna incómoda, enquanto que a riqueza, o poder e o sexo se apresentam como mais atraentes. Mas, o cristão, e particularmente o religioso, não podem hesitar na atitude a tomar…
As Constituições lembram-nos que, «pela Sua morte e ressurreição (Cristo) abriu-nos ao dom do Espírito e à liberdade dos filhos de Deus (Rom 8, 21)» (Cst. 11). Jesus fez da Sua morte e ressurreição um Pentecostes. S. João descreve assim a morte de Jesus na cruz: «E inclinando a cabeça, rendeu o espírito» (Jo 19, 30). Em sentido literal, a expressão significa exalar o último suspiro, expirar. Em sentido místico, frequente em S. João, preanuncia o dom do Espírito (“paradoken to pneuma”= deu o espírito). Esse dom tornou-se imediatamente expresso, na transfixão, pelo sinal da “água” (Jo 19, 34), que brota ao golpe da lança do soldado; dom do Espírito derramado pelo Ressuscitado sobre os discípulos na tarde do dia de Páscoa: «Soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo” »(Jo 20, 22). O Espírito é dom amor e «onde está o Espírito há liberdade» (2 Cor 3, 17). É essa liberdade que somos chamados a viver e a testemunhar no nosso mundo, pretensamente livre, mas dominado por tantos preconceitos, e pelas paixões mais desenfreadas.
O Espírito liberta-nos realmente, até de nós mesmos. Basta pensar nos seus preciosos frutos (cf. Gl 5, 22) particularmente no “auto-domínio”, quando, nos nossos pensamentos, desejos, afectos, palavras, acções não nos deixamos guiar pelo nosso eu (egoísmo), mas pelo Espírito de Deus. O mesmo Espírito nos coloca ao serviço da libertação dos homens, em qualquer tempo e circunstância porque, depois de Deus, o mais valioso é o homem concreto.


Oratio

Senhor, sabes quanto desejo erguer os meus olhos para os grandes ideais que me apresentas e vêm ao encontro dos mais profundos anseios da humanidade. Mas também sabes que, muitas vezes, me fico pelo meu próprio egoísmo. Quantas vezes, sentindo o apelo das alturas, me fico por voos rasos. Quantas vezes anseio pela felicidade que és Tu, e me contento com satisfações epidérmicas e passageiras.
Toma, Senhor, mais uma vez, a iniciativa. Restaura em mim a condição em que me deixou o baptismo. Que eu tome consciência da minha dignidade, da minha condição de filho livre para amar e capaz de gestos que libertam cintilas de luz nas trevas da mesquinhez e do egoísmo. Tu és o meu Salvador! Amen.


Contemplatio

Ide, portanto, com confiança. Com o Espírito Santo agindo dentro e a obediência dirigindo de fora, avançareis seguramente na via do amor. Ultrapassareis todas as dificuldades. – Vir obediens, loquetur victorias: O homem obediente cantará vitória (Prov. 21). Sereis conduzidos como pela mão, e não vos perdereis. – Qui agunt omnia cum consilio, reguntur sapientia: Aqueles que tomam conselho para agir são conduzidos pela sabedoria (Prov. 13), evitareis a censura que a Escritura dirige muitas vezes aos presunçosos. – Ne innitaris prudentiae tuae: Não vos confieis na vossa própria prudência (Prov. 3). Esses são insensatos e caem no perigo, enquanto os prudentes e os humildes lhe escapam. – Sapiens timet et declinet a malo; stultus transilit et confidit: O sábio teme e escapa do mal; o insensato é presunçoso e cai (Prov. 14). (Leão Dehon, OSP 2, p. 111).


Actio

Repete muitas vezes e vive a palavra:
«Cristo amou-me e entregou-se por mim» (cf. Ef 5, 2).


Fonte | Fernando Fonseca, scj | http://www.dehonianos.org/