domingo, 31 de janeiro de 2016

Apresentação do Senhor - 02.02.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Esta festa já era celebrada em Jerusalém, no século IV. Chamava-se festa do encontro, hypapántè , em grego. Em 534, a festa estendeu-se a Constantinopla e, no tempo do Papa Sérgio, chegou a Roma e ao Ocidente. Em Roma, a festa incluía uma procissão até à Basílica de S. Maria Maior. No século X, começaram a benzer-se as velas.

José e Maria levam o Menino Jesus ao templo, oferecendo-o ao Pai. Como toda a oferta implica renúncia, a Apresentação do Senhor é já o começo do mistério do sofrimento redentor de Jesus, que atingirá o seu ponto culminante no Calvário. Maria e José unem-se à oferta do seu divino Filho estando a seu lado e colaborando, cada um a seu modo, na obra da Redenção.


Lectio


Primeira Leitura: Malaquias 3, 1-4

Assim fala o Senhor: “Eis que Eu vou enviar o meu mensageiro, a fim de que ele prepare o caminho à minha frente. E imediatamente entrará no seu santuário o Senhor, que vós procurais, e o mensageiro da aliança, que vós desejais. Ei-lo que chega! - diz o Senhor do universo. 2Quem suportará o dia da sua chegada? Quem poderá resistir, quando ele aparecer?Porque ele é como o fogo do fundidor e como a barrela das lavadeiras.  3Ele sentar-se-á como fundidor e purificador. Purificará os filhos de Levi e os refinará, como se refinam o ouro e a prata. E assim eles serão para o Senhor os que apresentam a oferta legítima. 4Então, a oferta de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor como nos dias antigos, como nos anos de outrora”.

Os dois mensageiros anunciados pelo profeta introduzem-se mutuamente: um prepara a vinda do Senhor e outro realiza a Aliança, é o Esperado. Estas duas figuras perspetivam João Baptista e Cristo. Um é apenas precursor; o outro é o Messias esperado, de origem divina, o Redentor. O primeiro prepara o caminho; o segundo entra efetivamente no templo, santificando, pela oferta de si mesmo, o sacrifício da nova Aliança, os ministros e o culto.


Segunda leitura: Hebreus 2, 14-18

Uma vez que os filhos dos homens têm em comum a carne e o sangue, também Ele partilhou a condição deles, a fim de destruir, pela sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo, 15e libertar aqueles que, por medo da morte, passavam toda a vida dominados pela escravidão. 16Ele, de facto, não veio em auxílio dos anjos, mas veio em auxílio da descendência de Abraão. 17Por isso, Ele teve de assemelhar-se em tudo aos seus irmãos, para se tornar um Sumo Sacerdote misericordioso e fiel em relação a Deus, a fim de expiar os pecados do povo. 18É precisamente porque Ele mesmo sofreu e foi posto à prova, que pode socorrer os que são postos à prova.

A carne e o sangue, submetidos ao poder da morte pelo inimigo, são divinizados e libertados por Cristo, Deus feito homem. A descendência de Abraão é restituída à vida. O Filho de Deus apresenta-se como primeiro entre muitos irmãos e como sacerdote, mediador na sua divindade e humanidade, da fidelidade de Deus, Pai da vida.


Evangelho: Lucas 2, 22-40

Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, 23conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor» 24e para oferecerem em sacrifício, como se diz na Lei do Senhor, duas rolas ou duas pombas. 25Ora, vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo estava nele. 26Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor.27Impelido pelo Espírito, veio ao templo, quando os pais trouxeram o menino Jesus, a fim de cumprirem o que ordenava a Lei a seu respeito.28Simeão tomou-o nos braços e bendisse a Deus, dizendo:  29«Agora, Senhor, segundo a tua palavra, deixarás ir em paz o teu servo, 30porque meus olhos viram a Salvação  31que ofereceste a todos os povos,  32Luz para se revelar às nações e glória de Israel, teu povo.»33Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele.  34Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; 35uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações.» 36Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, 37ficou viúva até aos oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. 38Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém. 39Depois de terem cumprido tudo o que a Lei do Senhor determinava, regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré. 40Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele.

O Evangelho da Infância de Jesus tem o seu ponto alto no templo, lugar da plenitude do povo de Israel. É aí que Zacarias ouve a palavra que dirige a história para a sua meta (anúncio de João); é aí que o Menino é apresentado a Deus, revelado a Simeão e a Ana. É daí que regressa a Nazaré. Pano de fundo da cena da apresentação é lei judaica segundo a qual os primogénitos são sagrados e, por isso, devem ser apresentados a Deus. O Pai responde à apresentação e oferta de Jesus com o dom do Espírito ao velho Simeão, que profetiza. Israel pode estar descansado: a sua história não acaba em vão. Simeão viu o Salvador e sabe que a meta é agora o triunfo da vida.


Meditatio

Os pais de Jesus, de acordo com a lei mosaica, 40 dias depois do nascimento do primeiro filho, foram ao Templo de Jerusalém para oferecer o primogénito ao Senhor e para a mãe ser purificada. Mas este rito não foi exatamente igual aos outros. Nos ritos comuns, eram os pais que apresentavam os filhos a Deus em sinal de oferta e de pertença; neste rito é Deus que apresenta o seu Filho aos homens. Fá-lo pela boca do velho Simeão e da profetisa Ana. Simeão apresenta-O ao mundo como salvação para todos os povos, como luz que iluminará as gentes, mas também como sinal de contradição; como Aquele que revelará os pensamentos dos corações.
O encontro de Jesus com Simeão e Ana no Templo de Jerusalém é símbolo de uma realidade maior e universal: a Humanidade encontra o seu Senhor na Igreja. Malaquias preanunciava este encontro: «Eis que Eu vou enviar o meu mensageiro, a fim de que ele prepare o caminho à minha frente. E imediatamente entrará no seu santuário o Senhor, que vós procurais». No Templo, Simeão reconheceu Jesus como o Messias esperado e proclamou-o salvador e luz do mundo. Compreendeu que, doravante, o destino de cada homem se decidia pela atitude assumida perante Ele; Jesus será ruína ou salvação. Como dirá João Baptista: Ele tem na mão a joeira para separar o trigo bom da palha (cf. Mt 3, 12).
É o que acontece, a outra escala, também hoje: no novo templo de Deus que é a Igreja, os homens «encontram» Cristo, aprendem a conhecê-lo, recebem-no na Eucaristia, como Simeão o recebeu nos braços; a sua palavra torna-se, aí, para eles, luz e o seu corpo força e alimento. É a experiência que fazemos, sempre que vamos à missa. A comunhão é um verdadeiro encontro entre Deus e nós. Hoje, essa experiência é acentuada pelo simbolismo da festa: a procissão com que entramos na igreja com o sacerdote, levando a vela acesa e cantando, era, sinal deste ir ao encontro de Jesus que nos chama no interior da sua igreja, na esperança de irmos ao seu encontro um dia no Hypapante eterno, quando formos nós a ser apresentados por Ele ao Pai.
A Candelária é festa de luz. A luz da fé não nos foi dada apenas para iluminar o nosso caminho, desinteressando-nos dos outros… A luz da fé também não é para ter acesa apenas na igreja, ou em certos momentos, mas em todos os momentos e situações da nossa vida… A nossa fé há de ser luz que ilumina, fogo que aquece… É luz e fogo quem é compreensivo e bom com todos… quem sabe apoiar os pequenos esforços… os pequenos progressos… quem tem palavras de amizade, de estímulo, de apoio… quem sabe dizer uma boa palavra, dar uma ajuda… O amor cristão tem a sua origem em Deus que nos amou e nos enviou o seu Filho com quem nos encontramos em vários momentos da nossa vida, particularmente quando celebramos a Eucaristia. Esse é o nosso encontro, enquanto esperamos o encontro definitivo no Céu.


Oratio

Ó Jesus, eis-me aqui para fazer a vossa vontade. Quero estar atento e ouvir as vossas ordens, os vossos desejos, que me chegam através da vossa Palavra, das orientações dos vossos representantes na terra, dos acontecimentos da minha vida e da vida dos meus irmãos. Uno-me à oblação generosa do vosso divino Coração. Que quereis que vos faça? Dizei-mo, pelos meus pastores, pelas vossas inspirações, pela vossa providência. Falai, Senhor, que o vosso servo escuta. Iluminai-me com a vossa luz divina e refleti-la-ei nos meus irmãos. Ámen.


Contemplatio

«Eis-me aqui, meu Deus, para vos servir e para fazer a vossa vontade: Eis a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra». Esta é a regra, Maria obedece. Está escrito na lei, no Levítico e no Êxodo. A jovem mãe apresentar-se-á no templo para ser purificada, quarenta dias depois do nascimento de um filho e oitenta dias depois do nascimento de uma filha. Maria não costuma hesitar quando se trata da lei. Cumpre tudo à letra, segundo a Lei de Moisés. No quadragésimo dia, está em Jerusalém. Não examina se está dispensada pelo carácter sobrenatural da sua maternidade. A hesitação não lhe vem, é a lei. Como o seu divino Filho, renuncia a todo o privilégio e, contente com a sorte comum, obedece à lei. Jesus obedece e deixa-se levar, apresentar, resgatar, Maria obedece também e deixa-se purificar. Como Jesus, Maria leva no meio do seu Coração a lei de Deus, como sua regra de vida. Oh! Como esta obediência pontual, humilde, heroica, condena todas as nossas hesitações, toda a nossa procura de exceções e de dispensas! Maria podia dizer: Eis a serva do Senhor. E eu posso dizer: Ecce venio: eis que venho, Senhor, para obedecer, para fazer a vossa vontade. Eis o teu servo. (Leão Dehon, OSP 3, p. 120).


Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a Palavra do Senhor:
“Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12).

Fonte http://www.dehonianos.org/

sábado, 30 de janeiro de 2016

IV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 01.02.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
IV Semana - Segunda-feira
Lectio

Primeira leitura: 2 Samuel 15, 13-14.30; 16, 5-13a

13Naqueles dias, alguém foi informar David: «O coração dos israelitas inclinou-se para Absalão!» 4David disse aos servos que estavam com ele em Jerusalém: «Fujamos depressa porque, de outro modo, não podemos escapar a Absalão! Apressemo-nos a sair, não suceda que ele se apresse, nos surpreenda e se lance sobre nós, passando a cidade ao fio da espada.» 30David, chorando, subia o monte das Oliveiras, com a cabeça coberta e descalço. Todo o povo que o acompanhava subia também, chorando, com a cabeça coberta.
5Chegou, pois, o rei a Baurim, e saía de lá um homem da parentela de Saul, chamado Chimei, filho de Guera, que, enquanto caminhava, ia proferindo maldições. 6Lançava pedras contra David e contra os servos do rei, apesar de todo o povo e todos os guerreiros seguirem o rei, agrupados à direita e à esquerda. 7E Chimei amaldiçoava-o, dizendo: «Vai, vai embora, homem sanguinário e criminoso. 8O Senhor fez cair sobre ti todo o sangue da casa de Saul, cujo trono usurpaste, e entregou o reino a teu filho Absalão. Vês-te, agora, oprimido de males, por teres sido um homem sanguinário.» 9Então, Abisai, filho de Seruia, disse ao rei: «Porque há-de continuar este cão morto a insultar o rei, meu senhor? Deixa-me passar, para lhe cortar a cabeça.» 10Mas o rei respondeu-lhe: «Que te importa, filho de Seruia? Deixa-o amaldiçoar-me. Se o Senhor lhe ordenou que amaldiçoasse David, quem poderá dizer-lhe: ‘Porque fazes isto?’» 11David disse também a Abisai e aos seus homens: «Vede! Se o meu próprio filho, fruto das minhas entranhas, conspira contra a minha vida, quanto mais agora este filho de Benjamim? Deixai-o amaldiçoar-me, conforme a permissão do Senhor. 12Talvez o Senhor tenha em conta a minha miséria e me venha a dar bens em troca destes ultrajes.» 13David e os seus homens prosseguiram o seu caminho, mas Chimei seguia a par dele pelo flanco da montanha, amaldiçoando-o, atirando-lhe pedras e espalhando poeira no ar.

David sente-se responsável pela indisciplina e pela ambição dos seus filhos. A conjura de Absalão é um dos dramáticos episódios que acompanham o declínio do reino de David. O rei foge. Essa fuga, mais que uma retirada estratégica, parece uma tentativa de evitar o confronto directo com o filho. David sofre com paciência e humildade exemplares. A sua fuga é, sobretudo, uma caminhada penitencial, uma humilde aceitação do castigo divino. Para trás, fica Jerusalém, a cidade heroicamente conquistada, a capital das tribos, cheia de tantas recordações felizes. As lágrimas de David, ao subir o Monte das Oliveiras, evocam já as lágrimas de Jesus (Lc 19, 41-44).
O episódio da maldição de Chimei acentua a sensação de irreparabilidade da derrota, atribuída à vontade de Deus. Chimei pertencia à família de Saul (v. 5), que era um permanente perigo para David, devido à ameaça de secessão do Reino do norte. David tinha usurpado o reino de Saul; agora Absalão podia fazer o mesmo. David teme ter sido abandonado por Deus, como fora Saul (v. 11). Por isso, recusa ajuda para matar Chimei, e aceita a afronta como provação. David tem consciência dos seus próprios crimes, e espera que o sofrimento actual possa trazer-lhe bens no futuro (v. 12). David parece concentrar na sua pessoa toda a fé do povo eleito, provado por Deus e acostumado ao sofrimento e à humilhação.


Evangelho: Mc 5, 1-20

1Naquele tempo, Jesus e os seus discípulos chegaram à outra margem do mar, à região dos gerasenos. 2Logo que Jesus desceu do barco, veio ao seu encontro, saído dos túmulos, um homem possesso de um espírito maligno. 3Tinha nos túmulos a sua morada, e ninguém conseguia prendê-lo, nem mesmo com uma corrente, 4pois já fora preso muitas vezes com grilhões e correntes, e despedaçara os grilhões e quebrara as correntes; ninguém era capaz de o dominar. 5Andava sempre, dia e noite, entre os túmulos e pelos montes, a gritar e a ferir-se com pedras. 6Avistando Jesus ao longe, correu, prostrou-se diante dele 7e disse em alta voz: «Que tens a ver comigo, ó Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te, por Deus, que não me atormentes!» 8Efectivamente, Jesus dizia: «Sai desse homem, espírito maligno.» 9Em seguida, perguntou-lhe: «Qual é o teu nome?» Respondeu: «O meu nome é Legião, porque somos muitos.» 10E suplicava-lhe insistentemente que não o expulsasse daquela região. 11Ora, ali próximo do monte, andava a pastar uma grande vara de porcos. 12E os espíritos malignos suplicaram a Jesus: «Manda-nos para os porcos, para entrarmos neles.» 13Jesus consentiu. Então, os espíritos malignos saíram do homem e entraram nos porcos, e a vara, cerca de uns dois mil, precipitou-se do alto no mar e ali se afogou. 14Os guardas dos porcos fugiram e levaram a notícia à cidade e aos campos.As pessoas foram ver o que se passara.
15Ao chegarem junto de Jesus, viram o possesso sentado, vestido e em perfeito juízo, ele que estivera possuído de uma legião; e ficaram cheias de temor. 16As testemunhas do acontecimento narraram-lhes o que tinha sucedido ao possesso e o que se passara com os porcos. 17Então, pediram a Jesus que se retirasse do seu território. 18Jesus voltou para o barco e o homem que fora possesso suplicou-lhe que o deixasse andar com Ele. 19Não lho permitiu. Disse-lhe antes: «Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti.» 20Ele retirou-se, começou a apregoar na Decápole o que Jesus fizera por ele, e todos se maravilhavam.


Escutamos, hoje, um relato popular, de estilo burlesco, com que as primeiras comunidades cristãs acentuavam o poder benéfico do «kerygma» de Jesus. O episódio passa-se a oriente do lago de Tiberíades, em terra pagã, como se vê pela existência da vara de porcos, animais considerados impuros em Israel. É o caso do epiléptico, que não podia ser controlado pelos seus conterrâneos e, por isso, vivia no campo ou, pior ainda «entre os túmulos». A situação é grave e mesmo dramática. Ouvem-se os urros dos demónios, que reconhecem Jesus, proclamam a sua divindade e suplicam que não os expulse. Jesus mantém-se imperturbável: pergunta-lhes o nome, e concede-lhes refugiar-se nos porcos. A precipitação da vara no lago, sugere o seu regresso a Satanás, rei dos abismos. Os presentes continuam dominados pelo temor e pedem a Jesus que se afaste.
O anúncio do Evangelho deve ser preparado e exige a mediação da testemunha, do apóstolo. Ao contrário do silêncio que, em Marcos, Jesus geralmente impõe aos miraculados, aqui manda ao possesso libertado que vá levar a notícia aos seus. O homem não se contenta com isso e apregoa na Decápole a obra que Jesus nele realizou.


Meditatio

Os últimos anos de David são marcados pelo drama da guerra civil provocada pelo seu próprio filho e por vários episódios que o fazem sofrer. Hoje, a primeira leitura mostra-o a ser injuriado pelo assassínio de Saul que, na verdade, não matou. Abisai pede autorização para matar Chemei, o parente de Saul que proferia a calúnia e as maldições. Mas David opõe-se: «Se o Senhor lhe ordenou que amaldiçoasse David, quem poderá dizer-lhe: ‘Porque fazes isto?’» (2 Sam 16, 10). O rei sabia que não tinha matado Saul. Mas também sabia que tinha matado Urias. Aceitava, por isso, o castigo anunciado por Natan. E confiava em Deus: «Talvez o Senhor tenha em conta a minha miséria e me venha a dar bens em troca destes ultrajes» (v. 12). Também nós, quando nos sentimos injustamente acusados, havemos de aceitar a afronta para nos penitenciarmos de tantas faltas cometidas e de quem ninguém nos acusa, renovar a nossa confiança em Deus e até dar-lhe graças porque os nossos adversários, felizmente, não sabem tudo sobre nós.
O drama de David, amaldiçoado e apedrejado, que o servo pretende vingar cortando a cabeça a Chimei, aproxima-se do drama do endemoninhado de Gerasa, que vagueia entre sepulcros, quebrando correntes e grilhões, somando violências. Mas não é juntando violência à violência que o homem é libertado. David espera a libertação através da purificação do sofrimento. O geraseno alcança-o por uma intervenção gratuita de Jesus. Ninguém pediu esse milagre. O possesso nem tinha voz para falar. Era a legião dos demónios que gritava nele pedindo o afastamento de Jesus.
Espanta-nos a passividade dos que observam a cena. Essa passividade torna-se, depois, hostilidade. Um estrangeiro, Jesus, vem perturbar a ordem estabelecida, devolvendo à sociedade um homem considerado excluído e remetendo para os abismos da impureza, animais criados com todo o cuidado. Os gerasenos ficaram assustados com tais gestos revolucionários, e pediram a Jesus «que se retirasse do seu território» (Mc 5, 17). É difícil conviver com a liberdade.
Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, de Dezembro de 1975, acautela os cristãos para o perigo de indevidas “reduções”, isto é, de se interessarem apenas pela miséria material, “sacrificando toda a preocupação espiritual e religiosa a iniciativas de ordem política e social” (n. 32). A libertação evangélica “deve mirar ao homem todo, em todas as suas dimensões, incluindo a sua abertura para o Absoluto... que é Deus” (n. 33). Libertação também mental e psicológica da ignorância, do fatalismo, da apatia. De facto, na medida em que cada um não conhece e não usa a sua vontade, torna-se vítima de toda a espécie de injustiça. As Constituições incitam-nos a empenhar-nos na libertação total do homem: “o mundo de hoje agita-se num imenso esforço de libertação: libertação de tudo quanto lesa a dignidade do homem e ameaça a realização das suas mais profundas aspirações: a verdade, a justiça, o amor, a liberdade” (n. 36).
Os cristãos devem ser radicais, autênticos revolucionários, se quiserem ser verdadeiros. A sua revolução exclui a violência, mas não os meios enérgicos; é criativa e construtiva. Todos os homens têm direito à liberdade e, portanto, à justiça. “Pela fé, na fidelidade ao magistério da Igreja, relacionamos tais aspirações com a vinda do Reino, por Deus prometido e realizado em seu Filho” (n. 37). A Glória de Deus é o homem vivo. Como pode considerar-se vivo um homem sem liberdade?


Oratio

Senhor, dá-me a docilidade e a paciência de David, que se afasta sem combater, deixando que se cumpra a vontade de Deus. Quantas vezes, quis cortar cabeças, à maneira de Abisaí. Quantas vezes quis rebentar as correntes e grilhões que não me deixam ser livre. Mas a violência gera violência. Que eu saiba aceitar tudo, reconhecendo os meus pecados, e deixando-me purificar. Que eu saiba acolher as tuas intervenções maravilhosas, mesmo quando forem surpresas para mim. Que, iluminado pela fé, receba tudo das tuas mãos. E, então, experimentarei a paz, como uma criança nos braços do seu pai. Amen.


Contemplatio

E enquanto Jesus está no pretório com uma coroa, um ceptro e um manto ridículos, os seus carrascos insultam-no e ultrajam-no.
Dão-lhe bofetadas com as suas mãos grosseiras, escarram-lhe na cara. Oprimem-no com zombarias, grosserias, injúrias: fizerem pouco delei. A prova é longa, é toda uma coorte: congregaverunt ad eum omnem cohortem. Rivalizam em grosseria e crueldade. No fim, está no mais triste estado onde jamais algum homem se encontrou; está coberto de escarros e de sangue. Já não tinha o aspecto de um homem: vimo-lo sem figura atraente.
Antes era o mais belo, o mais nobre, o mais majestoso dos filhos dos homens; já não havia traço da sua beleza: sem aspecto atraente. Parecia desprezível e o último dos homens. O seu rosto desaparece sob as manchas; quem lhe atribuiria ainda alguma estima (cf. Is 53, 2). Mas não, enganai-vos, cruéis carrascos. Julgais humilhá-lo e exaltai-o. Glorificais a sua bondade, a sua paciência, a sua generosidade. Tornai-as manifestas. Mais o fazeis sofrer, mais manifestais a bondade do seu coração, mais o tornais amável aos nossos olhos e glorioso aos olhos do nosso Pai. Ah! As vossas vistas são curtas. Sabei somente dele aproveitar, pecadores de todos os séculos. Jesus é humilhado para vos levantar (Leão Dehon, OSP 3, p. 205s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Vai e conta tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti» (cf. Mc 5, 19).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

04º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 31.01.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
ANO C
4º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Tema do 4º Domingo do Tempo Comum

O tema da liturgia deste domingo convida a reflectir sobre o “caminho do profeta”: caminho de sofrimento, de solidão, de risco, mas também caminho de paz e de esperança, porque é um caminho onde Deus está. A liturgia de hoje assegura ao “profeta” que a última palavra será sempre de Deus: “não temas, porque Eu estou contigo para te salvar”.
A primeira leitura apresenta a figura do profeta Jeremias. Escolhido, consagrado e constituído profeta por Jahwéh, Jeremias vai arrostar com todo o tipo de dificuldades; mas não desistirá de concretizar a sua missão e de tornar uma realidade viva no meio dos homens a Palavra de Deus.
O Evangelho apresenta-nos o profeta Jesus, desprezado pelos habitantes de Nazaré (eles esperavam um Messias espectacular e não entenderam a proposta profética de Jesus). O episódio anuncia a rejeição de Jesus pelos judeus e o anúncio da Boa Nova a todos os que estiverem dispostos a acolhê-la – sejam pagãos ou judeus.
A segunda leitura parece um tanto desenquadrada desta temática: fala do amor – o amor desinteressado e gratuito – apresentando-o como a essência da vida cristã. Pode, no entanto, ser entendido como um aviso ao “profeta” no sentido de se deixar guiar pelo amor e nunca pelo próprio interesse… Só assim a sua missão fará sentido.


LEITURA I – Jer 1,4-5.17-19

Leitura do Livro de Jeremias

No tempo de Josias, rei de Judá,
a palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos:
«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi;
antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei
e te constituí profeta entre as nações.
Cinge os teus rins e levanta-te,
para ires dizer tudo o que Eu te ordenar.
Não temas diante deles,
senão serei Eu que te farei temer a sua presença.
Hoje mesmo faço de ti uma cidade fortificada,
uma coluna de ferro e uma muralha de bronze,
diante de todo este país, dos reis de Judá e dos seus chefes,
diante dos sacerdotes e do povo da terra.
Eles combaterão contra ti, mas não poderão vencer-te,
porque Eu estou contigo para te salvar».

AMBIENTE

A actividade profética de Jeremias começa por volta de 627/626 a.C. (quando o profeta teria pouco mais de vinte anos) e prolonga-se até depois da queda de Jerusalém nas mãos dos Babilónios (586 a.C.). O cenário dessa actividade é, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
É uma época muito conturbada, quer a nível político, quer a nível religioso. Judá acabou de sair dos reinados de Manassés (698-643 a.C.) e de Amon (643-640 a.C.), reis ímpios que multiplicaram no país os altares aos deuses estrangeiros e levaram o Povo a afastar-se de Jahwéh. Na época em que Jeremias começa o seu ministério profético, o rei de Judá é Josias (640-609 a.C.): trata-se de um rei bom, que procura eliminar o culto aos deuses estrangeiros e concentrar a vida litúrgica de Judá num único lugar – o Templo de Jerusalém. No entanto, a reforma religiosa levada a cabo por Josias levanta algumas resistências; por outro lado, é uma reforma que é mais aparente do que real: não se pode, por decreto e de repente, corrigir o coração do Povo e eliminar hábitos religiosos cultivados ao longo de algumas dezenas de anos.
É neste ambiente que Jeremias é chamado por Deus e enviado em missão.

MENSAGEM

O texto que nos é proposto apresenta o relato que Jeremias faz do seu chamamento por Deus. Mais do que uma reportagem do “momento” em que Deus chamou o profeta, trata-se de uma reflexão e de uma catequese sobre esse mistério sempre antigo e sempre novo a que chamamos “vocação”.
A vocação profética, na perspectiva de Jeremias, é, em primeiro lugar, um encontro com Deus e com a sua Palavra (“a Palavra do Senhor foi-me dirigida…” – vers. 4). A Palavra marca, a partir daí, a vida do profeta e passa a ser, para ele, a única coisa decisiva.
Em segundo lugar, a vocação é um desígnio divino: foi Deus que escolheu, consagrou e constituiu Jeremias como profeta. Dizer que Deus “escolheu” o profeta (literalmente, “conheceu” – do verbo “yada‘”) é dizer que Deus, por sua iniciativa, estabeleceu desde sempre com ele uma relação estreita e íntima, de forma que o profeta, vivendo na órbita de Deus, aprendesse a discernir os planos de Deus para os homens e para o mundo. Dizer que Deus “consagrou” o profeta significa que Deus o “reservou”, que o “pôs à parte” para o seu serviço. Dizer que Deus “constituiu” o profeta “para as nações” significa que Deus lhe confiou uma missão, missão que tem um alcance universal. Tudo isto, no entanto, resulta da acção e da escolha de Deus, é iniciativa de Deus e não escolha do homem.
Na segunda parte do texto, temos o envio formal do profeta. Ele deve ir “dizer o que o Senhor ordenar”, sem medo nem servilismo, enfrentando os grandes da terra, armado apenas com a força de Deus. É a definição do “caminho profético”, percorrido no sofrimento, no risco, na solidão, no conflito com todos os que se opõem à proposta de Deus. A leitura de hoje termina com um convite à confiança: “não poderão vencer-te, porque Eu estou contigo para te salvar” – vers. 19).
A vida de Jeremias realizou, integralmente, o projecto de Deus. A propósito e a despropósito, Jeremias denunciou, criticou, demoliu e destruiu, edificou e plantou. Não teve muito êxito: a família, os amigos, o povo de Jerusalém, as autoridades, os sacerdotes, viraram-lhe as costas, marginalizaram-no, perseguiram-no e maltrataram-no. No entanto, Jeremias nunca renunciou: Deus invadiu-lhe de tal forma a vida, e a paixão pela Palavra de Deus “apanhou-o” de tal forma, que o profeta viveu até ao fim, com a máxima intensidade, a sua missão.

ACTUALIZAÇÃO

Considerar, para reflexão, as seguintes questões:

• Os “profetas” não são uma classe de animais extintos há muitos séculos, mas são uma realidade com que Deus continua a contar para intervir no mundo e para recriar a história. Quem são, hoje, os profetas? Onde estão eles?

• No Baptismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Estamos conscientes dessa vocação a que Deus a todos nos convocou? Temos a noção de que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?

• O profeta é o homem que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo (numa mão a Bíblia, na outra o jornal diário). Vivendo em comunhão com Deus e intuindo o projecto que Ele tem para o mundo, e confrontando esse projecto com a realidade humana, o profeta percebe a distância que vai do sonho de Deus à realidade dos homens. É aí que ele intervém, em nome de Deus, para denunciar, para avisar, para corrigir. Somos estas pessoas, simultaneamente em comunhão com Deus e atentas às realidades que desfeiam o nosso mundo?

• A denúncia profética implica, tantas vezes, a perseguição, o sofrimento, a marginalização e, em tantos casos, a própria morte (Óscar Romero, Luther King, Gandhi…). Como lidamos com a injustiça e com tudo aquilo que rouba a dignidade dos homens? O medo, o comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de ser profetas?

• Em concreto, em que situações sou chamado, no dia a dia, a exercer a minha vocação profética?


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 70 (71)

Refrão: A minha boca proclamará a vossa salvação.

Em Vós, Senhor, me refugio,
jamais serei confundido.
Pela vossa justiça, defendei-me e salvai-me,
prestai ouvidos e libertai-me.

Sede para mim um refúgio seguro,
a fortaleza da minha salvação.
Vós sois a minha defesa e o meu refúgio:
meu Deus, salvai-me do pecador.

Sois Vós, Senhor, a minha esperança,
a minha confiança desde a juventude.
Desde o nascimento Vós me sustentais,
desde o seio materno sois o meu protector.

A minha boca proclamará a vossa justiça,
dia após dia a vossa infinita salvação.
Desde a juventude Vós me ensinais
e até hoje anunciei sempre os vossos prodígios.


LEITURA II – 1 Cor 12,31-13,13

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

Irmãos:
Aspirai com ardor aos dons espirituais mais elevados.
Vou mostrar-vos um caminho de perfeição que ultrapassa tudo:
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver caridade,
sou como bronze que ressoa ou como címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom da profecia
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu possua a plenitude da fé,
a ponto de transportar montanhas,
se não tiver caridade, nada sou.
Ainda que distribua todos os meus bens aos famintos
e entregue o meu corpo para ser queimado,
se não tiver caridade, de nada me aproveita.
A caridade é paciente, a caridade é benigna;
não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa;
não é inconveniente, não procura o próprio interesse;
não se irrita, não guarda ressentimento;
não se alegra com a injustiça,
mas alegra-se com a verdade;
tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.
O dom da profecia acabará,
o dom das línguas há-de cessar,
a ciência desaparecerá;
mas a caridade não acaba nunca.
De maneira imperfeita conhecemos,
de maneira imperfeita profetizamos.
Mas quando vier o que é perfeito,
o que é imperfeito desaparecerá.
Quando eu era criança, falava como criança,
sentia como criança e pensava como criança.
Mas quando me fiz homem, deixei o que era infantil.
Agora vemos como num espelho e de maneira confusa,
depois, veremos face a face.
Agora, conheço de maneira imperfeita,
depois, conhecerei como sou conhecido.
Agora permanecem estas três coisas:
a fé, a esperança e a caridade;
mas a maior de todas é a caridade.

AMBIENTE

Há quem chame a este texto “o Cântico dos Cânticos da nova aliança”. Também se lhe chama, habitualmente, o “hino ao amor”.
À primeira vista, este “elogio do amor” poderia parecer uma página completamente desligada do contexto anterior (a discussão acerca dos carismas). Na realidade, este texto apresenta afinidades claras, tanto a nível literário como a nível temático, com os capítulos precedentes, bem como com os capítulos seguintes. Ainda que possamos retirar este hino do seu contexto, sem que ele perca o sentido, a verdade é que Paulo quer aqui dizer, sem meias palavras e de forma clara e contundente, que só há um carisma absoluto: o amor.

MENSAGEM

Antes de mais, convém dizer que o amor de que Paulo fala aqui é o amor (em grego, “agape”) tal como ele é entendido pelos cristãos: não é o amor egoísta, que procura o próprio bem, mas o amor gratuito, desinteressado, sincero, fraterno, que se preocupa com o outro, que sofre pelo outro, que procura o bem do outro sem esperar nada em troca. Desse tipo de relacionamento, nasce a Igreja – a comunidade dos que vivem o “agape”.
O nosso texto desenvolve-se em três estrofes. Na primeira (13,1-3), Paulo sustenta que, sem amor, até as melhores coisas (a fé, a ciência, a profecia, a distribuição de esmolas pelos pobres) são vazias e sem sentido. Só o amor dá sentido a toda a vida e a toda a experiência cristã.
Na segunda estrofe (13,4-7), Paulo apresenta literariamente o amor como uma pessoa e sugere que ele é a fonte e a origem de todos os bens e qualidades. A propósito, Paulo enumera quinze características ou qualidades do verdadeiro amor: sete destas qualidades são formuladas positivamente e as outras oito de forma negativa; mas todas elas se referem a coisas simples e quotidianas, que experimentamos e vivemos a todos os instantes, a fim de que ninguém pense que este “amor” é algo que só diz respeito aos santos, aos sábios, aos especialistas.
A terceira estrofe (13,8-13) estabelece uma comparação entre o amor e o resto dos carismas. A questão é: este amor de que se disseram coisas tão bonitas é algo imperfeito, temporal e caduco como o resto dos carismas? Este amor – responde Paulo – não desaparecerá nunca, não mudará jamais. Ele é a única coisa perfeita; por isso permanecerá sempre. Fica, assim, confirmada a superioridade incontestável do amor frente a qualquer outro carisma – por muito que seja apreciado pelos coríntios ou por qualquer comunidade cristã, no futuro.

ACTUALIZAÇÃO

Para reflectir, ter em conta as seguintes questões:

• O amor cristão – isto é, o amor desinteressado que leva, por pura gratuidade, a procurar o bem do outro – é, de acordo com Paulo, a essência da experiência cristã. É esse o amor que me move? Quando faço algo, partilho algo, presto algum serviço, é com essa atitude desinteressada, de puro dom?

• Desse amor partilhado nasce a comunidade de irmãos a que chamamos Igreja. O amor que une os vários membros da nossa comunidade cristã é esse amor generoso e desinteressado de que Paulo fala? Quando a comunidade cristã é palco de lutas de interesses, de ciúmes, de rivalidades egoístas, que testemunho de amor está a dar?


ALELUIA – Lc 4,18

Aleluia. Aleluia.

O Senhor enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres,
a proclamar aos cativos a redenção.


EVANGELHO – Lc 4,21-30

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
Jesus começou a falar na sinagoga de Nazaré, dizendo:
«Cumpriu-se hoje mesmo
esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
Todos davam testemunho em seu favor
e se admiravam das palavras cheias de graça
que saíam da sua boca.
E perguntavam:
«Não é este o filho de José?»
Jesus disse-lhes:
«Por certo Me citareis o ditado:
‘Médico, cura-te a ti mesmo’.
Faz também aqui na tua terra
o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum».
E acrescentou:
«Em verdade vos digo:
Nenhum profeta é bem recebido na sua terra.
Em verdade vos digo
que havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias,
quando o céu se fechou durante três anos e seis meses
e houve uma grande fome em toda a terra;
contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas,
mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia.
Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu;
contudo, nenhum deles foi curado,
mas apenas o sírio Naamã».
Ao ouvirem estas palavras,
todos ficaram furiosos na sinagoga.
Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade
e levaram-n’O até ao cimo da colina
sobre a qual a cidade estava edificada,
a fim de O precipitarem dali abaixo.
Mas Jesus, passando pelo meio deles,
seguiu o seu caminho.

AMBIENTE

Estamos na sequência do episódio que a liturgia de domingo passado nos apresentou. Jesus foi a Nazaré, entrou na sinagoga, foi convidado a ler um trecho dos Profetas e a fazer o respectivo comentário… Leu uma citação de Is 61,1-2 e “actualizou-o”, aplicando o que o profeta dizia, a Si próprio e à sua missão: “cumpriu-se hoje mesmo este trecho da Escritura que acabais de ouvir”.
O Evangelho de hoje apresenta a reacção dos habitantes de Nazaré à acção e às palavras de Jesus.

MENSAGEM

O episódio da sinagoga de Nazaré é, já o dissemos atrás, um episódio “programático”: a Lucas não interessa descrever de forma coerente e lógica um episódio em concreto acontecido em Nazaré por altura de uma visita de Jesus, mas enunciar as linhas gerais do programa que o Messias vai cumprir – linhas que o resto do Evangelho vai revelar.
O programa de Jesus é, como vimos a semana passada (o texto de Is 61,1-2 e o comentário posterior de Jesus demonstram-no claramente), a apresentação de uma proposta de libertação aos pobres, marginalizados e oprimidos. No entanto, esse “caminho” não vai ser entendido e aceite pelo povo judeu (isto é, os “da sua terra”), que estão mais interessados num Messias milagreiro e espectacular. Os “seus” rejeitarão a proposta de Jesus e tentarão eliminá-l’O (anúncio da morte na cruz); mas a liberdade de Jesus vence os inimigos (alusão à ressurreição) e a evangelização segue o seu caminho (“passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”), até atingir os que estão verdadeiramente dispostos a acolher a salvação/libertação (alusão a Elias e Eliseu que se dirigiram aos pagãos porque o seu próprio povo não estava disponível para escutar a Palavra de Deus).
Neste texto programático – já o dissemos, também, a semana passada – Lucas anuncia o caminho da Igreja: a comunidade crente toma consciência de que, em continuidade com o caminho de Jesus, a sua missão é levar a Boa Nova aos pobres e marginalizados – como Elias fez com uma viúva de Sarepta ou como Eliseu fez com um leproso sírio. Se percorrer esse caminho, a Igreja viverá na fidelidade a Cristo.

ACTUALIZAÇÃO

A reflexão sobre este texto pode considerar as seguintes questões:

• “Nenhum profeta é bem recebido na sua terra”. Os habitantes de Nazaré julgam conhecer Jesus, viram-n’O crescer, sabem identificar a sua família e os seus amigos mas, na realidade, não perceberam a profundidade do seu mistério. Trata-se de um conhecimento superficial, teórico, que não leva a uma verdadeira adesão à proposta de Jesus. Na realidade, é uma situação que pode não nos ser totalmente estranha: lidamos todos os dias com Jesus, somos capazes de falar algumas horas sobre Ele; mas a sua proposta tem impacto em nós e transforma a nossa existência?

• “Faz também aqui na terra o que ouvimos dizer que fizestes em Cafarnaum” – pedem os habitantes de Nazaré. Esta é a atitude de quem procura Jesus para ver o seu espectáculo ou para resolver os seus problemazinhos pessoais. Supõe a perspectiva de um Deus comerciante, de quem nos aproximamos para fazer negócio. Qual é o nosso Deus? O Deus de quem esperamos espectáculo em nosso favor, ou o Deus que em Jesus nos apresenta uma proposta séria de salvação que é preciso concretizar na vida do dia a dia?

• Como na primeira leitura, o Evangelho propõe-nos uma reflexão sobre o “caminho do profeta”: é um caminho onde se lida, permanentemente, com a incompreensão, com a solidão, com o risco… É, no entanto, um caminho que Deus nos chama a percorrer, na fidelidade à sua Palavra. Temos a coragem de seguir este caminho? As “bocas” dos outros, as críticas que magoam, a solidão e o abandono, alguma vez nos impediram de cumprir a missão que o nosso Deus nos confiou?


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. A ASSEMBLEIA, UM POVO DE IRMÃOS.
O célebre hino à caridade de Paulo, que a segunda leitura nos dá para meditar, recorda como é importante a caridade entre irmãos… na assembleia! É aí que deve acontecer em primeiro lugar a atenção ao outro, o acolhimento do outro, o respeito pelo outro. Parafraseando São Paulo, poderíamos dizer: “Podemos cantar os mais belos cânticos do mundo, mas se nos falta o amor fraterno, nada somos!” Na missa, Cristo manifesta a sua presença: na sua Palavra; sob as espécies do pão e do vinho; na pessoa do sacerdote; e na assembleia reunida em seu nome! Será que uma assembleia, cujos membros se comportam como “desconhecidos”, manifesta verdadeiramente a presença do Senhor da Vida?

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
“Deus, Tu que nos conheces melhor que ninguém, Tu que és a nossa força na provação e que estás ao nosso lado para nos libertar, nós Te damos graças.
Nós Te pedimos por todos os profetas de hoje, por aqueles que resistem aos poderosos pedindo o respeito pelos pobres e pelos fracos, por aqueles que mostram ao nosso mundo o caminho de uma vida mais justa e mais libertadora”.

No final da segunda leitura:
“Pai, nós Te damos graças pelo teu amor infinito, que nos revelaste em Jesus, teu Filho, porque Ele teve paciência, esteve ao serviço, não procurou o seu interesse, tudo suportou, fez-Te confiança em tudo.
Nós Te recomendamos todas as famílias cristãs: enche-as do teu Espírito de amor, como nós Te pedimos na celebração dos casamentos”.

No final do Evangelho:
“Deus fiel e paciente, bendito sejas pela mensagem de graça que saía da boca do teu Filho Jesus. Nós Te bendizemos pelos profetas que enviaste outrora aos pagãos, porque Tu queres a salvação e a felicidade de todos os homens.
Nós Te pedimos pelas nossas cidades, onde a mensagem do Evangelho provoca as mesmas oposições e rejeições que outrora em Nazaré. Que o teu Espírito sustente a nossa fé”.

4. BILHETE DE EVANGELHO.
Jesus não deixa ninguém indiferente. Os seus compatriotas admiram-se, espantam-se com o seu ensino, ficam furiosos, tentam expulsá-los da cidade… Mas é em Nazaré que Jesus inicia a sua pregação. As pessoas sabem quem Ele é, conhecem a sua profissão, a sua família, mas ignoram o seu mistério. Como poderiam imaginar que Ele vem de Deus, que é o Filho de Deus? É necessário o tempo de provação para que os seus olhos se abram, os olhos da fé postos à prova pela morte e ressurreição do seu compatriota. E, vemo-lo bem ao longo de todo o Evangelho, são aqueles que nunca ninguém imaginou que vão fazer acto de fé e beneficiar das palavras e dos gestos de salvação do Filho de Deus. Como os profetas Elias e Eliseu, Jesus manifesta que Deus ama todos os homens; a salvação que veio trazer é oferecida a toda a humanidade.

5. À ESCUTA DA PALAVRA.
Sabemos como as multidões são versáteis. Basta ver a atitude da multidão em Jerusalém: ora aclama Jesus, ora pede a sua more. A mesma versatilidade acontece com os habitantes de Nazaré. Têm reacções diferentes e interrogam-se, pois conhecem bem a identidade familiar de Jesus. Jesus avança no seu ensino e faz referência a dois episódios do Antigo Testamento, no tempo de Elias e de Eliseu: a viúva estrangeira e o general sírio, que beneficiam dos gestos salvíficos de Deus e não os filhos de Israel! Por outras palavras, diz que os habitantes de Nazaré são como os seus antepassados: não acolhem o tempo da visita de Deus. Da admiração, os habitantes passam ao ódio. E nós, hoje? Interroguemo-nos sobre a nossa atitude para com Jesus: a sua palavra surpreende-nos? Pomos de lado as suas palavras que nos provocam, para não nos pormos em questão? Preferimos ficar na nossa tranquilidade?

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II, cujos temas estão em harmonia com os do Evangelho.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
No hino de Paulo que lemos neste domingo e que é uma das suas páginas mais célebres, o apóstolo indica-nos “um caminho superior a todos os outros”: não o caminho do amor-paixão, não o caminho do amor-amizade, mas o caminho do amor-caridade: o caminho da agapè. E para falar deste amor, em vez de dar definições, ele mostra-o em acção e utiliza 15 verbos: ter paciência, servir, não invejar, não se vangloriar, não se orgulhar, etc. Este hino eleva-nos, inflama-nos… mas proíbe-nos de sonhar: estes 15 verbos são verbos para a acção! Uma sugestão: reler este texto, substituindo “caridade” por “Cristo”. A agapè é Cristo que ama em nós!


UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

III Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares - 30.01.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
III Semana - Sábado
Lectio

Primeira leitura: 2 Samuel 12, 1-7a.10-17

1O Senhor enviou então Natan a David. Logo que entrou no palácio, Natan disse-lhe: «Dois homens viviam na mesma cidade, um rico e outro pobre. 2O rico tinha ovelhas e bois em grande quantidade; 3o pobre, porém, tinha apenas uma ovelha pequenina, que comprara. Criara-a, e ela crescera junto dele e dos seus filhos, comendo do seu pão, bebendo do seu copo e dormindo no seu seio; era para ele como uma filha. 4Certo dia, chegou um hóspede a casa do homem rico, o qual não quis tocar nas suas ovelhas nem nos seus bois para preparar o banquete e dar de comer ao hóspede que chegara; mas foi apoderar-se da ovelhinha do pobre e preparou-a para o seu hóspede.» 5David, indignado contra tal homem, disse a Natan: «Pelo Deus vivo! O homem que fez isso merece a morte. 6Pagará quatro vezes o valor da ovelha, por ter feito essa maldade e não ter tido compaixão.» 7Natan disse a David: «Esse homem és tu! Isto diz o Senhor, Deus de Israel: ‘Ungi-te rei de Israel, salvei-te das mãos de Saul, 10Por isso, jamais se afastará a espada da tua casa, porque me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o hitita, para fazer dela tua esposa’. 11Eis, pois, o que diz o Senhor: ‘Vou fazer sair da tua própria casa males contra ti. Tomarei as tuas mulheres diante dos teus olhos e hei-de dá-las a outro, que dormirá com elas à luz do Sol! 12Pois tu pecaste ocultamente; mas Eu farei o que digo diante de todo o Israel e à luz do dia!’» 13David disse a Natan: «Pequei contra o Senhor.» Natan respondeu-lhe: «O Senhor perdoou o teu pecado. Não morrerás. 14Todavia, como ofendeste gravemente o Senhor com a acção que fizeste, morrerá certamente o filho que te nasceu.» 15E Natan voltou para sua casa. O Senhor feriu o menino que a mulher de Urias havia dado a David com uma doença grave. 16David orou a Deus pelo menino; jejuou e passou a noite prostrado por terra. 17Os anciãos da sua casa, de pé junto dele, pediam-lhe que se levantasse do chão, mas ele não o quis fazer nem tomar com eles alimento algum.

Morto Urias, David tomou para si Betsabé. Tudo parecia correr bem a David. Mas Deus está atento e vê tudo, não só os planos mais secretos do homem, mas também o que se passa no seu coração. Natan, enviado por Deus ao rei, denuncia-lhe os crimes, recorrendo à célebre parábola do homem rico, que toma para si a única ovelha do seu vizinho pobre. David, rei justo, não hesita em pronunciar, indignado, a sentença condenatória. Só que o profeta remata, dizendo: «Esse homem és tu!». David reconhece o seu pecado e a súplica de arrependimento, que brota do seu coração, encontra expressão no Salmo 50, certamente posterior, mas acertadamente posto na boca do rei pecador.
Mas o drama continua. Deus perdoa a David. Não o rejeita como fez com Saul. Mas não faltará o castigo: a criança, filha do adultério, adoece e morre, tal como hão-de morrer de forma violenta outros filhos de David (Amnon, Absalão, Adonias…). Todavia a oração, que brota dos lábios de David, revela, não só o seu amor pelo filho, e por Betsabé, mas também a confiança do rei na oração: clama, geme, jejua, prostra-se por terra e tenta forçar, qual novo Abraão, a misericórdia de Deus.


Evangelho: Mc 4, 35-41

35Naquele dia, ao entardecer, disse: «Passemos para a outra margem.» 36Afastando-se da multidão, levaram-no consigo, no barco onde estava; e havia outras embarcações com Ele. 37Desencadeou-se, então, um grande turbilhão de vento, e as ondas arrojavam-se contra o barco, de forma que este já estava quase cheio de água. 38Jesus, à popa, dormia sobre uma almofada. 39Acordaram-no e disseram-lhe: «Mestre, não te importas que pereçamos?» Ele, despertando, falou imperiosamente ao vento e disse ao mar: «Cala-te, acalma-te!» O vento serenou e fez-se grande calma. 40Depois disse-lhes: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» 41E sentiram um grande temor e diziam uns aos outros: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?»

À proclamação do Reino de Deus, em parábolas, segue a apresentação dos benefícios dessa proclamação. É o que faz Marcos na nova secção do seu evangelho, onde apresenta quatro milagres, a começar pela tempestade acalmada (vv. 37ss.). A Boa Nova da Salvação atinge o homem todo, toda a sua existência: Jesus salva e cura os homens das mais diversas ameaças que estão a ponto de «alienar» a sua vida. É interessante notar o contraste entre a serenidade de Jesus, que dorme, e a ansiedade dos discípulos, que lutam bravamente contra as ondas e o vento. Parecem inverter-se os papéis: Jesus confia nos marinheiros e estes, angustiados, não revelam confiança em Jesus: «não te importas que pereçamos?» (v. 38). Quando Jesus finalmente intervém, calam-se o vento e o mar, e calam-se os aterrorizados marinheiros. Nem respondem às perguntas de Jesus: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?». O medo dos discípulos indica falta de fé. A intervenção de Jesus transforma-lhes o medo em temor de Deus. O poder manifestado por Jesus fê-los intuir a presença de Deus junto deles. E começam a dar-se conta da verdadeira identidade do seu Mestre.


Meditatio

Se o pecado ou, melhor, os vários pecados de David nos deixaram horrorizados, o seu arrependimento sincero causa-nos admiração.
Deus serviu-se de Natan, e da sua sábia pedagogia, para levar o rei a reconhecer o seu pecado. David escuta a história do homem rico, abençoado por Deus com muitos rebanhos, e que, para oferecer uma refeição a um amigo que o visita, rouba a única ovelha de um homem pobre. Como rei justo, não hesita em pronunciar a sentença: «Pelo Deus vivo! O homem que fez isso merece a morte. 6Pagará quatro vezes o valor da ovelha, por ter feito essa maldade e não ter tido compaixão» (2 Sam 12, 5-6). É nesse momento que o profeta pronuncia a sua acusação: «Esse homem és tu!» (2 Sam 12, 7). Ele, David, era o criminoso que acabava de condenar. Ele, que Deus cumulara de bens, tinha roubado o único tesouro de Urias, a sua mulher. Natan, enviado de Deus, levou o rei a tomar consciência do seu crime, e anunciou-lhe o castigo. David não tentou desculpar-se ou fugir à condenação mas confessou: «Pequei contra o Senhor» (2 Sam 12, 13). Assim alcançou o perdão dos seus pecados e uma nova relação com o Senhor, bem expressa o Salmo 50.
A nossa familiaridade com Deus, não nos põe ao abrigo de momentos de hesitação e de dúvida, como nos mostra o evangelho. Podemos até cair na ilusão de que, tendo-O por companheiro, Ele nos livra de situações difíceis. Os discípulos talvez tivessem caído nessa ilusão. Uma tempestade forte fê-los acordar, pondo em crise a sua confiança no Mestre: «não te importas que pereçamos?»
Quantas vezes, no aconchego da comunidade bem organizada, protegidos pela assiduidade aos ritos, nos sentimos tranquilos e ao abrigo de situações difíceis. «O Senhor está connosco; que nos pode acontecer?» - pensamos. E julgamos ter muita fé e muita confiança em Deus. Mas, à primeira dificuldade, ao primeiro fracasso, repreendemo-lo, como se nos tivesse abandonado.

As fragilidades, as incertezas, as dúvidas, o pecado, não são coisas só dos «outros». São também nossas. Também nós somos discípulos assustados e medrosos! Também nós somos pecadores como David.
Um monge do deserto disse que o primeiro degrau para ascender à santidade é reconhecer-se pecador. Esse reconhecimento é já resposta a uma graça, pois não seria possível sem a ajuda de Deus. É um modo de agir da sua misericórdia, que, para isso, às vezes se serve de um acontecimento ou da intervenção de alguém com quem nos encontramos e que, com uma palavra, nos leva a abrir os olhos para a nossa realidade. Se acolhermos essa graça, podemos iniciar uma nova fase de crescimento espiritual.
Deus é Pai. Deus é amor... e nunca é tão Pai e tão amor como quando perdoa. Pensemos, comovidos, na parábola do filho pródigo ou, melhor, do Pai pródigo na bondade, na misericórdia, no perdão, no amor.
Um escritor moderno disse muito bem: “Se não fôssemos pecadores, carecidos de perdão mais que de pão, não conheceríamos a profundidade do coração de Deus”. E é famosa a asserção de Bossuet: “O dar ou aumentar a graça numa alma é uma maravilha maior do que criar o mundo”. Tudo isto acontece, para nós, hoje, no sacramento da reconciliação.


Oratio

Abre, Senhor, os meus olhos, para que veja a minha fragilidade, o meu orgulho, o meu pecado. Quantas vezes, me sinto justo como David prepotente e pecador. Quantas vezes, me sinto vaidoso porque navego numa barca onde Tu estás presente, a Igreja, contra a qual não hão-de prevalecer as portas do inferno, como se isso fosse uma garantia e uma graça que eu mereço. Ensina-me que o Evangelho é uma graça a partilhar, e não um tesouro a guardar só para mim. Ampara-me nas tentações e dificuldades, para que não me julgue abandonado pelo teu poder e esquecido do teu amor. Amen.


Contemplatio

Margarida Maria, muito assídua à permanência no Coração de Jesus, tomava lá funções muito variadas, considerando-se aí ora como discípula na escola do divino Coração, ora como uma doente no hospício, ou uma cativa na prisão do amor, ou uma mendiga no palácio do rei. Mas o mais das vezes vê no Coração de Jesus um lugar de refúgio, um porto de segurança, uma cidadela de protecção contra os inimigos da salvação, um asilo para os pecadores.
«É preciso retirar-nos, diz, para a chaga do Sagrado Coração como um pobre viajante que procura um porto seguro para se colocar ao abrigo dos escolhos e das tempestades do mar tempestuoso do mundo, onde estamos expostos a um contínuo naufrágio. – O Coração adorável é um delicioso retiro onde vivemos ao abrigo de todas as tempestades. – Este divino Coração é como um forte inexpugnável contra os assaltos do inimigo».
O Sagrado Coração é o asilo da misericórdia e do perdão: «Os pecadores, diz Nosso Senhor, encontrarão no meu coração o oceano infinito da misericórdia». - «Que podeis temer em irdes lá, diz Margarida Maria, uma vez que ele vos convida a lá irdes? Não é ele o trono da misericórdia onde os miseráveis são os mais bem recebidos, desde que o amor os apresente no abismo da sua miséria?». - «O Pai eterno, por um excesso de misericórdia, fez deste ouro precioso uma moeda inapreciável, marcado no cunho da sua divindade, para que os homens com ela possam pagar as suas dívidas e negociar o grande assunto da sua salvação eterna». - «Permanecereis no Sagrado Coração de Jesus como um criminoso que, pelos desgostos e pela dor das suas faltas, deseja apaziguar o seu juiz fechando-se nesta prisão de amor». - «Deu-me a conhecer que o seu Sagrado Coração é o Santo dos Santos, que queria que fosse conhecido agora para ser o mediador entre Deus e os homens, porque é todo-poderoso para fazer a sua paz e para obter misericórdia» (Leão Dehon, OSP 3, 676s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Pequei contra o Senhor» (2 Sam 12, 13).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

III Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 29.01.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
III Semana - Sexta-feira
Lectio

Primeira leitura: 1 Samuel 11, 1-4a.5-10a.13-17

1No ano seguinte, na época em que os reis saem para a guerra, David enviou Joab com os seus oficiais e todo o Israel; eles devastaram a terra dos amonitas e sitiaram Rabá. David ficou em Jerusalém. 2E aconteceu que uma tarde David levantou-se da cama, pôs-se a passear no terraço do seu palácio e avistou dali uma mulher que tomava banho e que era muito formosa. 3David procurou saber quem era aquela mulher e disseram-lhe que era Betsabé, filha de Eliam, mulher de Urias, o hitita. 4Então, David enviou emissários para que lha trouxessem. Ela veio e David dormiu com ela, depois de purificar-se do seu período menstrual. Depois, voltou para sua casa. 5E, vendo que concebera, mandou dizer a David: «Estou grávida.» 6Então, David mandou esta mensagem a Joab: «Manda-me Urias, o hitita.» E Joab enviou Urias, o hitita, a David. 7Quando Urias chegou, David pediu-lhe notícias de Joab, do exército e da guerra. 8E depois disse-lhe: «Desce à tua casa e lava os teus pés.» Urias saiu do palácio do rei, e este, em seguida, enviou-lhe comida da sua mesa real. 9Mas Urias não foi a sua casa e dormiu à porta do palácio com os outros servos do seu senhor. 10E contaram-no a David, dizendo-lhe: «Urias não foi a sua casa.» David perguntou a Urias: «Não voltaste, porventura, de uma viagem? Porque não foste a tua casa?» 13David convidou-o a comer e beber com ele, e embriagou-o. Mas à noite, Urias não foi a sua casa; saiu e deitou-se com os outros servos do seu senhor. 14No dia seguinte de manhã, David escreveu uma carta a Joab e enviou-lha por Urias. 15Dizia nela: «Coloca Urias na frente, onde o combate for mais aceso, e não o socorras, para que ele seja ferido e morra.» 16Joab, que sitiava a cidade, pôs Urias no lugar onde sabia que estavam os mais valentes guerreiros do inimigo. 17Os assediados fizeram uma surtida contra Joab, e morreram alguns homens de David, entre os quais Urias, o hitita.

Apesar de grave, o pecado de David com Betsabé, está dentro do que se poderia considerar normal no século X a. C. Se a solução tentada por David tivesse resultado, não haveria consequências de maior. Mas Urias, porque suspeitava de algo, ou por razões de ética militar, como diz a Bíblia, não cedeu às pressões do rei. Então, David recorre ao assassinato de Urias, perpetrado de modo traiçoeiro.
O pecado foi tomando conta do rei que agiu de modo cada vez mais pérfido. Não nos escandalizemos. O pecado dá-nos a justa medida do homem. É uma realidade constante e universal. A Bíblia verifica-a e atribui-a a uma tendência que nos arrasta para o mal de modo irresistível: «Nasci na culpa, e em pecado minha mãe me concebeu» (Sl 51, 7).
O episódio de David e Betsabé, narrado com precisão e simplicidade, acusa, sem reticências, o rei; o Primeiro livro das Crónicas, mais obsequioso em relação a David, não o refere. Mas o episódio faz parte da «História da sucessão ao trono» e visa introduzir na cena Salomão que, depois de muitas peripécias, irá sentar-se no trono de David.


Evangelho: Mc 4, 26-34

26Dizia ainda: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. 27Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como. 28A terra produz por si, primeiro o caule, depois a espiga e, finalmente, o trigo perfeito na espiga. 29E, quando o fruto amadurece, logo ele lhe mete a foice, porque chegou o tempo da ceifa.»
30Dizia também: «Com que havemos de comparar o Reino de Deus? Ou com qual parábola o representaremos? 31É como um grão de mostarda que, ao ser deitado à terra, é a mais pequena de todas as sementes que existem; 32mas, uma vez semeado, cresce, transforma-se na maior de todas as plantas do horto e estende tanto os ramos, que as aves do céu se podem abrigar à sua sombra.»
33Com muitas parábolas como estas, pregava-lhes a Palavra, conforme eram capazes de compreender. 34Não lhes falava senão em parábolas; mas explicava tudo aos discípulos, em particular.

As duas parábolas, que Marcos põe na boca de Jesus, ilustram dois aspectos da inevitável tensão dialéctica do reino de Deus na história.
A parábola da semente, que cresce sem a intervenção do agricultor, diz-nos que o Reino é uma iniciativa de Deus, que deve permanecer sempre acima de toda a tentativa humana para guiar o curso do seu crescimento e maturação. É claro que Deus conta com a colaboração humana: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra» (v. 26). Para sublinhar a acção de Deus, a parábola esquece diversos trabalhos necessários, à sementeira, à limpeza, à rega, etc. Mas alude ao acto de semear. É essa a tarefa dos discípulos que, depois, devem aguardar, com paciência, que a Palavra actue pela força que tem em si mesma e dê fruto no tempo e no modo que Deus quiser.
A segunda parábola apresenta o reino como um grão de mostarda, que dá origem a um grande arbusto. Também aqui encontramos uma importante mensagem de confiança para a comunidade primitiva e para nós. Não havemos de preocupar-nos por sermos poucos e pequenos: a Palavra de Deus dará frutos incomensuráveis, não por nosso mérito, mas pela graça.
Os vv. 33 e 34 retomam o tema das parábolas para o grande público e das explicações privadas aos discípulos.


Meditatio

A primeira leitura mostra-nos que, quando entramos pelo caminho do pecado, não sabemos até que ponto podemos chegar. Ao pecar com Betsabé, David inicia uma série de pecados, que termina em verdadeiras catástrofes. Não conseguindo disfarçar a primeira culpa, David trama a morte de Urias. Mais tarde, um seu filho usa de violência contra uma irmã, provocando a fúria de Absalão, que o mata. Depois, é o próprio Absalão que se revolta contra David, obrigando-o a fugir. Segue a guerra civil. Numa das batalhas, Absalão é morto pelos homens do rei. Sabemos quando começamos a pecar, mas não sabemos até onde poderão ir as consequências do nosso pecado.
Mas, como diz S. Paulo, «onde aumentou o pecado, superabundou a graça» (Rom 5, 20). A força do pecado é nada diante da força do Reino de Deus. É o que nos diz o evangelho. O Senhor leva por diante o seu projecto de salvação, servindo-se de homens fracos e pecadores, utilizando instrumentos simples e pobres. Não nos compete decidir quando e em que medida a semente dará fruto. O crescimento acontece em segredo, enquanto nos ocupamos de outros afazeres, e é imensamente superior às nossas expectativas.
As leituras de hoje trazem-nos uma mensagem de esperança. Foi-nos confiada uma tarefa para a qual nos sentimos inadequados. Mas a nossa acção é importante. Compete-nos espalhar a semente, difundir o evangelho, o que não é pouco. Mas não devemos cair na ansiedade, à espera de ver os resultados. Eles não dependem de nós, e talvez jamais os vejamos neste mundo. Só no fim da nossa vida poderemos dar-nos conta dos frutos do nosso trabalho, e a colheita será uma festa, se tivermos sabido esperar serenos e confiantes a obra do Pai.
O segredo do êxito está em confiar n´Ele, sem fugirmos às nossas responsabilidades e sem pretendermos disfarçar as nossas culpas. Onde abunda a fraqueza e o pecado, superabundará a graça.
A missão que nos está confiada há-de ser realizada exige o reconhecimento da nossa pobreza, também moral. Somos pecadores que confiam na misericórdia de Deus. Temos consciência de sermos instrumentos fracos. Mas havemos de ir mais longe, ultrapassando todo o interesse próprio, ainda que seja o de ver os frutos do nosso apostolado. Essa pobreza libertar-nos da anisedade e estimula-nos a viver na confiança e na gratuidade do amor, como recomenda as nossas Constituições (cf. n. 46). Reconhecer a pobreza do nosso ser e do nosso futuro é renunciar à orgulhosa auto-suficiência e à desumana auto-afirmação. A pobreza evangélica, acolhida e amada, na nossa vida e no nosso apostolado, leva à exigência da confiança em Deus nosso Pai (cf. Mt 6, 25-34), Senhor da semente e da messe, nossa origem e fim último da nossa vida, que queremos servir, servindo os irmãos.


Oratio

Senhor da semente e da messe, dá-me uma inabalável confiança na tua palavra. Sabes quão difícil é para mim aguardar o tempo da colheita, e como gostaria de ver imediatamente o fruto dos meus trabalhos. Mas só Tu sabes a hora em que a tua palavra irá revelar o seu poder. Só Tu sabes o tempo em que hei-de empunhar a foice. A semente cresce, não pelos meus méritos, mas pela tua graça. Que eu saiba esperar com paciência o tempo do amadurecimento, respeitando os irmãos a quem falo em teu nome, sem confundir a eficácia do testemunho com o êxito das minhas iniciativas.
Ensina-me a esperar vigilante a tua vinda, ainda que me pareça distante. Mas atrai-me para Ti, porque anseio participar na festa da colheita no teu Reino. Amen.


Contemplatio

Todas as belas parábolas de Nosso Senhor relativas ao reino de Deus aplicam-se também evidentemente ao reino do Sagrado Coração, que é o novo desenvolvimento do reino de Deus e da sua perfeição.
O reino de Deus é o reino da fé e da graça; é a igreja de Cristo estendendo-se a toda a terra. Nosso Senhor descreveu os seus progressos. Será primeiro um grão de mostarda, que morrerá para dar o seu germe. Jesus, o verdadeiro grão, maravilhosamente fecundo, morreu no Calvário para dar nascimento à igreja. O seu Coração, como um grão misterioso, abriu-se, e a igreja saiu dele, simbolizada pela água e pelo sangue.
Os apóstolos e os mártires morreram também de uma morte fecunda, para fazer nascer por toda a parte filhos da Igreja.
É preciso que os apóstolos do Sagrado Coração sejam mártires pelo coração para estenderem pelo fruto das suas imolações o reino do Sagrado Coração. É preciso que sejam mártires pelo fogo do amor e pela espada da imolação e do sacrifício (Leão Dehon, OSP 3, p. 179).

Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Nem o que planta nem o que rega é alguma coisa, mas só Deus, que faz crescer» (1 Cor 3, 7).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

III Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 28.01.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
III Semana - Quinta-feira
Lectio

Primeira leitura: 2 Samuel 7, 18-19.24-29

18Então, David foi apresentar-se diante do Senhor e disse-lhe: «Quem sou eu, Senhor Deus, e quem é a minha família, para que me tenhas conduzido até aqui? 19E, como se isto fosse pouco para ti, Senhor Deus, Senhor Deus, fizeste também promessas à família do teu servo para os tempos futuros! Porque esta é a lei do homem, ó Senhor Deus! 24Estabeleceste solidamente o teu povo, Israel, para ser eternamente o teu povo, e Tu, Senhor, seres o seu Deus. 25Agora, pois, Senhor Deus, cumpre para sempre a promessa que fizeste ao teu servo e à sua casa e faz como disseste. 26O teu nome será exaltado para sempre e dir-se-á: ‘O Senhor do universo é o Deus de Israel. E permanecerá estável diante de ti a casa do teu servo David. 27Porque Tu próprio, ó Senhor do universo, Deus de Israel, fizeste ao teu servo esta revelação:
‘Eu te construirei uma casa.’ Por isso, o teu servo se animou a dirigir-te esta prece.
28Agora, ó Senhor Deus, só Tu és Deus, e as tuas palavras são a própria verdade. Já que prometeste ao teu servo estes bens, 29abençoa, desde agora, a sua casa, para que ela subsista para sempre diante de ti: porque Tu, Senhor Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada eternamente.»

Depois das promessas de Deus em relação a David, à sua descendência e a todo o povo (na primeira parte de 2Sam 7), o rei toma a palavra e pronuncia uma oração de louvor e de acção de graças. A oração é repetitiva e redundante: os conceitos «casa», «Senhor Deus» (Adonai Yahveh), «servo», «falar», «palavra» «eternamente», repetem-se várias vezes. Mas essa repetição acentua claramente as ideias principais nela expressas. Entre elas sobressai o conceito de «palavra»: promessa feita a David por meio de Natan; palavra eficaz e fonte de esperança nos momentos difíceis da história.
As razões pelas quais Deus recusa a construção do templo por David não estão muito claras. Mas o rei aceita a anulação dos seus projectos para que se realizem os de Deus: «Quem sou eu, Senhor Deus, e quem é a minha família, para que me tenhas conduzido até aqui?». Esta submissão e esta humildade aparecem nos relatos bíblicos de vocação (cf. Ex 3, 11; Jz 6, 15; Jer 1, 6).
A confiança de David apoia-se na memória das obras de Deus em favor do seu povo. David põe-se em sintonia com a palavra do Senhor, pedindo que ela se realize. Deus é fiel. É na fidelidade que se revela a sua grandeza. Uma vez que o Senhor «falou», não há que hesitar: «a casa do teu servo será abençoada eternamente», conclui David.


Evangelho: Mc 4, 21-25

21Disse-lhes ainda: «Põe-se, porventura, a candeia debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para ser colocada no candelabro? 22Porque não há nada escondido que não venha a descobrir-se, nem há nada oculto que não venha à luz. 23Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.»
24E prosseguiu: «Tomai sentido no que ouvis. Com a medida que empregardes para medir é que sereis medidos, e ainda vos será acrescentado. 25Pois àquele que tem, será dado; e ao que não tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado.»

Depois da parábola do semeador, Marcos apresenta-nos dois pares de breves sentenças. O Evangelho é para todos na comunidade. Por isso, deve ser colocado «no candelabro». Se alguém cair na tentação de o guardar ciosamente para si, então ser-lhe-á tirado. A Sagrada Escritura não é privilégio só para alguns, mas é para todos. Por isso, deve ser posta ao alcance de todos. A fé recebida por mim deve ser posta ao serviço da minha comunidade e de todos os homens.
No primeiro par de sentenças, a imagem da lâmpada que deve ser exposta sobre o candelabro é desenvolvida por duas antíteses paralelas: o que está escondido há-de ser descoberto, o que está oculto há-de vir à luz. O Reino, ainda que, por enquanto, seja anunciado em parábolas, depressa virá à luz na sua glória, e o Evangelho será anunciado a todos os povos.
No segundo par de sentenças, a antítese volta-se para a condição interna da comunidade: a imagem da medida insinua a proibição de julgar os outros; a segunda sentença está mais ligada à parábola do semeador: «aquele que tem» corresponde à «boa terra», que acolhe a palavra e lhe permite produzir fruto.


Meditatio

As sentenças de Jesus que Marcos nos apresenta hoje vêm logo depois da parábola do semeador, e ajudam-nos a compreendê-la. A semente é, sem dúvida, a Palavra de Deus. Daí a insistência de Jesus: «Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça»… «Tomai sentido no que ouvis. » (cf. Mc 4, 23-24). Um bom acolhimento da Palavra, alcança graças mais abundantes.
David, ao acolher a Palavra do Senhor, alcança a bênção e a promessa da estabilidade da sua casa: «Tu, Senhor Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada eternamente» (2 Sam 7, 29). Esta estabilidade não consiste tanto na glória ou no sucesso político da dinastia davídica, mas mais na solidez na fé e na correspondência ao desígnio de Deus sobre o seu povo. E isto é fruto de graça.
David tinha um bom projecto, o melhor que um homem pode conceber: construir um templo para Deus, isto é, ocupar-se com a sua glória, esquecendo a si mesmo. A recusa de Deus poderia causar-lhe desilusão. Mas, em vez disso, o jovem rei põe de parte o seu projecto e acolhe a Palavra de Deus. Um belo exemplo para nós, mas difícil de seguir! Quantas vezes nos agarramos a projectos que julgamos bons e até inspirados por Deus. E que dramas, quando a vontade do Senhor se mostra diferente!
David, não se deixa cair na desilusão, no desânimo. Pelo contrário, pede a Deus que cumpra a sua promessa: «Só Tu és Deus, e as tuas palavras são a própria verdade… Tu, Senhor Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada eternamente» (cf. 2 Sam 7, 28-29).
Desde muito jovem, e ainda antes de entrar no seminário, o Pe. Dehon dava grande importância à “escuta da Palavra”, como testemunham os dois primeiros cadernos do seu “Diário”. Quase todos os conteúdos das suas notas têm a sua raiz na Escritura. As citações são tomadas sem qualquer diferença tanto do Antigo como do Novo Testamento. Em 138 páginas manuscritas contamos 210 citações da Sagrada Escritura. A sua preferência vai para S. João (57 vezes) e para S. Paulo (38 vezes).
Preparado pela “escuta da Palavra”, meditada e assimilada, Leão Dehon está preparado para viver o espírito de abandono e de imolação que o caracteriza. Não hesita em pôr de parte projectos e interesses pessoais, para fazer o que se lhe apresenta como vontade de Deus. «Ecce venio», «Fiat» são seus motes preferidos. Como Cristo, Leão Dehon não hesita em oferecer-se, em imolar-se por amor, chegando a emitir o voto de vítima, para reviver o sacerdócio e o sacrifício de Cristo, Vítima divina, e alargar o seu “Reino nas almas e na sociedade” (Cst 4).


Oratio

Senhor, dá-me a graça de saber sempre renunciar corajosamente aos meus projectos, ainda que os julgue bons, para acolher a tua vontade onde, como e quando se revelar. Só o teu projecto é força de vida, é semente capaz de originar uma grande árvore, enquanto os projectos humanos são efémeros.
Enche-me de confiança em Ti para realizar o que me pedires, sem me deixar tomar pela ansiedade e pela angústia de não me sentir à altura dos projectos em que me queres envolver. Que eu reconheça sempre a grandeza do teu Nome, e não me orgulhe pelas bênçãos com que vais cumulando ao longo da vida. Amen.


Contemplatio

Jesus quis ser o nosso modelo até nas tentações. Quis passar pelas diversas tentações que podem assaltar a nossa alma.
Satanás começa por lhe propor mudar pedras em pão, para satisfazer o seu apetite… Jesus responde a esta tentação e às outras com frases da Sagrada escritura. Indica-nos assim qual é o objecto das suas meditações na solidão e como devemos procurar a nossa força na palavra de Deus.
Está escrito, responde, que o homem não vive só de pão, mas também da palavra divina» (Dt 7, 3).
Em toda a sua vida, Jesus abandonar-se-á à divina Providência para tudo o que lhe concerne e não fará nenhuma concessão à sensualidade.
Oh! Quanto tenho a fazer a este respeito! Como sou fraco e inclinado a procurar mil satisfações! O remédio está na união com Nosso Senhor, na meditação assídua da sua palavra e dos seus mistérios. Enquanto o nosso coração não estiver fortemente agarrado ao Coração de Jesus e bem apaixonado pelo seu amor, deixar-se-á seduzir pelas satisfações sensuais (Leão Dehon, OSP 3, p. 225).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Só Tu és Deus, e as tuas palavras são a própria verdade» (cf. 2 Sam 7, 28).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Tempo Comum - Anos Pares - III Semana - Quarta-feira - 27.01.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Lectio

Primeira leitura: 2 Samuel 7, 4-17

4Mas, naquela mesma noite, o Senhor falou a Natan, dizendo-lhe: 5«Vai dizer ao meu servo David: Diz o Senhor: "És tu que me vais construir uma casa para Eu habitar? 6Desde que tirei da terra do Egipto os filhos de Israel até ao dia de hoje, não habitei em casa alguma; mas peregrinava alojado numa tenda que me servia de morada. 7E, durante todo o tempo em que andei no meio dos israelitas, disse, porventura, a algum dos chefes de Israel que encarreguei de apascentar o meu povo: ‘Porque não me edificais uma casa de cedro?’ 8Dirás, pois, agora, ao meu servo David: Diz o Senhor do universo: Eu tirei-te das pastagens onde apascentavas as tuas ovelhas, para fazer de ti o chefe de Israel, meu povo. 9Estive contigo em toda a parte por onde andaste; exterminei diante de ti todos os teus inimigos e fiz o teu nome tão célebre como o nome dos grandes da terra. 10Fixarei um lugar para Israel, meu povo; nele o instalarei, e ali habitará, sem jamais ser inquietado; e os filhos da iniquidade não mais o oprimirão, como outrora, 11no tempo em que Eu estabelecia juízes sobre o meu povo, Israel. A ti concedo uma vida tranquila, livrando-te de todos os teus inimigos. Além disso, o Senhor faz hoje saber que será Ele próprio quem edificará uma casa para ti. 12Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino. 13Ele construirá um templo ao meu nome, e Eu firmarei para sempre o seu trono régio. 14Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. Se ele cometer alguma falta, hei-de corrigi-lo com varas e com açoites, como fazem os homens, 15mas não lhe tirarei a minha graça, como fiz a Saul, a quem afastei diante de ti. 16A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre".» 17Foi segundo estas palavras e esta visão que Natan falou a David.

A profecia de Natan vem desfazer as desconfianças e as reticências perante a monarquia. Até aí o povo de Israel estava organizado em tribos, que gozavam de certa autonomia. Com monarquia, o poder foi concentrado nas mãos do rei e em Jerusalém, capital do reino e cidade santa. Era uma inovação que nem todos aceitavam pacificamente. A profecia de Natan funciona como um referendo divino à instituição monárquica e, de modo muito especial, à dinastia de David: «A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre» (v. 16). David está consciente da solidez eterna da sua casa e do seu trono pois, ao morrer, pronuncia as seguintes palavras: «A minha casa está firme diante de Deus, porque Ele fez comigo uma aliança eterna» (2 Sam 23, 5). Este pacto de Deus com David manterá elevada a moral e a esperança do povo nos momentos difíceis.
O oráculo de Natan começa com uma pergunta retórica: «És tu que me vais construir uma casa para Eu habitar?» (v. 5). Esta pergunta faz um todo com a afirmação antitética do v. 11: «será Ele próprio (o Senhor), quem edificará uma casa para ti». Só depois da morte de David o Senhor suscitará o seu descendente (cf. v. 12). Como frequentemente acontece nos oráculos proféticos, são possíveis dois níveis de leitura: a referência imediata a Salomão que construirá o Templo em Jerusalém e a vinda do futuro Messias. O Messias construirá uma casa ao Nome de Deus, o seu reino será eterno, e aplica-se a ele a fórmula de adopção: «Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho» (v. 14).


Evangelho: Mc 4, 1-20

1De novo começou a ensinar à beira-mar. Uma enorme multidão vem agrupar-se junto dele e, por isso, sobe para um barco e senta-se nele, no mar, ficando a multidão em terra, junto ao mar. 2Ensinava-lhes muitas coisas em parábolas e dizia nos seus ensinamentos: 3«Escutai: o semeador saiu a semear. 4Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho e vieram as aves e comeram-na. 5Outra caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra e logo brotou, por não ter profundidade de terra; 6mas, quando o sol se ergueu, foi queimada e, por não ter raiz, secou. 7Outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram, sufocaram-na, e não deu fruto. 8Outra caiu em terra boa e, crescendo e vicejando, deu fruto e produziu a trinta, a sessenta e a cem por um.» 9E dizia: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça.»
10Ao ficar só, os que o rodeavam, juntamente com os Doze, perguntaram-lhe o sentido da parábola. 11Respondeu: «A vós é dado conhecer o mistério do Reino de Deus; mas, aos que estão de fora, tudo se lhes propõe em parábolas, 12para que ao olhar, olhem e não vejam, ao ouvir, oiçam e não compreendam, não vão eles converter-se e ser perdoados.»
13E acrescentou: «Não compreendeis esta parábola? Como compreendereis então todas as outras parábolas? 14O semeador semeia a palavra. 15Os que estão ao longo do caminho são aqueles em quem a palavra é semeada; e, mal a ouvem, chega Satanás e tira a palavra semeada neles. 16Do mesmo modo, os que recebem a semente em terreno pedregoso, são aqueles que, ao ouvirem a palavra, logo a recebem com alegria, 17mas não têm raiz em si próprios, são inconstantes e, quando surge a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, logo desfalecem. 18Outros há que recebem a semente entre espinhos; esses ouvem a palavra, 19mas os cuidados do mundo, a sedução das riquezas e as restantes ambições entram neles e sufocam a palavra, que fica infrutífera. 20Aqueles que recebem a semente em boa terra são os que ouvem a palavra, a recebem, dão fruto e produzem a trinta, a sessenta e a cem por um.»

O reino de Deus é proclamado pela palavra. Marcos, na secção que hoje abre, oferece-nos uma teologia da palavra do reino. Jesus começa a falar «em parábolas». Era o método usado pelos rabinos. As parábolas são «histórias» aparentemente simples, mas com um elemento-surpresa e uma conclusão inesperada que convidam a procurar um segundo significado, para além do imediato.
A parábola começa por estar orientada para o semeador, extremamente generoso na sementeira. Mas logo centra a nossa atenção na semente. Vem, depois, a tipologia dos terrenos que recebem a semente. Há um evidente exagero ao falar da «boa terra». A imagem da colheita sugere o fim dos tempos. A parábola, ao fim e ao cabo, diz-nos que o Messias está próximo e descreve a abundância de graça do Reino messiânico.
No diálogo com «os que o rodeavam», a semente é claramente identificada com a Palavra, e os terrenos correspondem às diferentes reacções suscitadas pela pregação dos apóstolos.


Meditatio

Quantas vezes concebemos, como David, grandes projectos de acção em favor de Deus e do seu Reino. Mas Deus baralha-nos quando nos faz perceber que é Ele que tem grandes projectos em nosso favor, e que, antes de manifestarmos o nosso amor, é Ele que quer manifestar o seu amor por nós: «não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho» (1 Jo 4, 10). A David, Deus disse pelo profeta: «És tu que me vais construir uma casa para Eu habitar? … Eu próprio edificarei uma casa para ti» (cf 1 Sam 7, 5.11).
Se pusermos a nossa generosidade à frente da generosidade de Deus, se pusermos o nosso amor antes do amor de Deus, invertemos a ordem das coisas e manifestarmos a pretensão de sermos os primeiros a amar. O primado do amor pertence a Deus, como ficamos a perceber se escutarmos e acolhermos a sua palavra, que, em primeiro lugar, uma promessa. Deus quer cumular-nos de dons. Iniciou uma relação e um diálogo connosco para nos encher de dons.
A fecundidade da palavra que Deus manda transmitir a David é extraordinária: produz verdadeiramente trinta, sessenta, cem por um. E a palavra que Deus dirige a cada um de nós? Somos terra boa? Que fazemos com a nossa vocação cristã e com a nossa vocação específica? Terra boa foi Maria, foram os apóstolos, foram os mártires e os santos. Terra boa foi o Pe. Dehon. Mas o fruto da palavra não depende apenas com o nosso esforço, das nossas obras, talvez grandiosas aos olhos dos homens. Tudo o que fazemos está nas mãos de Deus. Só Ele pode tornar estável a nossa «casa» e fecundo o nosso «terreno», muito para além dos nossos desejos e projectos. De facto, os projectos de Deus são bem mais maravilhosos, amplos e profundos do que podemos esperar. Basta-nos abrir-lhe o coração.
A primeira bem-aventurança que ecoa no Evangelho é dirigida a Maria: “Feliz d´Aquela que acreditou no cumprimento das palavras do Senhor...” (Lc 1, 45). É a bem-aventurança da fé, que acolhe a Palavra de Deus e adere a ela com toda a vida. É a bem-aventurança que o próprio Jesus, um dia, proclamará: “Felizes... aqueles que escutam a Palavra de Deus e a põe em prática!” (Lc 11, 28). A Palavra de Deus é, em primeiro lugar, um dom do seu amor ao qual havemos de corresponder com uma vida de amor a Deus: “Sede daqueles que põem em prática a palavra e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1, 22


Oratio

Senhor, ensina-me a submeter os meus projectos aos teus. Ensina-me a deixar-me amar por Ti, antes de pretender amar-te. Ensina-me a acolher a tua palavra, antes de querer falar-Te. Ela é um dom do teu amor, que deve encher a minha vida. Que, nos momentos difíceis, seja para mim um rochedo de salvação. Ensina-me que ela é sempre eficaz, mas não do modo que eu pretendo.
Dá-me um coração disponível e acolhedor. Lança generosamente em mim a tua palavra e torna-a fecunda pelo teu Espírito. Amen.


Contemplatio

O grande semeador é Deus, é Jesus. Deus semeou os seus benefícios desde a criação. Cristo semeia as suas graças e semeia-as quotidianamente desde a sua incarnação. E muitas destas graças e destes benefícios não encontraram nem gratidão nem fidelidade.
Mas reflectirei sobretudo nas graças que recebi pessoalmente: o baptismo, a primeira comunhão, a vocação, os retiros, as confissões, as comunhões, as leituras espirituais, os acontecimentos providenciais, a minha vocação especial de amigo do Sagrado Coração.
O divino semeador semeou sem descanso o bom grão no campo da minha alma, mas que é que daí resultou? – Há grãos que caem sobre os caminhos e as aves apoderam-se deles. É demasiadas vezes o que me acontece. A minha alma é um grande caminho pela dissipação, pela a curiosidade, pela ligeireza. O bom grão não consegue ter aí raiz. – Outros grãos caem sobre uma terra pedregosa ou cheia de espinhos. É ainda a minha alma, endurecida pela tibiez e ocupada pelos espinhos dos cuidados materiais e terrestres, estranhos à minha vocação. Estes grãos não produzirão nada de durável. – Há, finalmente, boas terras que produzem o cêntuplo. A minha alma deveria ser destas. Como hei-de fazer para a dispor? É-lhe necessário o labor profundo da penitência e do retiro, a guarda da modéstia e do recolhimento, a emenda da reparação e do sacrifício. Que farei?... Ó minha alma, dispõe-te a receber as sementeiras do bom grão, as sementeiras da graça fecunda do Sagrado Coração (Leão Dehon, OSP 3, p. 57s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Não fomos nós que amámos a Deus; foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho» (cf. 1 Jo 4, 10)».

| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

S. Timóteo e S. Tito, Bispos - 26.01.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
S. Timóteo nasceu em Listra. A sua mãe era hebreia e o seu pai era grego. Colaborou intimamente com S. Paulo na evangelização, mantendo por ele um afeto filial. O Apóstolo colocou-o à frente da Igreja de Éfeso.
S. Tito, que parece vir do paganismo, tornou-se um cristão de fé sólida e um evangelizador ativo e fervoroso. Na carta que lhe é dirigida, aparece-nos como responsável pela Igreja de Creta.


Lectio


Primeira leitura: 2 Timóteo 1, 1-8

Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, por desígnio de Deus, segundo a promessa de vida que há em Cristo Jesus, 2a Timóteo, meu filho querido: graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. 3Dou graças a Deus, a quem sirvo em consciência pura, como já o fizeram os meus antepassados, ao recordar-te constantemente nas minhas orações, noite e dia. 4Ao lembrar-me das tuas lágrimas, anseio ver-te, para completar a minha alegria, 5pois trago à memória a tua fé sem fingimento, que se encontrava já na tua avó Loide e na tua mãe Eunice e que, estou seguro, se encontra também em ti. 6Por isso recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, 7pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso. 8Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus.

A Segunda Carta a Timóteo é uma espécie de testamento espiritual do Apóstolo, na véspera do seu martírio. Trata-se de um escrito da escola paulina, de finais do século I. Entre expressões de afeto e de estima por Timóteo, Paulo afirma a sua condição de Apóstolo, vocação e missão a que foi chamado e às quais correspondeu generosamente. Paulo sublinha também a continuidade entre o seguimento de Jesus e a fidelidade à lei hebraica, que viveu e pregou. O mesmo sucede com Timóteo, filho de pai grego, mas iniciado ao cristianismo pela sua avó e pela sua mãe, ambas hebreias. O autor da carta acentua também o carisma de pastor de almas personificado em Timóteo, e transmitido pelo Apóstolo, através da imposição das mãos. Em todo o texto domina o testemunho dado a Cristo por Paulo nas diversas e difíceis provações por que passou, e que Timóteo deve continuar, com a graça de Deus.


Evangelho: Lucas 10, 1-9

Naquele tempo, designou o Senhor outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Disse-lhes:«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. 3Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho. 5Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. 8Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, 9curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: ‘O Reino de Deus já está próximo de vós.’

A obra de Jesus está internamente aberta e realiza-se através dos discípulos. Os Doze continuam a ser o fundamento de toda a missão da Igreja. Mas, juntamente com eles, e depois deles, Jesus escolheu muitos outros. A messe é grande e os trabalhadores acabam sempre por ser poucos. O nosso texto alude a setenta e dois, número de plenitude e sinal de todos os missionários posteriores que anunciam a mensagem do reino na nossa Igreja. Através desses discípulos, a missão de Jesus alcança todas as fronteiras da história, chegando à sua plenitude na grande meta da ceifa escatológica.


Meditatio

“Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti” (v. 6). Para nós, esse dom é a vocação cristã, primeiro anel de uma corrente de dons que Deus tem para nos dar. Podemos meditar nesse dom na perspetiva da fraternidade, sublinhando dois aspectos: a simplicidade fraterna e a fidelidade fraterna. Quanto à simplicidade fraterna, não havemos de nos julgar mais do que os outros, alimentar ambições, ser presumidos. Pelo contrário, há que fazer-nos pequenos com os outros, irmãos entre os irmãos: “Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo” (Mc 10, 43). A fraternidade cristã apoia-se numa igualdade fundamental: diante de Deus, todos somos iguais; diante dos outros, todos somos carenciados. Por isso, ninguém pode pretender ser mais do que os outros. O nosso modelo é Jesus, que se fez nosso irmão. Poderia fazer sentir o seu poder, a sua autoridade; mas preferiu estar no meio de nós como quem serve! “Pois, quem é maior: o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é o que está sentado à mesa? Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que serve.” (Lc 22, 27).
A fraternidade, a simplicidade fraterna manifestam-se também como afeto fraterno. Os sentimentos recíprocos entre Paulo e Timóteo manifestam essa igualdade de afeto solidário, e não meramente jurídica: “Ao lembrar-me das tuas lágrimas, anseio ver-te, para completar a minha alegria” (v. 4). Timóteo tinha chorado quando Paulo partiu. Paulo deseja estar com os irmãos que se amam. Por vezes chama a Timóteo “irmão”, mas aqui chama-o “filho querido”, porque o gerou para a graça de Cristo pela pregação e pelo Batismo.
A fraternidade inclui outro aspeto ainda mais realista e exigente: a fidelidade fraterna. Trata-se da solidariedade uns para com os outros, especialmente em momentos de crise e de sofrimento: “Vós sois os que permaneceram sempre junto de mim nas minhas provações,” (Lc 22, 28), diz Jesus aos seus discípulos. É isto que faz perdurar e crescer a fraternidade. Irmão é aquele que ajuda o seu irmão. Jesus fez-se nosso irmão para nos ajudar e ajudou, mesmo à custa de muito sofrimento. Ao fazer-se nosso irmão, também quis precisar da nossa ajuda e ser ajudado por nós. Por isso, congratula-se com os apóstolos que permaneceram junto d´Ele nas suas tribulações.
Paulo pede a Timóteo que ponha em prática, na solidariedade fraterna, essa fidelidade: “Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus.” (v. 8).
Havemos de sentir esta solidariedade, de modo particular, para com aqueles que têm maiores responsabilidades na Igreja. Se Jesus se fez nosso irmão, é porque quis ensinar-nos a viver esse espírito de fraternidade, sem o não é possível caminhar no amor.


Oratio

Senhor, bem sabes que a nossa solidariedade para com os irmãos, muitas vezes, dá lugar ao desejo de sermos os primeiros. Mesmo nas atividades pastorais, em vez de partilharmos com simplicidade e alegria as responsabilidades, muitas vezes queremos impor as nossas decisões e os nossos pontos de vista. Dá-nos um coração manso e humilde como o teu. Ajuda-nos a pôr no centro o teu Evangelho, e não as nossas convicções. Põe ordem e clareza nas motivações do nosso agir, para vencermos o nosso orgulho, mesmo quando mascarado de “boas intenções”. Dá-nos a alegria de nos reconhecermos pequenos. Sê a nossa única força, e nada nos meterá medo. Ámen.


Contemplatio

Ó Jesus, que nos dissestes para aprendermos do vosso coração a sermos mansos e humildes, tornai o nosso coração semelhante ao vosso! Como é manso e humilde o Menino divino de Belém e de Nazaré! É o seu carácter próprio, é o estilo da sua vida. Na sua vida pública, é manso e bom para com todos. Isaías tinha-o descrito (42, 1), e Jesus deleitava-se a reler este quadro na sinagoga: «Eis o meu Filho bem amado, que não gosta das querelas, dos gritos, do barulho das praças, não quebra a cana rachada e não extingue a mexa que ainda fumega…». Jeremias tinha-o apresentado como um cordeiro cheio de mansidão… S. João chama-o o Cordeiro que é sacrificado desde a origem do mundo. Quando entra em Jerusalém sobre a sua modesta montada, é o Rei de mansidão predito por Isaías e Zacarias (Mt 21). Na sua paixão, a sua mansidão traduz-se pelo seu silêncio e pela sua paciência. A mansidão, diz S. Paulo, é fruto do Espírito Santo, com as virtudes que se lhe assemelham: a paz, a benignidade, a bondade (Gal 5, 22). A caridade é mansa, benevolente, amável, S. Paulo repete a todas as Igrejas: aos Efésios, aos Gálatas, aos Coríntios. Recomenda a Timóteo para ser manso para com todos, paciente e modesto, como convém a um bom servidor de Deus (2Tim 2, 24). O homem manso será bem-aventurado, porque Deus o abençoará, mas também porque ganhará facilmente os corações e não terá inimigos. (L. Dehon, OSP 4, p. 36s.).

Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
“Reacende o dom de Deus que há em ti” (cf. 2 Tm 1, 6).
Fonte http://www.dehonianos.org/