sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

04º Domingo do Tempo Comum - Ano B - 01.02.2015


Ano B
4º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Lectio

Tema do 4º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 4º Domingo do Tempo Comum garante-nos que Deus não se conforma com os projetos de egoísmo e de morte que desfeiam o mundo e que escravizam os homens e afirma que Ele encontra formas de vir ao encontro dos seus filhos para lhes propor um projeto de liberdade e de vida plena.
A primeira leitura propõe-nos – a partir da figura de Moisés – uma reflexão sobre a experiência profética. O profeta é alguém que Deus escolhe, que Deus chama e que Deus envia para ser a sua “palavra” viva no meio dos homens. Através dos profetas, Deus vem ao encontro dos homens e apresenta-lhes, de forma bem perceptível, as suas propostas.
O Evangelho mostra como Jesus, o Filho de Deus, cumprindo o projeto libertador do Pai, pela sua Palavra e pela sua ação, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.
A segunda leitura convida os crentes a repensarem as suas prioridades e a não deixarem que as realidades transitórias sejam impeditivas de um verdadeiro compromisso com o serviço de Deus e dos irmãos.


LEITURA I – Deut 18,15-20

Leitura do Livro do Deuteronômio

Moisés falou ao povo, dizendo:
«O Senhor teu Deus fará surgir
no meio de ti, de entre os teus irmãos,
um profeta como eu; a ele deveis escutar.
Foi isto mesmo que pediste ao Senhor teu Deus
no Horeb, no dia da assembleia:
‘Não ouvirei jamais a voz do Senhor meu Deus,
nem verei este grande fogo, para não morrer’.
O Senhor disse-me:
‘Eles têm razão;
farei surgir para eles, do meio dos seus irmãos,
um profeta como tu.
Porei as minhas palavras na sua boca
e ele lhes dirá tudo o que Eu lhe ordenar.
Se alguém não escutar as minhas palavras
que esse profeta disser em meu nome,
Eu próprio lhe pedirei contas.
Mas se um profeta tiver a ousadia
de dizer em meu nome o que não lhe mandei,
ou de falar em nome de outros deuses,
tal profeta morrerá’».

AMBIENTE

O Livro do Deuteronômio é aquele “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão). A finalidade fundamental dos catequistas deuteronomistas é levar o Povo de Deus a um compromisso firme e exigente com a Lei de Deus, proclamada no Sinai. É um convite firme ao Povo de Deus no sentido de abraçar a Aliança com Jahwéh e de viver na fidelidade aos compromissos assumidos.
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-28,68). Trata-se de um texto que integra um conjunto legislativo sobre as estruturas de governo do Povo de Deus (cf. Dt 16,18-18,22). Em concreto, o nosso texto refere-se ao papel e ao significado do profetismo.
O fenômeno profético não é exclusivo de Israel, mas é um fenômeno relativamente conhecido entre os povos do Crescente Fértil. Entre os cananeus, os movimentos proféticos apareciam com relativa frequência, normalmente ligados à adivinhação, ao êxtase, a convulsões, a delírios (habitualmente provocados por instrumentos sonoros, gritos, danças, etc.). A multiplicidade de experiências proféticas obriga, exatamente, a pôr o problema do discernimento entre a verdadeira e a falsa profecia… O que é que caracteriza o verdadeiro profeta? Quando é que um profeta fala, realmente, em nome de Deus? Este problema devia pôr-se, particularmente, no Reino do Norte, na época de Acab (874-853 a.C.) e de Jezabel, quando os profetas de Baal dominavam. As tradições sobre o profeta Elias (cf. 1 Re 17-2 Re 13,21) traçam esse quadro de confronto diário entre a verdadeira e a falsa profecia.
O catequista deuteronomista refere-se, precisamente, a esta questão. Ele apresenta, aqui, o quadro do verdadeiro profeta, oferecendo assim ao seu povo os critérios para distinguir o verdadeiro do falso profeta.

MENSAGEM

Para os teólogos deuteronomistas, Moisés é o exemplo e o modelo do verdadeiro profeta. O que é que isso significa?
Significa, em primeiro lugar, que na origem e no centro da vocação de Moisés está Deus. Não foi Moisés que se candidatou à missão profética, por sua iniciativa; não foi Moisés que conquistou, pelas suas ações ou pelas suas qualidades, o “direito” a ser “profeta”. A iniciativa foi de Deus que, de forma gratuita, o escolheu, o chamou e o enviou em missão. Se Moisés foi designado para ser um sinal de Jahwéh, foi porque Deus assim o quis. A consagração do “profeta” resulta de uma ação gratuita de Deus que, de acordo com critérios muitas vezes ilógicos na perspectiva dos homens, escolhe aquela pessoa em concreto, com as suas qualidades e defeitos, para o enviar aos seus irmãos.
Em segundo lugar, Moisés disse sempre e testemunhou sempre as palavras que Deus lhe colocou na boca e que lhe ordenou que dissesse. A mensagem transmitida não era a mensagem de Moisés, mas a mensagem de Deus. O verdadeiro profeta não é aquele que transmite uma mensagem pessoal, ou que diz aquilo que os homens gostam de ouvir; o verdadeiro profeta é aquele que, com coragem e frontalidade, testemunha fielmente as propostas de Deus para os homens e para o mundo.
As palavras do profeta devem ser cuidadosamente escutadas e acolhidas, pois são palavras de Deus. O próprio Deus pedirá contas a quem fechar os ouvidos e o coração aos desafios que Deus, através do profeta, apresenta ao mundo.

ACTUALIZAÇÃO

A vocação profética é uma vocação que surge por iniciativa de Deus. Ninguém é profeta por escolha própria, mas porque Deus o chama. O profeta tem de ter consciência, antes de mais, que é Deus quem está por detrás da sua escolha e do seu envio. O profeta não pode assumir uma atitude de arrogância e de auto-suficiência, mas tem de se sentir um instrumento humilde através do qual Deus age no mundo.

Ao tomar consciência de que é apenas um instrumento através do qual Deus age no meio da comunidade humana, o profeta descobre a necessidade de levar muito a sério a missão que lhe foi confiada. O testemunho profético não é um passatempo ou um compromisso para as horas vagas; está fora de causa o cruzar os braços e deixar correr. Trata-se de um compromisso que deve ser assumido e vivido com fidelidade absoluta e total empenho.

Se o profeta é designado para tornar presente no meio dos homens o projeto de Deus, ele não pode utilizar a missão em benefício próprio; não deve ceder à tentação de se vender aos poderes do mundo e pactuar com eles, a fim de concretizar a sua sede de poder e de protagonismo, não pode “vender a alma ao diabo” para daí tirar algum benefício, não deve utilizar o seu ministério para se exibir, para ser admirado, para conseguir sucesso, para promover a sua imagem e obter os aplausos das multidões. A missão profética tem de estar sempre ao serviço de Deus, dos planos de Deus, da verdade de Deus, e não ao serviço de esquemas pessoais, interesseiros e egoístas.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 94 (95)

Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
não fecheis os vossos corações.

Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos a Deus, nosso Salvador.
Vamos à sua presença e demos graças,
ao som de cânticos aclamemos o Senhor.

Vinde, prostremo-nos em terra,
adoremos o Senhor que nos criou;
pois Ele é o nosso Deus
e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
«Não endureçais os vossos corações,
como em Meriba, como no dia de Massa no deserto,
onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
apesar de terem visto as minhas obras».


LEITURA II – 1 Cor 7, 32-35

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

Irmãos:
Não queria que andásseis preocupados.
Quem não e casado preocupa-se com as coisas do Senhor,
com o modo de agradar ao senhor.
Mas aquele que se casou preocupa-se com as coisas do mundo,
com a maneira de agradar à esposa,
e encontra-se dividido.
Da mesma forma, a mulher solteira e a virgem
preocupam-se com os interesses do Senhor,
para serem santas de corpo e espírito.
Mas a mulher casada preocupa-se com as coisas do mundo,
com a forma de agradar ao marido.
Digo isto no vosso próprio interessa
e não para vos armar uma cilada.
Tenho em vista o que mais convém
e vos pode unir ao Senhor sem desvios.

AMBIENTE

A comunidade cristã de Corinto é uma comunidade tipicamente grega, que mergulha as suas raízes numa cultura-ambiente marcada por grandes contradições. As diversas escolas filosóficas que existiam na cidade (e um pouco por todo o mundo grego) tinham perspectivas muito diversas sobre o sentido da vida e sobre a forma de chegar à felicidade e à realização plena. As propostas de caminho apresentadas por essas escolas eram, frequentemente, divergentes e mesmo opostas.
Um dos sectores onde se nota, particularmente, esse balançar entre caminhos opostos, é nas questões de ética sexual. Neste âmbito, a cultura coríntia oscilava entre dois extremos: por um lado, um grande laxismo (como era normal numa cidade marítima, onde chegavam marinheiros de todo o mundo e onde reinava Afrodite, a deusa grega do amor); por outro lado, um desprezo absoluto pela sexualidade (típico de certas tendências filosóficas influenciadas pela filosofia platônica, que consideravam a matéria um mal e que faziam do não casar um ideal absoluto).
O desejo de Paulo é o de apresentar um caminho equilibrado, face a estes exageros: condenação sem apelo de todas as formas de desordem sexual, defesa do valor do casamento, elogio do celibato (cf. 1 Cor 7).
Provavelmente, os coríntios tinham consultado Paulo acerca do melhor caminho a seguir – o do matrimônio ou o do celibato. Paulo responde à questão no capítulo 7 da Primeira Carta aos Coríntios (de onde é retirado o texto da nossa segunda leitura). Paulo considera que não tem, a este propósito, “nenhum preceito do Senhor”; no entanto, o seu parecer é que quem não está comprometido com o casamento deve continuar assim e quem está comprometido não deve “romper o vínculo” (1 Cor 7,25-28). Na perspectiva de Paulo, os cristãos não devem esquecer que “o tempo é breve”, quando tiverem que fazer as suas opções – nomeadamente, quando tiverem que fazer a sua escolha entre o casamento ou o celibato.

MENSAGEM

Paulo reconhece que, quem não é casado tem mais tempo e disponibilidade para se preocupar “com as coisas do Senhor” (vers. 32b) e para agradar ao Senhor. Quem é casado tem de atender às necessidades da família e de dividir a sua atenção por uma série de realidades ligadas à vida do dia a dia; quem não é casado pode responder aos desafios de Deus e gastar a sua vida ao serviço do projeto de Deus sem quaisquer condicionalismos ou limitações.
Paulo estará, aqui, a desvalorizar a vida conjugal e a sexualidade? Estará a dizer que o matrimônio é um caminho a evitar, ou é um caminho que afaste de Deus? De modo nenhum. Para Paulo, o casamento é uma realidade importante (ele considera que tanto o casamento como o celibato são dons de Deus – cf. 1 Cor 7,7); mas não deixa de ser uma realidade terrena e efémera, que não deve, por isso, ser absolutizada. Paulo nunca diz que o casamento seja uma realidade má ou um caminho a evitar; contudo, é evidente, nas suas palavras, uma certa predileção pelo celibato… Na sua perspectiva, o celibato leva vantagem enquanto caminho que aponta para as realidades eternas: anuncia a vida nova de ressuscitados que nos espera, ao mesmo tempo que facilita um serviço mais eficaz a Deus e aos irmãos.
Na verdade, as palavras de Paulo fazem sentido em todos os tempos e lugares; mas elas tornam-se mais lógicas se tivermos em conta o ambiente escatológico que se respirava nas primeiras comunidades. Para os crentes a quem a Primeira Carta aos Coríntios se destinava, a segunda e definitiva vinda de Jesus estava iminente; era preciso, portanto, preocupar-se com as coisas de Deus e relativizar as realidades transitórias e efémeras, entre as quais se contava o casamento.

ACTUALIZAÇÃO

Por detrás das afirmações que Paulo faz no texto que nos é proposto como segunda leitura, está a convicção de que as realidades terrenas são passageiras e efémeras e não devem, em nenhum caso, ser absolutizadas. Não se trata de propor uma evasão do mundo e uma espiritualidade descarnada, insensível, alheia ao amor, à partilha, à ternura; mas trata-se de avisar que as realidades desta terra não podem ser o objectivo final e único da vida do homem. Esta reflexão convida-nos a repensarmos as nossas prioridades, e a não ancorarmos a nossa vida em realidades transitórias.

A virgindade consagrada, por amor do Reino, nem sempre é um valor compreendido, à luz dos valores da nossa sociedade. Paulo, contudo, sublinha o valor da virgindade como valor autêntico, pois anuncia o mundo novo que há-de vir e disponibiliza para o serviço de Deus e dos irmãos. É sinal de desprendimento, de doação, de disponibilidade e deve ser positivamente valorizada. Aqueles que são chamados a viver dessa forma não são gente estéril e infeliz, alheia às coisas bonitas da vida, mas são pessoas generosas, que renunciaram a um bem (o matrimônio) em vista da sua entrega a Deus e aos outros.


ALELUIA – Mt 4,16

Aleluia. Aleluia.

O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles que habitavam na sombria região da morte
uma luz se levantou.


EVANGELHO – Mc 1, 21-28

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Jesus chegou a Cafarnaum
e quando, no sábado seguinte, entrou na sinagoga
e começou a ensinar,
todos se maravilhavam com a sua doutrina,
porque os ensinava com autoridade
e não como os escribas.
Encontrava-se na sinagoga um homem com um espírito impuro,
que começou a gritar:
«Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno?
Vieste para nos perder?
Sei quem Tu és: o Santo de Deus».
Jesus repreendeu-o, dizendo:
«Cala-te e sai desse homem».
O espírito impuro, agitando-o violentamente,
soltou um forte grito e saiu dele.
Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros:
«Que vem a ser isto?
Uma nova doutrina, com tal autoridade,
que até manda nos espíritos impuros e eles obedecem-Lhe!»
E logo a fama de Jesus se divulgou por toda a parte,
em toda a região da Galileia.

AMBIENTE

A primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30) tem como objectivo fundamental levar à descoberta de Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação/libertação. Este percurso de descoberta do Messias que o catequista Marcos nos propõe termina em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe (que é, evidentemente, a confissão que se espera de cada crente, depois de ter acompanhado o percurso de Jesus a par e passo): “Tu és o Messias”.
O texto que nos é hoje proposto aparece, exatamente, no princípio desta caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Rodeado já pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-Se como o Messias-libertador, que está no meio dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.
A cena situa-nos em Cafarnaum (em hebraico Kfar Nahum, a “aldeia de Naum”), a cidade situada na costa noroeste do Lago Kineret (o Mar da Galileia). De acordo com os Evangelhos Sinópticos, é aí que Jesus se vai instalar durante o tempo do seu ministério na Galileia. Vários dos discípulos – Simão e seu irmão André, Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.

MENSAGEM

É um sábado. A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia sinagogal. Jesus, recém-chegado à cidade, entra na sinagoga – como qualquer bom judeu – para participar na liturgia sabática. A celebração comunitária começava, normalmente, com a “profissão de fé” (cf. Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras (uma da Torah e outra dos Profetas); depois, vinha o comentário às leituras e as bênçãos. É provável que Jesus tivesse sido convidado, nesse dia, para comentar as leituras feitas. Fê-lo de uma forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir aos “escribas” (os estudiosos das Escrituras). As pessoas ficaram maravilhadas com as palavras de Jesus, “porque ensinava com autoridade e não como os escribas” (vers. 22). A referência à autoridade das palavras de Jesus pretende sugerir que Ele vem de Deus e traz uma proposta que tem a marca de Deus.
A “autoridade” que se revela nas palavras de Jesus manifesta-se, também, em ações concretas (como se a “autoridade” das palavras tivesse de ser caucionada pela própria ação). Na sequência das palavras ditas por Jesus e que transmitem aos ouvintes um sinal inegável da presença de Deus, aparece em cena “um homem com um espírito impuro”. Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram provocadas por “espíritos maus” que se apropriavam dos homens e os tornavam prisioneiros. As pessoas afetadas por esses males deixavam de cumprir a Lei (as normas corretas de convivência social e religiosa) e ficavam numa situação de “impureza” – isto é, afastadas de Deus e da comunidade. Na perspectiva dos contemporâneos de Jesus, esses “espíritos maus” que afastavam os homens da órbita de Deus tinham um poder absoluto, que os homens não podiam, com as suas frágeis forças, ultrapassar. Acreditava-se que só Deus, com o seu poder e autoridade absolutos, era capaz de vencer os “espíritos maus” e devolver aos homens a vida e a liberdade perdidas.
Numa encenação com um singular poder evocador, Marcos põe o “espírito mau” que domina “um homem” presente na sinagoga, a interpelar violentamente Jesus. Sugere-se, dessa forma, que diante da proposta libertadora que Jesus veio apresentar, em nome de Deus, os “espíritos maus” responsáveis pelas cadeias que oprimem os homens ficam inquietos, pois sentem que o seu poder sobre a humanidade chegou ao fim. A ação da cura do homem “com um espírito impuro” constitui “a prova provada” de que Jesus traz uma proposta de libertação que vem de Deus; pela ação de Jesus, Deus vem ao encontro do homem para o salvar de tudo aquilo que o impede de ter vida em plenitude.
Para Marcos, este primeiro episódio é uma espécie de apresentação de um programa de ação: Jesus veio ao encontro dos homens para os libertar de tudo aquilo que os faz prisioneiros e lhes rouba a vida. A libertação que Deus quer oferecer à humanidade está a acontecer. O “Reino de Deus” instalou-se no mundo. Jesus, cumprindo o projeto libertador de Deus, pela sua Palavra e pela sua ação, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.

ACTUALIZAÇÃO

O “homem com um espírito impuro” representa todos os homens e mulheres, de todas as épocas, cujas vidas são controladas por esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de medo, de exploração, de exclusão, de injustiça, de ódio, de violência, de pecado. É essa humanidade prisioneira de uma cultura de morte, que percorre um caminho à margem de Deus e das suas propostas, que aposta em valores efémeros e escravizantes ou que procura a vida em propostas falíveis ou efémeras. O Evangelho de hoje garante-nos, porém, que Deus não desistiu da humanidade, que Ele não Se conforma com o facto de os homens trilharem caminhos de escravidão, e que insiste em oferecer a todos a vida plena.

Para Marcos, a proposta de Deus torna-se realidade viva e atuante em Jesus. Ele é o Messias libertador que, com a sua vida, com a sua palavra, com os seus gestos, com as suas ações, vem propor aos homens um projeto de liberdade e de vida. Ao egoísmo, Ele contrapõe a doação e a partilha; ao orgulho e à auto-suficiência, Ele contrapõe o serviço simples e humilde a Deus e aos irmãos; à exclusão, Ele propõe a tolerância e a misericórdia; à injustiça, ao ódio, à violência, Ele contrapõe o amor sem limites; ao medo, Ele contrapõe a liberdade; à morte, Ele contrapõe a vida. O projeto de Deus, apresentado e oferecido aos homens nas palavras e ações de Jesus, é verdadeiramente um projeto transformador, capaz de renovar o mundo e de construir, desde já, uma nova terra de felicidade e de paz. É essa a Boa Nova que deve chegar a todos os homens e mulheres da terra.

Os discípulos de Jesus são as testemunhas da sua proposta libertadora. Eles têm de continuar a missão de Jesus e de assumir a mesma luta de Jesus contra os “demônios” que roubam a vida e a liberdade do homem, que introduzem no mundo dinâmicas criadoras de sofrimento e de morte. Ser discípulo de Jesus é percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu e lutar, se necessário até ao dom total da vida, por um mundo mais humano, mais livre, mais solidário, mais justo, mais fraterno. Os seguidores de Jesus não podem ficar de braços cruzados, a olhar para o céu, enquanto o mundo é construído e dirigido por aqueles que propõem uma lógica de egoísmo e de morte; mas têm a grave responsabilidade de lutar, objetivamente, contra tudo aquilo que rouba a vida e a liberdade ao homem.

O texto refere o incômodo do “homem com um espírito impuro”, diante da presença libertadora de Jesus. O pormenor faz-nos pensar nas reações agressivas e intolerantes – por parte daqueles que pretendem perpetuar situações de injustiça e de escravidão – diante do testemunho e do anúncio dos valores do Evangelho. Apesar da incompreensão e da intolerância de que são, por vezes, vítimas, os discípulos de Jesus não devem deixar-se encerrar nas sacristias, mas devem assumir corajosamente e de forma bem visível o seu empenho na transformação das realidades políticas, econômicas, sociais, laborais, familiares.

A luta contra os “demônios” que desfeiam o mundo e que escravizam os homens nossos irmãos é sempre um processo doloroso, que gera conflitos, divisões, sofrimento; mas é, também, uma aventura que vale a pena ser vivida e uma luta que vale a pena travar. Embarcar nessa aventura é tornar-se cúmplice de Deus na construção de um mundo de homens livres.


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM

1. A liturgia meditada ao longo da semana.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

2. PALAVRA DE VIDA.
Os ouvintes de Jesus estavam habituados a receber ensinamentos. A diferença que fazem entre o ensino de Jesus e o dos escribas e fariseus é que Jesus ensina como homem que tem autoridade. Eles sentem que a sua palavra não é dita de cor, mas pronunciada do coração para atingir o coração. Será necessário tempo para que eles descubram que esta palavra vem do coração de Deus. O espírito mau sabe quem é Jesus – o Santo de Deus – e reconhece a sua autoridade: Jesus veio para vencer as forças do Mal. Compreendemos a admiração da multidão, que já não tem mais medo porque, no seu meio, ergue-se o Salvador que fala e age. Tal é a sua verdadeira autoridade: Ele vem fazer uma nova criação: como na manhã do mundo, Ele diz e tudo é criado. Compreendemos então que o seu nome se espalhe em toda a Galileia. E se nós espalhássemos o seu nome? Com efeito, ainda hoje Ele diz e Ele age.

3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Que fazemos da Palavra? Por duas vezes, Marcos chama a nossa atenção para o ensino de Jesus, feito “com autoridade”. As multidões são atingidas: esta palavra é verdadeiramente diferente das dos escribas. Estes últimos eram, na realidade, repetidores que apenas rediziam a Lei, triturando-a de mil maneiras, disputando sobre o sentido de cada palavra, acabando por diluir a Palavra de Deus nas suas argúcias. Jesus anuncia uma palavra nova, uma palavra de “autoridade”. Trata-se de uma palavra que faz crescer, que está ao serviço do crescimento do ser e da vida. É o sentido da ordem de Jesus ao espírito mau: “Silêncio! Sai deste homem!” Jesus veio para que os homens “tenham a vida e a tenham em abundância”. A sua autoridade é unicamente um poder de vida e não de morte. Os escribas acabavam por esterilizar a Lei. Jesus liberta-a de toda a carcaça para fazer dela uma Palavra criadora de vida. E nós, em Igreja, que fazemos desta Palavra? Muitas vezes, transformamos as palavras do Evangelho em tantos preceitos morais, jurídicos, que enfermam as consciências culpabilizando-as, em lugar de fazermos apelos ao Espírito de liberdade que nos quer colocar de pé, fazer de nós seres vivos.

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Encontros com o Senhor… Os nossos dias, a nossa semana, podem ser pontuadas com encontros, mesmo curtos, com o Senhor: momentos de oração (sozinhos, em casal, em família, em comunidade), celebrações na paróquia, momentos de meditação da Palavra de Deus; e gestos e encontros para servir os mais pequenos. Agradar ao Senhor, colocando o nosso quotidiano sob o seu olhar: fazer o ponto da situação, em cada noite, com Ele.


UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
Proposta para
Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
scj.lu@netcabo.pt – www.ecclesia.pt/dehonianos

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Sábado - 31.01.2015


 Lectio

Primeira leitura: Hebreus 11, 1-2.8-19

1Irmãos: a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem. 2Foi por ela que os antigos foram aprovados. 8Pela fé, Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu para um lugar que havia de receber como herança e partiu sem saber para onde ia. 9Pela fé, estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida, habitando em tendas, tal como Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa, 10pois esperava a cidade bem alicerçada, cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus. 11Pela fé, também Sara, apesar da sua avançada idade, recebeu a possibilidade de conceber, porque considerou fiel aquele que lho tinha prometido. 12Por isso, de um só homem, e já marcado pela morte, nasceu uma multidão tão numerosa como as estrelas do céu e incontável como a areia da beira-mar. 13Foi na fé que todos eles morreram, sem terem obtido os bens prometidos, mas tendo-os somente visto e saudado de longe, confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. 14Ora, os que assim falam mostram que procuram uma pátria. 15Se eles tivessem pensado naquela que tinham deixado, teriam tido oportunidade de lá voltar; 16mas agora eles aspiram a uma pátria melhor, isto é, à pátria celeste. Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o «seu Deus», porque preparou para eles uma cidade. 17Pela fé, Abraão, quando foi posto à prova, ofereceu Isaac, e estava preparado para oferecer o seu único filho, ele que tinha recebido as promessas e 18a quem tinha sido dito: Por meio de Isaac será assegurada a tua descendência. 19De facto, ele pensava que Deus tem até poder para ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, recuperou o seu filho.

Exposta a doutrina, o autor da Carta aos Hebreus, começa um capítulo todo dedicado à fé. À maneira sapiencial, apresenta uma galeria dos campeões da fé que viveram no Antigo Testamento, apresentando-os aos seus leitores cristãos como incentivo para que sigam os seus passos e perseverem na vivência da fé. Antes de fazer desfilar a série de homens e mulheres exemplares pela sua fé, o autor sintetiza todo o seu ensinamento e dá-nos uma chave de leitura logo no primeiro versículo: «a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem».
Abraão é o crente por excelência. No começo da sua caminhada, a fé foi-lhe necessária para obedecer à chamada de Deus e deixar a sua terra rumo a outra longínqua e desconhecida. A fé e a esperança acompanharam-no ao longo da vida errante e precária pelo deserto. Animado pela esperança, Abraão enfrentava decididamente o cansaço de uma vida nômada, esperando com absoluta certeza a Jerusalém celeste. A sua fé revelou-se maximamente no sacrifício de Isaac, o filho da promessa. Deus parecia contradizer-se e retirar ao patriarca aquele que era seu dom e garantia dos bens futuros prometidos. A fé de Abraão leva-o a oferecer a Deus o sacrifício de uma obediência heroica, que a «noite escura» da fé não enfraquece. Por isso Deus o recompensa, restituindo-lhe o filho, que estava disposto a sacrificar, e fazendo dele profecia da futura economia da salvação.


Evangelho: Mc 4, 35-41

Naquele dia, 35ao entardecer, disse Jesus aos discípulos: «Passemos para a outra margem.» 36Afastando-se da multidão, levaram-no consigo, no barco onde estava; e havia outras embarcações com Ele. 37Desencadeou-se, então, um grande turbilhão de vento, e as ondas arrojavam-se contra o barco, de forma que este já estava quase cheio de água. 38Jesus, à popa, dormia sobre uma almofada. 39Acordaram-no e disseram-lhe: «Mestre, não te importas que pereçamos?» Ele, despertando, falou imperiosamente ao vento e disse ao mar: «Cala-te, acalma-te!» O vento serenou e fez-se grande calma. 40Depois disse-lhes: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» 41E sentiram um grande temor e diziam uns aos outros: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?»

À proclamação do Reino de Deus, em parábolas, segue a apresentação dos benefícios dessa proclamação. É o que faz Marcos na nova secção do seu evangelho, onde apresenta quatro milagres, a começar pela tempestade acalmada (vv. 37ss.). A Boa Nova da Salvação atinge o homem todo, toda a sua existência: Jesus salva e cura os homens das mais diversas ameaças que estão a ponto de «alienar» a sua vida. É interessante notar o contraste entre a serenidade de Jesus, que dorme, e a ansiedade dos discípulos, que lutam bravamente contra as ondas e o vento. Parecem inverter-se os papéis: Jesus confia nos marinheiros e estes, angustiados, não revelam confiança em Jesus: «não te importas que pereçamos?» (v. 38). Quando Jesus finalmente intervém, calam-se o vento e o mar, e calam-se os aterrorizados marinheiros. Nem respondem às perguntas de Jesus: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?». O medo dos discípulos indica falta de fé. A intervenção de Jesus transforma-lhes o medo em temor de Deus. O poder manifestado por Jesus fê-los intuir a presença de Deus junto deles. E começam a dar-se conta da verdadeira identidade do seu Mestre.


Meditatio

O autor da Carta aos Hebreus leva-nos, hoje, a refletir sobre o grande dom da fé: «Pela fé, Abraão… obedeceu e partiu… estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida… Pela fé, também Sara recebeu a possibilidade de conceber…». E o refrão «pela fé» vai sendo repetido para falar de Abel, de Enoc, de Isaac… O nosso texto limita-se a referir Abraão que, pela fé, partiu sem saber para onde ia, permaneceu como estrangeiro na Terra Prometida e que, posto à prova, se dispôs a oferecer o seu filho único, mas o recuperou «numa espécie de prefiguração» (v. 19). Refere também o exemplo de Sara, que se tornou mãe quando a idade já não o permitia, «porque considerou fiel aquele que lho tinha prometido» (v. 11).
Saber confiar em Alguém é o caminho para a liberdade. Em muitos casos, não se trata de deixar geograficamente a pátria, a família; trata-se de uma outra «saída» muito mais radical, que está no fundamento de todas as outras: a saída de si mesmo. Esta saída pode significar simplesmente retomar cada manhã os mesmos trabalhos domésticos, de percorrer o habitual caminho que leva ao serviço, ou de permanecer imóvel no leito de dor, oferecendo cada momento ao Senhor para que dele disponha como julgar melhor.
Abraão partiu comprometendo toda a sua vida e tornou-se «pai dos crentes». Todo o «sim» generoso dito a Deus é fonte de bem para muitos. Toda a resistência ou recusa a Deus atrasa o caminho de todos para a realização da história. Abraão é louvado pela sua fé, ainda que apenas visse à distância. No evangelho, os apóstolos são repreendidos pela sua falta de fé, apesar de Jesus estar próximo deles. Um incrível paradoxo que nos há-de levar a refletir. A fé não precisa de especiais condições. Quem sabe olhar as profundidades do coração acaba por descobrir que a Terra Prometida está aí e que se pode alcançá-la pela ato de obediência e de entrega que o Espírito vai sugerindo a cada instante.
«Feliz de ti que acreditaste» (Lc 1, 45), dizia Isabel a Maria. Maria acreditou numa situação de profunda obscuridade, no momento da anunciação; mas acreditou também noutro momento de maior obscuridade ainda: a morte do seu Filho, no Calvário. Na sua noite escura da fé, sentimos a Virgem muito próxima de nós, em comunhão com as nossas dolorosas experiências espirituais, como uma mãe que participa, em tudo, da vida dos filhos.


Oratio

Salve, Senhor, nosso Rei, humilde e obediente ao Pai. Como manso cordeiro, foste levado à morte na cruz. Hoje, queremos unir-nos a Ti e contigo abandonar-nos à vontade do Pai, pronunciando com decisão e alegria o nosso «Eis-me aqui!». Concede-nos a graça de sermos dóceis e obedientes à tua palavra, de partirmos com generosidade e entusiasmo para as aventuras em que nos queres envolver, de suportarmos os nossos sofrimentos com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, a exemplo da tua e nossa Mãe, como eminente e misteriosa comunhão com os teus sofrimentos e a tua morte para redenção do mundo. Amen.


Contemplatio

Enquanto permanecestes com o vosso divino Filho, ó Rainha dos Anjos, o vosso Coração sagrado esteve à espera das dores que vos tinham sido anunciadas pelo velho Simeão: dores sem igual, porque a grandeza do vosso amor era a sua medida. A hora da Paixão chega: Jesus despede-se de vós para ir sofrer, e faz-vos compreender que, para cumprir a vontade de seu Pai, deveis acompanhá-lo ao pé da cruz, e que o vosso coração tão terno lá será trespassado pela espada da dor. S. João vem advertir-vos que o Cordeiro divino vai ser conduzido à imolação. Saís imediatamente da vossa morada, banhando com as vossas lágrimas as ruas de Jerusalém; encontrais o vosso Filho no meio de uma tropa furiosa de carrascos e de tigres, que rugem e blasfemam, pedindo a grandes gritos que o crucifiquem… Ele caminha carregado com o madeiro da cruz; vós o seguis, toda banhada com as vossas lágrimas e com o coração mergulhado numa dor imensa. Ele chega finalmente ao Gólgota. Com golpes de martelo enterram nos seus pés e nas suas mãos cravos que perfuram o vosso coração materno. Logo o elevam da terra no meio de blasfêmias. Ó meu Deus! Todo o vosso sangue gela nas vossas veias. Durante três horas permaneceis ao pé da cruz de Jesus, cravada pelo amor e pela dor a esta árvore sagrada, até /262 que enfim Ele expira no meio dos mais horríveis tormentos… Depositam-no sem vida nos vossos braços. A terra nunca viu semelhante dor. (Leão Dehon, OSP 3, 676s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«A fé é garantia das coisas que se esperam» (Heb 11, 1).


Fonte http://www.dehonianos.org/

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Sexta-feira - 30.01.2015


Lectio

Primeira leitura: Hebreus 10, 32-39

Irmãos, 32Recordai os primeiros dias nos quais, depois de terdes sido iluminados, 33suportastes a grande luta dos sofrimentos, tanto sendo expostos publicamente a insultos e tribulações, como sendo solidários com os que assim eram tratados. 34Tomastes parte nos sofrimentos dos encarcerados, aceitastes com alegria a confiscação dos vossos bens, sabendo que possuís bens melhores e mais duradouros. 35Não percais, pois, a vossa confiança, à qual está reservada uma grande recompensa. 36Na realidade, tendes necessidade de perseverança, para que, tendo cumprido a vontade de Deus, alcanceis a promessa. 37Pois ainda um pouco, de facto, um pouco apenas, e o que há-de vir, virá e não tardará. 38O meu justo viverá pela fé, mas, se ele voltar atrás, a minha alma não encontrará nele satisfação. 39Nós, porém, não somos daqueles que voltam atrás para a perdição, mas homens de fé para a salvação da nossa alma.

Consciente do delicado momento por que passa a comunidade judeu-cristã a que se dirige, o autor da Carta aos Hebreus, revelando profundo conhecimento do coração humano e grande capacidade de discernimento na orientação espiritual das almas, oferece-nos uma página cheia de sabedoria pastoral. Serpeia na comunidade a ameaça da tibieza que muitas vezes degenera em apostasia aberta ou em vida pecaminosa contrária à fé. Embora denuncie o perigo, o nosso autor não condena abertamente nem repreende com dureza. Prefere usar a exortação. Lembra que o passado de uma fé inquebrantável deve servir de estímulo para o presente. «Recordai os primeiros dias nos quais, depois de terdes sido iluminados, suportastes a grande luta dos sofrimentos» (v. 32-33). Entrevemos uma comunidade que deu provas de grande fortaleza e caridade, uma comunidade capaz de enfrentar as perseguições e as mais graves humilhações sem recuar. Até foi solidária com quem estava em provações! Era, pois, uma comunidade plenamente cristã, animada de verdadeiro amor fraterno, porque a sua fé estava apoiada pela certeza dos bens futuros. No actual momento de crise, há que reavivar essa fé, alimentando-a na palavra de Deus.


Evangelho: Mc 4, 26-34

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 26Dizia ainda: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. 27Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como. 28A terra produz por si, primeiro o caule, depois a espiga e, finalmente, o trigo perfeito na espiga. 29E, quando o fruto amadurece, logo ele lhe mete a foice, porque chegou o tempo da ceifa.» 30Dizia também: «Com que havemos de comparar o Reino de Deus? Ou com qual parábola o representaremos? 31É como um grão de mostarda que, ao ser deitado à terra, é a mais pequena de todas as sementes que existem; 32mas, uma vez semeado, cresce, transforma-se na maior de todas as plantas do horto e estende tanto os ramos, que as aves do céu se podem abrigar à sua sombra.» 33Com muitas parábolas como estas, pregava-lhes a Palavra, conforme eram capazes de compreender. 34Não lhes falava senão em parábolas; mas explicava tudo aos discípulos, em particular.

As duas parábolas, que Marcos põe na boca de Jesus, ilustram dois aspectos da inevitável tensão dialéctica do reino de Deus na história.
A parábola da semente, que cresce sem a intervenção do agricultor, diz-nos que o Reino é uma iniciativa de Deus, que deve permanecer sempre acima de toda a tentativa humana para guiar o curso do seu crescimento e maturação. É claro que Deus conta com a colaboração humana: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra» (v. 26). Para sublinhar a ação de Deus, a parábola esquece diversos trabalhos necessários, à sementeira, à limpeza, à rega, etc. Mas alude ao ato de semear. É essa a tarefa dos discípulos que, depois, devem aguardar, com paciência, que a Palavra atue pela força que tem em si mesma e dê fruto no tempo e no modo que Deus quiser.
A segunda parábola apresenta o reino como um grão de mostarda, que dá origem a um grande arbusto. Também aqui encontramos uma importante mensagem de confiança para a comunidade primitiva e para nós. Não havemos de preocupar-nos por sermos poucos e pequenos: a Palavra de Deus dará frutos incomensuráveis, não por nosso mérito, mas pela graça.
Os vv. 33 e 34 retomam o tema das parábolas para o grande público e das explicações privadas aos discípulos.


Meditatio

Podemos imaginar a alegria dos primeiros judeu-cristãos quando, iluminados pela graça, reconheceram em Jesus o Messias, o Esperado de todos os povos, o Salvador prometido. Essa descoberta surpreendente levou-os a entrar jubilosamente e a percorrer com entusiasmo e fervor o «caminho novo e vivo» que Deus lhes oferece em Jesus. Mas rapidamente se deram conta de que esse caminho é longo e duro e, à exaltação inicial, seguiu o cansaço e o desânimo. Era a hora da provação em que era preciso resistir com paciência. O autor da Carta aos Hebreus exorta os seus interlocutores à perseverança. Ainda que a paisagem se apresente desolada, cada passo aproxima-nos da meta. Na vida de cada um de nós há momentos em que precisamos de nos agarrar com todas as forças à esperança. Essa virtude é como que o bordão do peregrino a caminho do reino dos céus.
No evangelho, o Senhor ensina-nos a fé e a humildade, mas também a esperança. O crescimento espiritual não depende de nós, mas da Palavra de Deus semeada em nós. Só ela pode salvar a nossa vida. É bom desejar crescer e caminhar espiritualmente. É bom fazer por isso. Mas não basta a nossa boa vontade, não chegam os nossos esforços. O agricultor que lança a semente à terra, e procura rodeá-la das condições adequadas, não pode pretender fazê-la germinar e crescer. Esse poder não está nas suas mãos, mas nas de Deus.
O Senhor ensina-nos o abandono confiante a Deus na esperança. Como a terra acolhe a semente, assim devemos acolher a Palavra. E ela crescerá sem sabermos como. O abandono confiante a Deus e a esperança tornam suportável o tempo que vai da sementeira à colheita. Essa esperança baseia-se na experiência dos peregrinos de Emaús, na certeza de que Aquele que nos chama para a meta é também nosso silencioso companheiro de viagem. Quanto mais o caminho é difícil, mais Ele se faz presente.
Há pois que evitar a pressa de ver resultados, também no nosso itinerário espiritual. S. Francisco de Sales era severo com aqueles que se deixavam tomar por ela. Trabalhava muito mas ensinava que é preciso fazer tudo pacientemente: agir pacientemente, rezar pacientemente, sofrer pacientemente, lutar pacientemente. Se nos apoiarmos no Senhor verificaremos que Ele faz crescer em tudo, muitas vezes mais lentamente do que desejamos, mas outras vezes de modo mais belo e mais rápido do que esperamos. Não temos o metro para medir o crescimento, nem sequer o nosso. Por isso, precisamos de fé, de confiança, de paciência: o poder de fazer crescer pertence somente a Deus.
A vida de oblação que corresponde ao voto de vítima tão caro ao Pe. Dehon e aos nossos primeiros religiosos, passa pela aceitação das cruzes e canseiras de cada dia, no nosso itinerário espiritual, e também pela irradiação dos frutos do Espírito: a caridade, com os sinais da alegria e da paz; a paciência, a bondade e a benevolência; com as condições para viver os frutos do Espírito: a mansidão e a humildade do coração, o apego a Cristo, o deixar-se guiar nos pensamentos, desejos, projetos, afetos, palavras e ações, não pelo nosso eu, muitas vezes egoísta e apressado, mas pelo Espírito de Deus, que tudo cria e faz crescer ao ritmo que bem Lhe apraz. Vivendo assim, manifestamos aquele estilo de vida, aqueles comportamentos que caracterizaram o Pe. Dehon, por todos conhecido como o «Très bon Père», confiadamente abandonado e paciente em todas as circunstâncias da sua vida e do seu apostolado.


Oratio

Senhor, Tu és a nossa única esperança. Escondido na nossa fragilidade humana, experimentaste a perseguição, a solidão e a pobreza. Por nosso amor, aceitaste voluntariamente a morte, fizeste-Te nosso pão da vida, sustento do nosso caminho. Conheces o nosso coração e o nosso cansaço no esforço por conservar a fé e a esperança. Perdoa-nos se deixamos arrefecer o ardor e o entusiasmo do nosso primeiro amor, dos nossos primeiros passos no caminho para Ti. Faz-nos recordar o amor e o encanto com que optamos por Ti e Te seguimos na nossa juventude. Está connosco na tribulação e dá-nos o teu Espírito Santo para Te sermos fiéis até à morte. Amem.


Contemplatio

Nosso Senhor dá-nos o exemplo. Aceita as perseguições, as zombarias, as calúnias, para nos consolar nas nossas provações, para nos encorajar e para nos ensinar também que a paciência tem diante de Deus um grande valor. «A paciência, diz S. Paulo, é a provação, mas a provação prepara a esperança» (Rm 5,4). Nosso Senhor quis ser julgado e condenado e sucumbir vítima da justiça humana, para nos ensinar o desprezo das acusações falsas, das zombarias, dos juízos falsos e temerários. São tantas provas que se tornam também esperanças e fontes de graças, se as suportarmos em espírito de fé. O «seja crucificado» de Jesus, é a minha salvação, obtida pela sua paciência, pelos seus sofrimentos, pelas suas expiações, pelo amor do seu Coração. O seja crucificado da minha má natureza, é ainda a salvação obtida pelo sacrifício, pela mortificação, pela paciência. Obrigado a Nosso Senhor, pela sua adorável paciência, que é para mim a salvação e o exemplo a seguir. (Leão Dehon, OSP 3, p. 347s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Não percais a vossa confiança» (Heb 10, 35).


Fonte http://www.dehonianos.org/

Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Quinta-feira - 29.01.2015


Lectio

Primeira leitura: Hebreus 10, 19-25

Irmãos, 19temos plena liberdade para a entrada no santuário por meio do sangue de Jesus. 20Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade 21e, tendo um Sumo Sacerdote à frente da casa de Deus, 22aproximemo-nos dele com um coração sincero, com a plena segurança da fé, com os corações purificados da má consciência e o corpo lavado com água pura. 23Conservemos firmemente a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel. 24Estejamos atentos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, 25sem abandonarmos a nossa assembleia - como é costume de alguns - mas animando-nos, tanto mais quanto mais próximo vedes o Dia.

O autor da Carta aos Hebreus fez, até aqui, uma exposição exaustiva dogmático-teológica sobre o sacerdócio de Cristo. Nesta secção, expõe a reação do homem diante da obra de Cristo, e tira consequências práticas dos princípios doutrinais afirmados. Começa por chamar «irmãos» aos seus interlocutores. Agora podem compreender melhor o significado cristão desse nome. Podem ser chamados «irmãos» porque todos foram redimidos pelo sangue de Cristo, podem entrar em comunhão vital com Ele e uns com os outros. O acesso a Deus foi viabilizado pelo sangue de Cristo, pela sua obra em nosso benefício. Temos um caminho novo e vivo para Deus, aberto através do véu da carne de Alguém que é sacerdote, que é caminho. A própria pessoa de Jesus é o caminho que havemos de percorrer pela conversão, pela conformação com Ele. Por isso, devemos aproximar-nos d´Ele com as devidas disposições interiores, tais como a pureza do corpo e do espírito conferida pelo batismo, mas também com «fé» e «esperança». Nas tribulações de vida, o cristão deve dar testemunho de que está apoiado, sem hesitações, num Deus cujo nome é «fiel e verdadeiro» (Ap 3, 14). Mas tudo isto não há-de ser vivido como busca de perfeição individual. Por isso, há-de ser vivida no exercício da caridade: é preciso ser uns pelos outros no exemplo, no estímulo, no apoio.


Evangelho: Mc 4, 21-25

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: «21Põe-se, porventura, a candeia debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para ser colocada no candelabro? 22Porque não há nada escondido que não venha a descobrir-se, nem há nada oculto que não venha à luz. 23Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 24E prosseguiu: «Tomai sentido no que ouvis. Com a medida que empregardes para medir é que sereis medidos, e ainda vos será acrescentado. 25Pois àquele que tem, será dado; e ao que não tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado.»

Depois da parábola do semeador, Marcos apresenta-nos dois pares de breves sentenças. O Evangelho é para todos na comunidade. Por isso, deve ser colocado «no candelabro». Se alguém cair na tentação de o guardar ciosamente para si, então ser-lhe-á tirado. A Sagrada Escritura não é privilégio só para alguns, mas é para todos. Por isso, deve ser posta ao alcance de todos. A fé recebida por mim deve ser posta ao serviço da minha comunidade e de todos os homens.
No primeiro par de sentenças, a imagem da lâmpada que deve ser exposta sobre o candelabro é desenvolvida por duas antíteses paralelas: o que está escondido há-de ser descoberto, o que está oculto há-de vir à luz. O Reino, ainda que, por enquanto, seja anunciado em parábolas, depressa virá à luz na sua glória, e o Evangelho será anunciado a todos os povos.
No segundo par de sentenças, a antítese volta-se para a condição interna da comunidade: a imagem da medida insinua a proibição de julgar os outros; a segunda sentença está mais ligada à parábola do semeador: «aquele que tem» corresponde à «boa terra», que acolhe a palavra e lhe permite produzir fruto.


Meditatio

O autor da Carta aos Hebreus faz-nos entrever o mistério de Jesus Cristo, que transformou a situação do homem. Depois de se detido a apresentar esse mistério, e o sacrifício agradável Si mesmo, que Cristo ofereceu ao Pai, obtendo-nos a salvação, o autor manifesta o seu espanto pela transformação que esse mesmo sacrifício operou em nós. Implicitamente, o autor da Carta compara a nossa situação com a do Antigo Testamento, quando as relações com Deus estavam sujeitas a limitações e a obstáculos de toda a espécie. Só o Sumo Sacerdote podia entrar no santuário uma vez por ano. O povo tinha que ficar fora dele, e não tinha caminhos para chegar a Deus. Na verdade, os próprios sacerdotes eram imperfeitos, e os Sumos Sacerdotes eram pecadores que deviam oferecer sacrifícios de expiação por si mesmos. Mas estes sacrifícios eram ineficazes e não os tornavam dignos de se aproximarem de Deus. Nós, os cristãos, pelo contrário temos plena liberdade para entrar no santuário «no santuário por meio do sangue de Jesus. Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade» (v. 20). Através da humanidade de Cristo, podemos chegar a Deus, tendo uma guia para nos acompanhar no caminho «um Sumo Sacerdote à frente da casa de Deus» (v. 21).
Este texto aplica-se bem à Eucaristia. Para penetrarmos no santuário, havemos de caminhar por meio do sangue de Cristo neste caminho novo e vivo, que Ele mesmo inaugurou. E não podemos avançar sem Ele. Por Ele, com Ele e n´Ele, avançamos para Deus com toda a confiança, porque Cristo Lhe é agradável. As disposições com que havemos de caminhar são a fé, a esperança e a caridade: «aproximemo-nos dele com um coração sincero, com a plena segurança da fé, com os corações purificados da má consciência e o corpo lavado com água pura. Conservemos firmemente a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel. Estejamos atentos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (vv. 22-24). O caminho que, desde já nos leva a Deus, no sacramento, há-de levar-nos definitivamente a Ele para além da morte. Percorremos este caminho em comunidade, em Igreja. Daí que, depois da fé e da esperança, seja recomendada a caridade e a celebração comunitária da Eucaristia: «sem abandonarmos a nossa assembleia - como é costume de alguns - mas animando-nos, tanto mais quanto mais próximo vedes o Dia» (v. 25).
Louvemos o Senhor e agradeçamos-Lhe tudo quanto fez por nós em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Segundo a Carta aos Romanos, o Pai destinou Cristo a servir de expiação, «como propiciatório» (ilasterion), com o Seu sangue, pelos nossos pecados (cf. Rm 3, 26). Na Segunda Carta aos Coríntios, Paulo afirma: «Aquele que não havia conhecido pecado (Cristo), Deus O fez pecado por nós para que nos tornássemos n´Ele justiça de Deus» (5, 21), isto é, Cristo assumiu uma carne pecadora, para se tornar vítima pelo pecado na carne pecadora, para que nós fôssemos justificados diante de Deus. Assim Cristo é a «vítima de expiação», imolada em holocausto pelo fogo do Espírito (cf. Heb 9, 14) «pelos nossos pecados”» (1 Jo 2, 2). Pode-se perfeitamente afirmar do Seu sangue aquilo que o Levítico diz do antigo holocausto que «consumado pelo fogo» era «perfume suave para o Senhor» (1, 17); esta imagem é retomada por Paulo: «Cristo amou-nos e Se entregou por nós a Deus, como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2).


Oratio

Senhor Jesus, contemplamos com fé o Teu lado aberto do qual nascem rios de água viva para a nossa aridez e sangue precioso para uma Redenção Eterna. Tu és o verdadeiro sumo sacerdote, que entrando uma só vez no santuário, com o teu próprio sangue, ofereceste tudo o que era necessário para a nossa redenção. Tu és o sacerdote, o sacrifício e o templo, mas quiseste associar-nos a ti pela graça do batismo. Por isso, queremos unir-nos à tua oblação. Dá-nos um espírito generoso e agradecido para te consagrarmos a nossa vida com obras de misericórdia. Amem.


Contemplatio

Jesus começou a dar o seu sangue, desde a aurora da sua vida, na circuncisão. O seu sangue correu de todos os seus membros durante a sua agonia no jardim das Oliveiras. Era o lagar anunciado por Isaías (Is 63), onde o sangue do Salvador corria como o vinho, quando os bagos são esmagados aos pés. O sangue correu do corpo adorável do Salvador durante a flagelação cruel e prolongada que sofreu. Correu da sua cabeça adorável na coroação de espinhos. Jesus perdia o seu sangue precioso levando a sua cruz até ao Calvário. Derramou-o abundantemente das suas mãos e dos seus pés, quando foi pregado à cruz, e estas fontes não se fecharam mais até ao esgotamento das veias do Salvador. Jesus deu as últimas gotas do seu sangue quando o seu Coração foi aberto pela lança. Mas a dizer a verdade, foi sempre o seu Coração que deu o seu sangue. Derramava-o de boamente, dava-o com o seu sangue. Derramava-o de boamente, dava-o com amor. Oferecia-o ao seu Pai por todas as suas chagas como por tantas bocas suplicantes. No Antigo Testamento, o sumo sacerdote levava ao Santo dos santos num vaso precioso os sangue dos vitelos e dos cabritos para o holocausto e a reparação. Jesus ofereceu no vaso do seu divino Coração todo o seu sangue precioso ao seu Pai. Derramou-o no Calvário, como Aarão e os seus filhos o derramavam no Santo dos santos; e agora no céu Jesus apresenta sempre o seu sangue ao seu Pai como um sacrifício único que basta a tudo, ao holocausto, à ação de graças, à reparação e à impetração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 19).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Cristo entregou-Se por nós a Deus, como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2).



Fonte http://www.dehonianos.org/

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Quarta-feira - 28.01.2015



Lectio

Primeira leitura: Hebreus 10, 11-18

11Todo o sacerdote da antiga aliança se apresenta diariamente para oferecer o culto, oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem apagar os pecados. 12Cristo, porém, depois de oferecer pelos pecados um único sacrifício, sentou-se para sempre à direita de Deus, 13esperando, por último, que os seus inimigos sejam postos como estrado dos seus pés. 14De facto, com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados. 15É o que o Espírito Santo também nos atesta. De facto, depois disse: 16Esta é a aliança que estabelecerei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: ‘Porei as minhas leis nos seus corações e gravá-las-ei nas suas mentes; 17e não mais me recordarei dos seus pecados nem das suas iniquidades.’ 18Ora, onde há perdão dos pecados, já não há necessidade de oferenda pelos pecados.

As reflexões do autor continuam centradas na superioridade do sacerdócio e do sacrifício de Cristo relativamente a todos os sacrifícios oferecidos pelo sacerdócio de Aarão. Dirigindo-se a judeu-cristãos que passam por um momento de crise e de saudade do antigo culto, o autor estabelece uma relação direta entre os sacerdotes do templo e Cristo. Os primeiros apresentam-se submetidos a uma permanente e vã repetição de ritos que não chegam a purificar as consciências e a libertar do pecado. São sacrifícios externos, apenas sombra do verdadeiro sacrifício. Ergue-se diante deles a figura majestosa de Cristo que, tendo oferecido «uma só vez» a sua vida em obediência ao Pai, está «agora» na sua presença e «sentado» à sua direita, à espera que amadureçam todos os frutos da obra de salvação realizada. Agora está aberto, e assim permanece para sempre, o acesso ao verdadeiro «Santos dos santos». Assim, segundo o autor da Carta, realiza-se a profecia de Jeremias (31, 33ss.) sobre a «nova aliança»: Deus escreveu a sua lei no coração do homem e perdoou os seus pecados. Agora, cada homem é potencialmente filho de Deus, no Filho muito amado. A Igreja, ao oferecer todos os dias o sacrifício eucarístico, não repete o evento da paixão-morte de Jesus, mas renova para todo os homens, cada dia, aquele único sacrifício. Assim, oferece a cada um a possibilidade de entrar livremente em comunhão vital com Cristo e tornar-se membro vivo do seu corpo místico.


Evangelho: Mc 4, 1-20

Naquele tempo, 1Jesus, começou a ensinar De novo à beira-mar. Uma enorme multidão vem agrupar-se junto dele e, por isso, sobe para um barco e senta-se nele, no mar, ficando a multidão em terra, junto ao mar. 2Ensinava-lhes muitas coisas em parábolas e dizia nos seus ensinamentos: 3«Escutai: o semeador saiu a semear. 4Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho e vieram as aves e comeram-na. 5Outra caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra e logo brotou, por não ter profundidade de terra; 6mas, quando o sol se ergueu, foi queimada e, por não ter raiz, secou. 7Outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram, sufocaram-na, e não deu fruto. 8Outra caiu em terra boa e, crescendo e vicejando, deu fruto e produziu a trinta, a sessenta e a cem por um.» 9E dizia: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça.» 10Ao ficar só, os que o rodeavam, juntamente com os Doze, perguntaram-lhe o sentido da parábola. 11Respondeu: «A vós é dado conhecer o mistério do Reino de Deus; mas, aos que estão de fora, tudo se lhes propõe em parábolas, 12para que ao olhar, olhem e não vejam, ao ouvir, oiçam e não compreendam, não vão eles converter-se e ser perdoados.» 13E acrescentou: «Não compreendeis esta parábola? Como compreendereis então todas as outras parábolas? 14O semeador semeia a palavra. 15Os que estão ao longo do caminho são aqueles em quem a palavra é semeada; e, mal a ouvem, chega Satanás e tira a palavra semeada neles. 16Do mesmo modo, os que recebem a semente em terreno pedregoso, são aqueles que, ao ouvirem a palavra, logo a recebem com alegria, 17mas não têm raiz em si próprios, são inconstantes e, quando surge a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, logo desfalecem. 18Outros há que recebem a semente entre espinhos; esses ouvem a palavra, 19mas os cuidados do mundo, a sedução das riquezas e as restantes ambições entram neles e sufocam a palavra, que fica infrutífera. 20Aqueles que recebem a semente em boa terra são os que ouvem a palavra, a recebem, dão fruto e produzem a trinta, a sessenta e a cem por um.»

O reino de Deus é proclamado pela palavra. Marcos, na secção que hoje abre, oferece-nos uma teologia da palavra do reino. Jesus começa a falar «em parábolas». Era o método usado pelos rabinos. As parábolas são «histórias» aparentemente simples, mas com um elemento-surpresa e uma conclusão inesperada que convidam a procurar um segundo significado, para além do imediato.
A parábola começa e termina com dois imperativos: «Escutai» (v. ). Em sentido bíblico, «escutai» significa «obedecei», isto é, dai a vossa adesão (ob-audire). Jesus quer entrar em relação viva com as pessoas a quem se dirige. Começa por centrar a atenção dos ouvintes na generosa sementeira. Mas logo a centra na semente. Vem, depois, a tipologia dos terrenos que recebem a semente. Há um evidente exagero ao falar da «boa terra». A imagem da colheita sugere o fim dos tempos. A parábola, ao fim e ao cabo, diz-nos que o Messias está próximo e descreve a abundância de graça do Reino messiânico.
No diálogo com «os que o rodeavam», a semente é claramente identificada com a Palavra, e os terrenos correspondem às diferentes reações suscitadas pela pregação dos apóstolos. Jesus veio realizar a missão de semear a Palavra. Semeou com generosidade, movido pelo excessivo amor que tudo crê, também que o deserto há-de florescer. Assim nos faz compreender também que a Palavra deve ser pregada a todos, sem desânimo, sem medo de fracassar. A seu tempo dará fruto.


Meditatio

O mistério de Cristo é o mistério de uma natureza humana «tornada perfeita» por meio do sofrimento: «Convinha que aquele por quem e para quem existem todas as coisas, querendo levar muitos filhos à glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o autor da sua salvação» (Heb 2, 10). Depois desta afirmação, o autor descreve os sofrimentos de Cristo e conclui: Jesus «tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna, tendo sido proclamado por Deus Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec» (Heb 5, 9-10). Pode parecer-nos estranho aplicar a Cristo a expressão «tornar perfeito» que, no Antigo Testamento, só é usado em referência à consagração dos sacerdotes, cujas mãos, e toda a sua pessoa, hão-de ser tornadas perfeitas para oferecer a Deus o sacrifico. Cristo foi transformado pelo seu sacrifício para se tornar o sacerdote absolutamente perfeito.
Mas a consagração sacerdotal de Cristo, obtida no seu sacrifício, vale para Ele, mas também para nós: «com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14). Aqui está a grande novidade: o autor aplica aos cristãos o mesmo verbo que aplicou acerca de Cristo «tornar perfeito». Cristo recebe a consagração sacerdotal e, ao mesmo tempo, confere-a a nós. Com o seu sacrifício, Cristo tornou-nos, também a nós, capazes de nos apresentar a Deus em atitude sacerdotal, apresentando ofertas. Por isso, graças ao sacrifico de Cristo, podemos aproximar-nos com toda a confiança diante de Deus, entrar no santuário mais secreto.
Na afirmação: «com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14), podemos distinguir dois aspectos: somos verdadeiramente consagrados a Deus e podemos oferecer o sacrifício; a nossa santificação é apenas um começo que exige desenvolvimento, crescimento: «tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14). A santificação recebida no batismo há-de desenvolver-se cada dia, aplicando à nossa pessoa o sacrifício de Cristo, mas também revivendo-o, de modo especial, nos nossos próprios sofrimentos e tribulações.
A presença misteriosa do cristão em Cristo morto e ressuscitado é expressa por Paulo com a simples expressão «en Christo» (in Christo) usado 164 vezes nas suas cartas, com diferentes matizes. Na Primeira Carta a Timóteo fala do mistério de Cristo como o grande mistério da piedade (3, 16). Deste mistério da piedade todo o baptizado participa: «Com uma só oferta (sacrifício, oblação), (Cristo) tornou perfeitos para sempre os que foram santificados» (Heb 10, 14; cf. 5, 9). A espiritualidade oblativa dehoniana é uma espiritualidade tipicamente baptismal (cf. Cst n. 13). A nossa missão dehoniana impele-nos a ser testemunhas desta espiritualidade baptismal com a nossa vida e com a nossa palavra junto dos irmãos cristãos.
O sacerdócio de Cristo não é um sacerdócio clerical, mas laical (cf. Heb 5, 6.10). Se todo o cristão participa do sacerdócio de Cristo é preciso desclericalizar o sacerdócio. Com isto não queremos confundir o sacerdócio universal com o sacerdócio ministerial; mas sem o primeiro, não existe o segundo. A função essencial do sacerdote é «oferecer». Não há sacerdócio sem uma vítima para oferecer. Jesus é a vítima do Seu sacerdócio (cf. Heb 5, 7-10). E é mesmo a sua atitude oblativa que constitui a essência do Seu sacerdócio (cf. Heb 10, 5-18). É o «Ecce venio», o «eis-me aqui!» (Heb 10, 7). As nossas Constituições afirmam: «Para o Padre Dehon, o Ecce Venio (Heb 10,7) define a atitude fundamental da nossa vida» (Cst 58; cf. n. 6). O Oblato-Sacerdote do Coração de Jesus, tal como Cristo, deve oferecer a si mesmo, no seu dia a dia (cf. Lc 9, 23). E, pela ação transformadora do Espírito Santo, todas as suas ações, mesmo as mais humildes, são qualificadas como sacerdotais e sacrificiais.


Oratio

Ó Pai, que estás nos céus, nós Te adoramos e damos graças, porque em Cristo nos revelaste o mistério do teu amor e nos chamaste a ser santos e imaculados pela caridade. Do seu Coração trespassado obtivemos a vida e o perdão dos pecados. Nessa fonte de água viva fomos consagrados sacerdotes do teu amor. Unidos a Jesus, renovamos a oferta da nossa vida pelo advento do teu Reino. Nós Te apresentamos a nossa castidade, a nossa pobreza e a nossa obediência, com a nossa vida fraterna e o nosso apostolado, para que, unidas à dos irmãos, nos obtenham a plenitude da tua misericórdia. Pai Santo, faz de nós um sacrifício perene para louvor da tua glória. Ámen.


Contemplatio

Nosso Senhor, depois do ouro e do incenso, pede a mirra… São os sofrimentos, seja qual for o seu nome e venham donde vierem, que devem ser suportados em espírito de puro amor, por amor e com amor, em espírito de reparação e de expiação, em união com os sofrimentos de Nosso Senhor. Têm então um grande valor e uma grande eficácia, por pequenos que sejam em si mesmos e mesmo que não deem nas vistas. Assim, portanto, os três dons, são um coração para amar, um corpo para sofrer, uma vontade para ser sacrificada e em tudo submetida à vontade divina. Nosso Senhor não deu ele próprio o exemplo mais perfeito deste tríplice dom para com o seu Pai? Onde é que é possível encontrar-se um coração que tenha amado mais puramente e mais generosamente que o do nosso Salvador, o Coração da vítima do amor? Quem há que mais dolorosamente tenha sofrido? E por quem? E porquê? E a sua vontade não era a do seu Pai celeste! Ele recordou-o muitas vezes no Evangelho. Recordemo-nos somente do seu Ecce Venio, que deve ser a máxima favorita dos amigos do seu Coração, esta palavra que deve estar em cada instante sobre os seus lábios, mas ainda mais nos seus corações. Nesta palavra estão contidos os três sacrifícios que resumem toda a sua vocação, a sua missão. «Meu Deus, destes-me um corpo para ser sacrificado, para sofrer, um coração para amar e para sofrer também, uma vontade para ser imolada como a mais preciosa vítima e a mais agradável a Deus». Aí está o que deve ser o sacrifício oferecido cada dia ao Cordeiro santo e imaculado e com ele ao seu Pai. Esta era também a disposição que Maria exprimia com o seu Ecce ancilla. Ela abandonava-se ao amor divino e estava pronta a tudo sacrificar à divina vontade. (Leão Dehon, OSP 3, p. 33s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Um coração para amar, um corpo para sofrer, uma vontade para ser oferecida»
(Leão Dehon, OSP 3, p. 33)».



Fonte http://www.dehonianos.org/

domingo, 25 de janeiro de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - III Semana - Terça-feira - 27.01.2015


 Lectio

Primeira leitura: Hebreus 10, 1-10

1Irmãos: A lei de Moisés, possuindo apenas a sombra dos bens futuros e não a expressão própria das coisas, a Lei nunca pode conduzir à perfeição aqueles que participam nos sacrifícios que se oferecem constantemente cada ano. 2Não se teria porventura deixado de os oferecer, se os que prestam culto, purificados de uma vez por todas, já não tivessem consciência de algum pecado? 3Pelo contrário, com esses sacrifícios, recordam-se anualmente os pecados, 4uma vez que é impossível que o sangue dos touros e dos bodes apague os pecados. 5Por isso, ao entrar no mundo, Cristo diz:Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo. 6Não te agradaram holocaustos nem sacrifícios pelos pecados. 7Então, Eu disse: Eis que venho - como está escrito no livro a meu respeito - para fazer, ó Deus, a tua vontade. 8Disse primeiro: Não quiseste nem te agradaram sacrifícios, oferendas e holocaustos pelos pecados - e, no entanto, eram oferecidos segundo a Lei. 9Disse em seguida: Eis que venho para fazer a tua vontade. Suprime, assim, o primeiro culto, para instaurar o segundo. 10E foi por essa vontade que nós fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre.

A antiga Lei prescrevia complexos ritos de purificação e exigia a repetida oferta de vítimas em sacrifício: sangue de touros e de bodes. Esses sacrifícios mantinham viva a consciência de pecado no povo, mas eram insuficientes para extirpar esse pecado e reconduzir o povo à liberdade. Um rito exterior não pode curar automaticamente uma ferida interior que tem origem na desobediência a Deus, na soberba rebelião contra a sua vontade. Depois da queda dos nossos primeiros pais, a natureza humana é inclinada para o mal e, de facto, a inclinação torna-se pecado realizado que, por sua vez, torna cada vez mais fáceis novas quedas. Daí decorre um estado de escravidão permanente.
Jesus veio ao mundo para percorrer, por primeiro, o caminho de regresso ao Pai, abrindo também aos homens esse caminho, que é o único que leva à salvação. Sendo Filho de Deus, abaixou-Se à condição humana e fez-se obediente até à morte de cruz. Fomos santificados graças à sua entrega sacrificial obediente, e não a determinados sacrifícios ou práticas rituais.
Fala-se da oblação do corpo e não do sangue de Cristo. A palavra corpo é utilizada devido à expressão do Salmo: «preparaste-me um corpo» (v. 5). Esta oblação inclui, na só a oferta no momento da Encarnação – ao entrar no mundo – mas a entrega de toda a sua vida ao serviço da vontade de Deus. Essa entrega culminou na cruz. Quer quando se fala do corpo, como quando se menciona o sangue, o que está em causa é a total auto-entrega de Cristo.


Evangelho: Mc 3, 31-35

Naquele tempo, 31chegam à casa onde estava Jesus, sua Mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandam chamar. 32A multidão estava sentada em volta dele, quando lhe disseram: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» 33Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» 34E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. 35Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»

Depois do julgamento do «tribunal» de Jerusalém, vem o julgamento dos «seus», conterrâneos e parentes, que dizem que Ele está louco. Alguns autores vêem neste texto ecos de uma desconfiança que existia em relação à comunidade judeo-cristã de Jerusalém, cujo bispo era Tiago, «irmão» do Senhor, pertencente ao grupo de Nazaré, cuja hostilidade para com o Senhor é sublinhada por Marcos (cf. 6, 3). Os parentes do Senhor lideravam a igreja de Jerusalém e também há quem veja no texto de Marcos resíduos de uma polêmica contra o perigo do nepotismo na Igreja.
Como quer que seja, não podemos ver neste texto qualquer atitude de menosprezo pela Mãe, nem pelos afectos humanos. Marcos não trata desses temas, mas aproveita o ensejo para criar uma situação paradoxal que dá maior realce aos vv. 34s., que são o cume do episódio.
Todos quantos rodeiam Jesus, ainda que simples curiosos, discípulos hesitantes ou apóstolos tardos em compreender, ou mesmo traidores, são mãe e irmãos. Ser irmão de Jesus, não é questão de sangue, de mérito, mas de graça: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe», por que se torna «filho de Deus».


Meditatio

As duas leituras de hoje iluminam-se reciprocamente. «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe», diz-nos Jesus no evangelho. Lemos na Carta aos Hebreus: «Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo… Então, Eu disse: Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade». E continua: «E foi por essa vontade que nós fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre» (v. 10).
A vontade de Deus é, pois, um tesouro inestimável para nós. Mas não o aceitamos espontaneamente. Porquê? Porque provavelmente temos uma estreita visão da obediência e de estranhos preconceitos contra a vontade de Deus… Muitas vezes falamos de vontade de Deus nas provações, nos sofrimentos: «É vontade de Deus!», dizemos resignados. Isto pode ser um primeiro passo, mas não é toda a verdade. Para Jesus, a vontade de Deus era a ressurreição, não a morte! A morte era apenas uma passagem muito dolorosa, mas uma passagem rumo à transformação da natureza humana. Por isso, não podemos deter-nos na morte. A vontade de Deus é a transformação, a alegria. Por isso, havemos de viver as circunstâncias dolorosas, não só com resignação, mas também com confiança e adesão, com esperança. Deus quer realizar algo de positivo, que será a nossa alegria. A sua vontade é triunfar sobre tudo quanto é negativo. Lemos no salmo 18: «Atacaram-me no dia da minha desgraça, porém, o Senhor foi o meu amparo. Levou-me a um espaço aberto, libertou-me porque me quer bem» (Sl 18, 19-20). «Porque me quer bem»: a vontade de Deus é o seu querer-me bem!
Na plenitude da revelação, Jesus irá declarar: «A vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia» (Jo 6, 39). Se a vontade de Deus é o nosso bem, que é então a obediência? Desde o «eis-me aqui!» de Abraão ao «eis-me aqui!» de Maria, do «eis-me aqui!» de Jesus ao «eis-me aqui!» de todos quantos Lhe seguem os passos, ela revela-se como um cântico nupcial que brota do coração desejoso de cooperar no desígnio divino da salvação. A obediência não é fria execução de severas ordens, mas o apaixonado envolvimento de toda a pessoa num confiante abandono Àquele que é omnipotente, mas também Pai; Altíssimo, mas também Emanuel, Deus-connosco. A obediência tem momentos difíceis, mas pressentirá sempre ao seu lado os passos d´Aquele que nos precede levando, por nosso amor, a sua e nossa cruz.
Segundo a expressão do Diretório Espiritual, Cristo é «Aquele que nos precedeu neste caminho, que o tornou praticável e que deixou atrás de Si, como sinais dos Seus passos, pegadas sangrentas. Tal é a nossa vocação». O caminho de Cristo é o nosso caminho (cf. Cst 12). Neste caminho, caracterizado pelo abandono à vontade do Pai, pela oblação de amor, somos guiados e apoiados pelo Espírito (cf. Cst 16), que nos faz reviver, na fidelidade dinâmica, a «experiência de fé do P. Dehon», o qual escolheu como motes da sua vida: «Ecce venio... eis-me aqui!» (Heb 10,7): «Senhor, que queres que eu faça?» (Act 9, 6); “Fiat...faça-se!”.
Contemplar a Cristo na Sua obediência-oblação filial ao Pai, e vivê-la, é uma contemplação, uma forma de vida tipicamente dehoniana. É ser «Oblatos, Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus» (Cst 6).


Oratio

Ó Jesus, sacerdote misericordioso, que ao entrar no mundo Te ofereceste ao Pai: «Eis-me aqui para fazer a tua vontade!»; reforça em nós a mesma disposição que animou o teu coração de Filho. À tua obediência de amor queremos unir a oferta da nossa obediência, mesmo quando exigir de nós um maior desapego. Aceita a nossa vida que desejamos oferecer-Te até ao sacrifício total de nós mesmos. Que o teu Espírito nos torne atentos à tua vontade em todas as circunstâncias da vida, e a tua graça nos mova a uma fraterna dedicação para que venha o teu reino de amor. Amem.


Contemplatio

Aqui está o que Jesus e Maria nos pedem. Não procuremos na devoção as consolações sensíveis. Se elas vêm, seja! Agradeçamos. Mas vamos sempre ao amor viril e forte como os Magos e os santos. É pela vontade que nós nos santificamos e não pelas impressões. Qual é a regra de conduta de Jesus? Ele disse-nos no salmo trinta e nove e S. Paulo no-lo repete na epístola aos Hebreus: «Cristo, ao entrar no mundo disse: Meu Pai, já não quereis vítimas da Antiga Lei, eis-me aqui, Ecce venio, para cumprir a vossa vontade». E muitas vezes Nosso Senhor repetirá na sua vida que faz a vontade do seu Pai. É a sua vida, é o seu programa, é a lei do seu coração, é a sua resolução de todos os dias. – Cumpramos a vontade divina marcada pelas nossas regras, pelos preceitos divinos, pelas prescrições dos nossos superiores. Aceitemos as provas da vida e toda a conduta da Providência. É isso o que se chama o amor viril e forte. (Leão Dehon, OSP 3, p. 96s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Eis-me aqui, ó Deus, para fazer a tua vontade» (Heb 19, 7):


Fonte http://www.dehonianos.org/

sábado, 24 de janeiro de 2015

S. Timóteo e S. Tito, Bispos 26.01.2015

S. Timóteo nasceu em Listra. A sua mãe era hebreia e o seu pai era grego. Colaborou intimamente com S. Paulo na evangelização, mantendo por ele um afeto filial. O Apóstolo colocou-o à frente da Igreja de Éfeso.
S. Tito, que parece vir do paganismo, tornou-se um cristão de fé sólida e um evangelizador ativo e fervoroso. Na carta que lhe é dirigida, aparece-nos como responsável pela Igreja de Creta.

Lectio


Primeira leitura: 2 Timóteo 1, 1-8

Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, por desígnio de Deus, segundo a promessa de vida que há em Cristo Jesus, 2a Timóteo, meu filho querido: graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. 3Dou graças a Deus, a quem sirvo em consciência pura, como já o fizeram os meus antepassados, ao recordar-te constantemente nas minhas orações, noite e dia. 4Ao lembrar-me das tuas lágrimas, anseio ver-te, para completar a minha alegria, 5pois trago à memória a tua fé sem fingimento, que se encontrava já na tua avó Loide e na tua mãe Eunice e que, estou seguro, se encontra também em ti. 6Por isso recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, 7pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso. 8Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus.

A Segunda Carta a Timóteo é uma espécie de testamento espiritual do Apóstolo, na véspera do seu martírio. Trata-se de um escrito da escola paulina, de finais do século I. Entre expressões de afeto e de estima por Timóteo, Paulo afirma a sua condição de Apóstolo, vocação e missão a que foi chamado e às quais correspondeu generosamente. Paulo sublinha também a continuidade entre o seguimento de Jesus e a fidelidade à lei hebraica, que viveu e pregou. O mesmo sucede com Timóteo, filho de pai grego, mas iniciado ao cristianismo pela sua avó e pela sua mãe, ambas hebreias. O autor da carta acentua também o carisma de pastor de almas personificado em Timóteo, e transmitido pelo Apóstolo, através da imposição das mãos. Em todo o texto domina o testemunho dado a Cristo por Paulo nas diversas e difíceis provações por que passou, e que Timóteo deve continuar, com a graça de Deus.


Evangelho: Lucas 10, 1-9

Naquele tempo, designou o Senhor outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Disse-lhes:«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. 3Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho. 5Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. 8Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, 9curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: ‘O Reino de Deus já está próximo de vós.’

A obra de Jesus está internamente aberta e realiza-se através dos discípulos. Os Doze continuam a ser o fundamento de toda a missão da Igreja. Mas, juntamente com eles, e depois deles, Jesus escolheu muitos outros. A messe é grande e os trabalhadores acabam sempre por ser poucos. O nosso texto alude a setenta e dois, número de plenitude e sinal de todos os missionários posteriores que anunciam a mensagem do reino na nossa Igreja. Através desses discípulos, a missão de Jesus alcança todas as fronteiras da história, chegando à sua plenitude na grande meta da ceifa escatológica.


Meditatio

“Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti” (v. 6). Para nós, esse dom é a vocação cristã, primeiro anel de uma corrente de dons que Deus tem para nos dar. Podemos meditar nesse dom na perspetiva da fraternidade, sublinhando dois aspectos: a simplicidade fraterna e a fidelidade fraterna. Quanto à simplicidade fraterna, não havemos de nos julgar mais do que os outros, alimentar ambições, ser presumidos. Pelo contrário, há que fazer-nos pequenos com os outros, irmãos entre os irmãos: “Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo” (Mc 10, 43). A fraternidade cristã apoia-se numa igualdade fundamental: diante de Deus, todos somos iguais; diante dos outros, todos somos carenciados. Por isso, ninguém pode pretender ser mais do que os outros. O nosso modelo é Jesus, que se fez nosso irmão. Poderia fazer sentir o seu poder, a sua autoridade; mas preferiu estar no meio de nós como quem serve! “Pois, quem é maior: o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é o que está sentado à mesa? Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que serve.” (Lc 22, 27).
A fraternidade, a simplicidade fraterna manifestam-se também como afeto fraterno. Os sentimentos recíprocos entre Paulo e Timóteo manifestam essa igualdade de afeto solidário, e não meramente jurídica: “Ao lembrar-me das tuas lágrimas, anseio ver-te, para completar a minha alegria” (v. 4). Timóteo tinha chorado quando Paulo partiu. Paulo deseja estar com os irmãos que se amam. Por vezes chama a Timóteo “irmão”, mas aqui chama-o “filho querido”, porque o gerou para a graça de Cristo pela pregação e pelo Batismo.
A fraternidade inclui outro aspeto ainda mais realista e exigente: a fidelidade fraterna. Trata-se da solidariedade uns para com os outros, especialmente em momentos de crise e de sofrimento: “Vós sois os que permaneceram sempre junto de mim nas minhas provações,” (Lc 22, 28), diz Jesus aos seus discípulos. É isto que faz perdurar e crescer a fraternidade. Irmão é aquele que ajuda o seu irmão. Jesus fez-se nosso irmão para nos ajudar e ajudou, mesmo à custa de muito sofrimento. Ao fazer-se nosso irmão, também quis precisar da nossa ajuda e ser ajudado por nós. Por isso, congratula-se com os apóstolos que permaneceram junto d´Ele nas suas tribulações.
Paulo pede a Timóteo que ponha em prática, na solidariedade fraterna, essa fidelidade: “Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus.” (v. 8).
Havemos de sentir esta solidariedade, de modo particular, para com aqueles que têm maiores responsabilidades na Igreja. Se Jesus se fez nosso irmão, é porque quis ensinar-nos a viver esse espírito de fraternidade, sem o não é possível caminhar no amor.


Oratio

Senhor, bem sabes que a nossa solidariedade para com os irmãos, muitas vezes, dá lugar ao desejo de sermos os primeiros. Mesmo nas atividades pastorais, em vez de partilharmos com simplicidade e alegria as responsabilidades, muitas vezes queremos impor as nossas decisões e os nossos pontos de vista. Dá-nos um coração manso e humilde como o teu. Ajuda-nos a pôr no centro o teu Evangelho, e não as nossas convicções. Põe ordem e clareza nas motivações do nosso agir, para vencermos o nosso orgulho, mesmo quando mascarado de “boas intenções”. Dá-nos a alegria de nos reconhecermos pequenos. Sê a nossa única força, e nada nos meterá medo. Ámen.


Contemplatio

Ó Jesus, que nos dissestes para aprendermos do vosso coração a sermos mansos e humildes, tornai o nosso coração semelhante ao vosso! Como é manso e humilde o Menino divino de Belém e de Nazaré! É o seu carácter próprio, é o estilo da sua vida. Na sua vida pública, é manso e bom para com todos. Isaías tinha-o descrito (42, 1), e Jesus deleitava-se a reler este quadro na sinagoga: «Eis o meu Filho bem amado, que não gosta das querelas, dos gritos, do barulho das praças, não quebra a cana rachada e não extingue a mexa que ainda fumega…». Jeremias tinha-o apresentado como um cordeiro cheio de mansidão… S. João chama-o o Cordeiro que é sacrificado desde a origem do mundo. Quando entra em Jerusalém sobre a sua modesta montada, é o Rei de mansidão predito por Isaías e Zacarias (Mt 21). Na sua paixão, a sua mansidão traduz-se pelo seu silêncio e pela sua paciência. A mansidão, diz S. Paulo, é fruto do Espírito Santo, com as virtudes que se lhe assemelham: a paz, a benignidade, a bondade (Gal 5, 22). A caridade é mansa, benevolente, amável, S. Paulo repete a todas as Igrejas: aos Efésios, aos Gálatas, aos Coríntios. Recomenda a Timóteo para ser manso para com todos, paciente e modesto, como convém a um bom servidor de Deus (2Tim 2, 24). O homem manso será bem-aventurado, porque Deus o abençoará, mas também porque ganhará facilmente os corações e não terá inimigos. (L. Dehon, OSP 4, p. 36s.).

Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
“Reacende o dom de Deus que há em ti” (cf. 2 Tm 1, 6).



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S. Timóteo e S. Tito, Bispos (26 Janeiro)


Fonte http://www.dehonianos.org/

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

03º Domingo do Tempo Comum - Ano B - 25.01.2015


Lectio
Ano B
3º DOMINGO DO TEMPO COMUM


Tema do 3º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 3º Domingo do Tempo Comum propõe-nos a continuação da reflexão iniciada no passado domingo. Recorda, uma vez mais, que Deus ama cada homem e cada mulher e chama-o à vida plena e verdadeira. A resposta do homem ao chamamento de Deus passa por um caminho de conversão pessoal e de identificação com Jesus.
A primeira leitura diz-nos – através da história do envio do profeta Jonas a pregar a conversão aos habitantes de Nínive – que Deus ama todos os homens e a todos chama à salvação. A disponibilidade dos ninivitas em escutar os apelos de Deus e em percorrer um caminho imediato de conversão constitui um modelo de resposta adequada ao chamamento de Deus.
No Evangelho aparece o convite que Jesus faz a todos os homens para se tornarem seus discípulos e para integrarem a sua comunidade. Marcos avisa, contudo, que a entrada para a comunidade do Reino pressupõe um caminho de “conversão” e de adesão a Jesus e ao Evangelho.
A segunda leitura convida o cristão a ter consciência de que “o tempo é breve” – isto é, que as realidades e valores deste mundo são passageiros e não devem ser absolutizados. Deus convida cada cristão, em marcha pela história, a viver de olhos postos no mundo futuro – quer dizer, a dar prioridade aos valores eternos, a converter-se aos valores do “Reino”.


LEITURA I – Jonas 3,1-5.10

Leitura da Profecia de Jonas

A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas nos seguintes termos:
«Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive
e apregoa nela a mensagem que Eu te direi».
Jonas levantou-se e foi a Nínive,
conforme a palavra do Senhor.
Nínive era uma grande cidade aos olhos de Deus;
levava três dias a atravessar.
Jonas entrou na cidade, caminhou durante um dia
e começou a pregar nestes termos:
«Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída».
Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus,
proclamaram um jejum
e revestiram-se de saco, desde o maior ao mais pequeno.
Quando Deus viu as suas obras
e como se convertiam do seu mau caminho,
desistiu do castigo com que os ameaçara
e não o executou.

AMBIENTE

O “Livro de Jonas” foi, muito provavelmente, escrito na segunda metade do séc. V a.C. (talvez entre 440 e 410 a.C.).
É uma história bonita e edificante, mas não é real. Trata-se de um texto que poderíamos classificar no género “ficção didáctica”. Dito de outra forma: o livro de Jonas não é uma colecção de oráculos proféticos proferidos por um homem chamado Jonas, nem sequer um relato de carácter histórico; mas é uma obra de ficção, escrita com a finalidade de ensinar e educar.
Estamos numa época em que a política de Esdras e Neemias favorecia o nacionalismo, e o fechamento do Povo de Deus aos outros povos. Por um lado, sublinhava-se o facto de Judá ser o Povo Eleito de Deus, o povo preferido de Deus, um povo diferente de todos os outros; por outro, considerava-se que todos os outros povos eram inimigos de Deus, odiados por Deus, que deviam ser inapelavelmente condenados e destruídos por Deus.
Reagindo contra a ideologia dominante, o autor do “Livro de Jonas” apresenta Jahwéh como um Deus universal, cuja bondade e misericórdia se estendem a todos os povos, sem excepção. A escolha de Nínive como a cidade destinatária da acção salvadora de Deus não é casual: Nínive, capital do império assírio a partir de Senaquerib, tinha ficado na consciência dos habitantes de Judá como símbolo do imperialismo e da mais cruel agressividade contra o Povo de Deus (cf. Is 10,5-15; Sof 2,13-15).
É, precisamente, esta cidade que Jahwéh quer salvar. Por isso, chama Jonas e convida-o a ir a Nínive pregar a conversão. No entanto Jonas, como os outros seus contemporâneos, não está interessado em que Jahwéh perdoe aos opressores do Povo de Deus e recusa-se a cumprir o mandato divino. Em lugar de se dirigir para Nínive, no Oriente, toma o barco para Társis, no Ocidente. Na sequência de uma tempestade, Jonas é atirado ao mar e engolido por um peixe. Mais tarde, o peixe vai depositá-lo em terra firme. Jonas é, de novo, chamado por Deus para a missão em Nínive.

MENSAGEM

O nosso texto começa com Jonas a receber o segundo mandato de Jahwéh para ir a Nínive. Jonas aceita, desta vez, a missão, vai a Nínive e anuncia aos ninivitas a destruição da sua cidade. Contra todas as expectativas, os ninivitas escutam-no, fazem penitência e manifestam a sua vontade de conversão. Finalmente, Deus desiste do castigo.
A primeira lição da “parábola” é a da universalidade do amor de Deus. Deus ama todos os homens, sem excepção, e sobre todos quer derramar a sua bondade e a sua misericórdia. Mais: Deus ama mesmo os maus, os injustos e opressores e até a esses oferece a possibilidade de salvação. Deus não ama o pecado, mas ama os pecadores. Ele não quer a morte do pecador, mas que este se converta e viva.
A segunda lição da nossa “parábola” brota da resposta dada pelos ninivitas ao desafio de Deus. Ao descrever a forma imediata e radical como os ninivitas “acreditaram em Deus” e se converteram “do seu mau caminho” (ao contrário do que, tantas vezes, acontecia com o próprio Povo de Deus), o autor sugere, com alguma ironia, que esses pagãos, considerados como maus, prepotentes, injustos e opressores são capazes de estar mais atentos aos desafios de Deus do que o próprio Povo eleito.
Desta forma, o autor desta história denuncia uma certa visão nacionalista, particularista, exclusivista, xenófoba, que estava em moda na sua época entre os seus contemporâneos. Desafia o seu Povo a aceitar que Jahwéh seja um Deus misericordioso, que oferece o seu amor e a sua salvação a todos os homens, até aos maus. Desafia, ainda, os habitantes de Judá a assumirem a mesma lógica de Deus – lógica de bondade, de misericórdia, de perdão, de amor sem limites – e a não verem nos outros homens inimigos que merecem ser destruídos, mas irmãos que é preciso amar.

ATUALIZAÇÃO

• A catequese apresentada pelo “Livro de Jonas” convida-nos, antes de mais, a apreciar a profundidade da misericórdia e da bondade de Deus. Deus ama todos os homens e mulheres, sem excepção e de forma incondicional. Deus ama até os maus e os opressores. Esta lógica exclui, naturalmente, a eliminação do pecador: Deus não quer a morte de nenhum dos seus filhos; o que quer é que eles se convertam e percorram, com Ele, o caminho que conduz à vida plena, à felicidade sem fim. É este Deus, tornado frágil pelo amor, que somos chamados a descobrir, a aceitar e a amar.

• No entanto todos nós temos, por vezes, alguma dificuldade em aceitar esta lógica de Deus. Em certas circunstâncias, preferíamos um Deus mais duro e exigente, que se impusesse decisivamente aos maus, que frustrasse os seus projectos de violência e de injustiça, que castigasse aqueles que não cumprem as regras, que não desse hipóteses àqueles que destroem o nosso bem-estar e a nossa segurança… A Palavra de Deus que hoje nos é servida apresenta-nos um Deus de bondade e de misericórdia, que nos convida a amar todos os irmãos, mesmo os maus. Deus deve converter-se à nossa lógica, ou seremos nós que devemos converter-nos à lógica de Deus?

• A disponibilidade dos ninivitas para escutar o chamamento de Deus e para percorrer o caminho da conversão constitui um modelo de resposta adequada ao Deus que chama. É essa mesma prontidão de resposta que Deus pede a cada homem ou a cada mulher.

• O nosso texto sugere também que aqueles que consideramos “maus” estão, às vezes, mais disponíveis para acolher os desafios de Deus e para escutar o seu chamamento, do que os “bons”. Os “bons” estão, tantas vezes, aferrados aos seus esquemas de vida, aos seus preconceitos, às suas certezas, que não escutam as propostas de Deus… Para Deus, o que é decisivo não é o passado de cada homem ou mulher, mas a capacidade de cada um em deixar-se interpelar e questionar por ele.

• Há também neste texto uma severa denúncia do racismo, da exclusão, da marginalização, da xenofobia. A Palavra de Deus alerta-nos para a necessidade de ver em cada homem que caminha ao nosso lado um irmão, independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua cultura, ou até da sua bondade ou maldade. Como vemos e como acolhemos os nossos irmãos imigrantes que a vida trouxe até nós e que colaboram connosco na construção do mundo: como inimigos, culpados por todos os males do universo, ou como irmãos por quem somos responsáveis e que Deus nos convida a acolher e a amar?


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 24 (25)

Refrão: Ensinai-me, Senhor, os vossos caminhos.

Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,
ensinai-me as vossas veredas.
Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,
porque Vós sois Deus, meu Salvador.

Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias
e das vossas graças, que são eternas.
Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência,
por causa da vossa bondade, Senhor.

O Senhor é bom e recto,
ensina o caminho aos pecadores.
Orienta os humildes na justiça
e dá-lhes a conhecer os seus caminhos.


LEITURA II – 1 Coríntios 7, 29-31

Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

O que tenho a dizer-vos, irmãos,
é que o tempo é breve.
Doravante,
os que têm esposas procedam como se as não tivessem;
os que choram, como se não chorassem;
os que andam alegres, como se não andassem;
os que compram, como se não possuíssem;
os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem.
De facto, o cenário deste mundo é passageiro.

AMBIENTE

As duas Cartas aos Coríntios – e particularmente a primeira – refletem a realidade de uma comunidade jovem, viva e entusiasta, mas com os seus problemas e dificuldades próprios… As suas luzes e sombras resultam, em parte, de ser uma comunidade que provém do mundo grego – isto é, de um mundo animado e estruturado por dinamismos muito próprios, com uma grande vitalidade, mas ao mesmo tempo com valores e dinâmicas que tornam difícil a transplantação dos valores evangélicos para um mundo animado por princípios muito diferentes daqueles que estão na origem da mensagem cristã. Na comunidade cristã de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em se inserir num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.
Um dos sectores onde se nota particularmente o choque entre a fé cristã e a cultura helênica é nas questões de ética sexual. Neste âmbito, a cultura coríntia balouçava entre dois extremos: por um lado, um grande laxismo (como era normal numa cidade marítima, onde chegavam marinheiros de todo o mundo e onde reinava Afrodite, a deusa grega do amor); por outro lado, um desprezo absoluto pela sexualidade (típico de certas tendências filosóficas influenciadas pela filosofia platônica, que consideravam a matéria um mal e que faziam do não casar um ideal absoluto).
O desejo de Paulo é o de apresentar um caminho equilibrado, face a estes exageros: condenação sem apelo de todas as formas de desordem sexual, defesa do valor do casamento, elogio do celibato (cf. 1 Cor 7).
Provavelmente, os coríntios tinham consultado Paulo acerca do melhor caminho a seguir – o do matrimônio ou o do celibato. Paulo responde à questão no capítulo 7 da Primeira Carta aos Coríntios (de onde é retirado o texto da nossa segunda leitura). Paulo considera que não tem, a este propósito, “nenhum preceito do Senhor”; no entanto, o seu parecer é que quem não está comprometido com o casamento deve continuar assim e quem está comprometido não deve “romper o vínculo” (1 Cor 7,25-28).

MENSAGEM

Na perspectiva de Paulo, os cristãos não devem esquecer que “o tempo é breve”, quando tiverem que fazer as suas opções – nomeadamente, quando tiverem que fazer a sua escolha entre o casamento ou o celibato. Em concreto, o que é que isto significa?
O cristão vive mergulhado nas realidades terrenas, mas não vive para elas. Ele sabe que as realidades terrenas são passageiras e efémeras e não devem, em nenhum caso, ser absolutizadas. Para o cristão, o que é fundamental e deve ser posto em primeiro lugar, são as realidades eternas… E o cristão, embora estimando e amando as realidades deste mundo, pode renunciar a elas em vista de um bem maior. O mais importante, para um cristão, deve ser sempre o amor a Cristo e a adesão ao Reino. Tudo o resto (mesmo que seja muito importante) deve subjugar-se a isto.
Na sua catequese aos coríntios, o apóstolo aplica estes princípios à questão do casamento/celibato. Para ele, o casamento é uma realidade importante (ele considera que tanto o casamento como o celibato são dons de Deus – cf. 1 Cor 7,7); mas não deixa de ser uma realidade terrena e efémera, que não deve, por isso, ser absolutizada. Paulo nunca diz que o casamento seja uma realidade má ou um caminho a evitar; mas é evidente, nas suas palavras, uma certa predileção pelo celibato… Na sua perspectiva, o celibato leva vantagem enquanto caminho que aponta para as realidades eternas: anuncia a vida nova de ressuscitados que nos espera, ao mesmo tempo que facilita um serviço mais eficaz a Deus e aos irmãos (cf. 1 Cor 7,32-38).
Na verdade, as palavras de Paulo fazem sentido em todos os tempos e lugares; mas elas tornam-se mais lógicas se tivermos em conta o ambiente escatológico que se respirava nas primeiras comunidades. Para os crentes a quem a Primeira Carta aos Coríntios se destinava, a segunda e definitiva vinda de Jesus estava iminente; era preciso, portanto, relativizar as realidades transitórias e efémeras, entre as quais se contava o casamento.

ATUALIZAÇÃO

• A todo o instante somos colocados diante de realidades diversas e contrastantes e temos de fazer as nossas escolhas. A mentalidade dominante, a moda, o politicamente correto, os nossos preconceitos e interesses egoístas interferem frequentemente com as nossas opções e impõem-nos valores que nem sempre são geradores de liberdade, de paz, de vida verdadeira. Mais grave, ainda: muitas vezes, endeusamos determinados valores efémeros e passageiros, que nos fazem perder de vista os valores autênticos, verdadeiros, definitivos. O nosso texto sugere um princípio a ter em conta, a propósito desta questão: os valores deste mundo, por mais importantes e interessantes que sejam, não devem ser absolutizados. Não se trata de desprezar as coisas boas que o mundo coloca à nossa disposição; mas trata-se de não colocar nelas, de forma incondicional, a nossa esperança, a nossa segurança, o objectivo da nossa vida.

• Na verdade, o cristão deve viver com a consciência de que “o tempo é breve”. Ele sabe que a sua vida não encontra sentido pleno e absoluto nesta terra e que a sua passagem por este mundo é uma peregrinação ao encontro dessa vida verdadeira e definitiva que só se encontra na comunhão plena com Deus. Para chegar a atingir esse objectivo último, o cristão deve converter-se a Cristo e segui-l’O no caminho do amor, da entrega, do serviço aos irmãos. Tudo aquilo que deixa um espaço maior para essa adesão a Cristo e ao seu caminho, deve ser valorizado e potenciado. É aí que deve ser colocada a nossa aposta.


ALELUIA – Mc 1,15

Aleluia. Aleluia.

Está próximo o reino de Deus;
arrependei-vos e acreditai no Evangelho.


EVANGELHO – Mc 1,14-20

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Depois de João ter sido preso,
Jesus partiu para a Galileia
e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo:
«Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus.
Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».
Caminhando junto ao mar da Galileia,
viu Simão e seu irmão André,
que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores.
Disse-lhes Jesus:
«Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens».
Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O.
Um pouco mais adiante,
viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João,
que estavam no barco a consertar as redes;
e chamou-os.
Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados
e seguiram Jesus.

AMBIENTE

A primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30) tem como objectivo fundamental levar à descoberta de Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação. Este percurso de descoberta do Messias que o catequista Marcos nos propõe termina em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe (que é, evidentemente, a confissão que se espera de cada crente, depois de ter acompanhado o percurso de Jesus a par e passo): “Tu és o Messias”.
O texto que nos é hoje proposto aparece, exatamente, no princípio desta caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Neste texto, Marcos apresenta aos seus leitores os primeiros passos da ação do Messias libertador.
O lugar geográfico em que o texto nos situa é a Galileia – uma região em permanente contacto com os pagãos e, por isso, considerada pelas autoridades religiosas de Jerusalém uma terra de onde “não podia vir nada de bom”. Terra insignificante e sem especial relevo na história religiosa do Povo de Deus, a “Galileia dos gentios” parecia condenada a continuar uma região esquecida, marginalizada, por onde nunca passariam os caminhos de Deus e a proposta libertadora do Messias.

MENSAGEM

O nosso texto divide-se em duas partes. Na primeira, Marcos apresenta uma espécie de resumo da pregação inicial de Jesus (cf. Mc 1,14-15); na segunda, o nosso evangelista apresenta os primeiros passos da comunidade dos discípulos – a comunidade do Reino (cf. Mc 1,16-20).
No breve resumo da pregação inicial de Jesus, Marcos coloca na boca de Jesus as seguintes palavras: “cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1, 15).
Na expressão “cumpriu-se o tempo”, a palavra grega utilizada por Marcos e que traduzimos por “tempo” (“kairós”) refere-se a um tempo bem distinto do tempo material (“chronos”), que é o tempo medido pelos relógios. Poderia traduzir-se como “de acordo com o projeto de salvação que Deus tem para o mundo, chegou a altura determinada por Deus para o cumprimento das suas promessas”.
Que “tempo” é esse que “se aproximou” dos homens e que está para começar? É o “tempo” do “Reino de Deus”. A expressão – tão frequente no Evangelho segundo Marcos – leva-nos a um dos grandes sonhos do Povo de Deus…
A catequese de Israel (como aliás acontecia com a reflexão teológica de outros povos do Crescente Fértil) referia-se, com frequência, a Jahwéh como a um rei que, sentado no seu trono, governa o seu Povo. Mesmo quando Israel passou a ter reis terrenos, esses eram considerados apenas como homens escolhidos e ungidos por Jahwéh para governar o Povo, em lugar do verdadeiro rei que era Deus. O exemplo mais típico de um rei/servo de Jahwéh, que governa Israel em nome de Jahwéh, submetendo-se em tudo à vontade de Deus, foi David. A saudade deste rei ideal e do tempo ideal de paz e de felicidade em que Jahwéh reinava (através de David) sobre o seu povo, vai marcar toda a história futura de Israel. Nas épocas de crise e de frustração nacional, quando reis medíocres conduziam a nação por caminhos de morte e de desgraça, o Povo sonhava com o regresso aos tempos gloriosos de David. Os profetas, por sua vez, vão alimentar a esperança do Povo anunciando a chegada de um tempo, no futuro, em que Jahwéh vai voltar a reinar sobre Israel e vai restabelecer a situação ideal da época de David. Essa missão, na perspectiva profética, será confiada a um “ungido” que Deus vai enviar ao seu Povo. Esse “ungido” (em hebraico “messias”, em grego “cristo”) estabelecerá, então, um tempo de paz, de justiça, de abundância, de felicidade sem fim – isto é, o tempo do “reinado de Deus”.
O “Reino de Deus” é, portanto, uma noção que resume a esperança de Israel num mundo novo, de paz e de abundância, preparado por Deus para o seu Povo. Esta esperança está bem viva no coração de Israel na época em que Jesus aparece a dizer: “o tempo completou-se e o Reino de Deus aproximou-se”. Certas afirmações de Jesus, transmitidas pelos Evangelhos sinópticos, mostram que Ele tinha consciência de estar pessoalmente ligado ao Reino e de que a chegada do Reino dependia da sua ação.
Jesus começa, precisamente, a construção desse “Reino” pedindo aos seus conterrâneos a conversão (“metanoia”) e o acolhimento da Boa Nova (“evangelho”).
“Converter-se” significa transformar a mentalidade e os comportamentos, assumir uma nova atitude de base, reformular os valores que orientam a própria vida. É reequacionar a vida, de modo a que Deus passe a estar no centro da existência do homem e ocupe sempre o primeiro lugar. Na perspectiva de Jesus, não é possível que esse mundo novo de amor e de paz se torne uma realidade, sem que o homem renuncie ao egoísmo, ao orgulho, à auto-suficiência e passe a escutar de novo Deus e as suas propostas.
“Acreditar” não é apenas aceitar um conjunto de verdades intelectuais; mas é, sobretudo, aderir à pessoa de Jesus, escutar a sua proposta, acolhê-la no coração, fazer dela o guia da própria vida. “Acreditar” é escutar essa “Boa Notícia” de salvação e de libertação (“evangelho”) que Jesus propõe e fazer dela o centro à volta do qual se constrói toda a existência.
“Conversão” e “adesão ao projecto de Jesus” são duas faces de uma mesma moeda: a construção de um homem novo, com uma nova mentalidade, com novos valores, com uma postura vital inteiramente nova. Vai ser isso que Jesus vai propor em cada palavra que pronuncia: que nasça um homem novo, capaz de amar o próximo (Mt 22,39), mesmo aquele que é adversário ou inimigo (Lc 10,29-37); que nasça um homem novo, que não vive para o egoísmo, para a riqueza, para os bens materiais, mas sim para a partilha (Mc 6,32-44); que nasça um homem novo, que não viva para ter poder e dominar, mas sim para o serviço e para a entrega da vida (Mc 9,35). Então, sim, teremos um mundo novo – o “Reino de Deus”.
Depois de dizer qual a proposta inicial de Jesus, Marcos apresenta-nos os primeiros discípulos. Pedro e André, Tiago e João são – na versão de Marcos – os primeiros a responder positivamente ao desafio do Reino, apresentado por Jesus. Isso significa que eles estão dispostos a “converter-se” (isto é, a mudar os seus esquemas de vida, de forma a que Deus passe a estar sempre em primeiro lugar) e a “acreditar na Boa Nova” (isto é, a aderir a Jesus, a escutar a sua proposta de libertação, a acolhê-la no coração e a transformá-la em vida).
A apresentação feita por Marcos do chamamento dos primeiros discípulos não parece ser uma descrição fotográfica de acontecimentos concretos, mas antes a definição de um modelo de toda a vocação cristã. Nesta catequese sobre a vocação, Marcos sugere que:
1º O chamamento a entrar na comunidade do Reino é sempre uma iniciativa de Jesus dirigida a homens concretos, “normais” (com um nome, com uma história de vida, com uma profissão, possivelmente com uma família).
2º Esse chamamento é sempre categórico, exigente e radical (Jesus não “prepara” previamente esse chamamento, não explica nada, não dá garantias nenhumas e nem sequer se volta para ver se os chamados responderam ou não ao seu desafio).
3º Esse chamamento não é para frequentar as aulas de um mestre qualquer, a fim de aprender e depois repetir uma doutrina qualquer; mas é um chamamento para aderir à pessoa de Jesus, para fazer com Ele uma experiência de vida, para aprender com Ele a ser uma pessoa nova que vive no amor a Deus e aos irmãos.
4º Esse chamamento exige uma resposta imediata, total e incondicional, que deve levar a subalternizar tudo o resto para seguir Jesus e para integrar a comunidade do Reino (Pedro, André, Tiago e João não exigem garantias, não pedem tempo para pensar, para medir os prós e os contras, para pôr em ordem os negócios, para se despedir do pai ou dos amigos, mas limitam-se a “deixar tudo” e a seguir Jesus).
O Evangelho deste domingo apresenta, portanto, o convite que Jesus faz a todos os homens no sentido de integrarem a comunidade do Reino; e apresenta também um modelo para a forma como os chamados devem escutar e acolher esse chamamento.

ATUALIZAÇÃO

• Quando contemplamos a realidade que nos rodeia, notamos a existência de sombras que desfeiam o mundo e criam, tantas vezes, angústia, desilusão, desespero e sofrimento na vida dos homens. Esse quadro não é, no entanto, uma realidade irremediável a que estamos para sempre condenados. Nos projetos de Deus, está um mundo diferente – um mundo de harmonia, de justiça, de reconciliação, de amor e de paz. A esse mundo novo, Jesus chamava o “Reino de Deus”. É esse projeto que Jesus nos apresenta e ao qual nos convida a aderir. Somos chamados a construir, com Jesus, um mundo onde Deus esteja presente e que se edifique de acordo com os projetos e os critérios de Deus. Estamos disponíveis para entrar nessa aventura?

• Para que o “Reino de Deus” se torne uma realidade, o que é necessário fazer? Na perspectiva de Jesus, o “Reino de Deus” exige, antes de mais, a “conversão”. Temos de modificar a nossa mentalidade, os nossos valores, as nossas atitudes, a nossa forma de encarar Deus, o mundo e os outros para que se torne possível o nascimento de uma realidade diferente. Temos de alterar as nossas atitudes de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de comodismo e de voltar a escutar Deus e as suas propostas, para que aconteça, na nossa vida e à nossa volta, uma transformação radical – uma transformação no sentido do amor, da justiça e da paz. O que é que temos de “converter” – quer em termos pessoais, quer em termos institucionais – para que se manifeste, realmente, esse Reino de Deus tão esperado?

• De acordo com a Palavra de Deus que nos é proposta, o “Reino de Deus” exige também o “acreditar” no Evangelho. “Acreditar” não é, na linguagem neo-testamentária, a aceitação de certas afirmações teóricas ou a concordância com um conjunto de definições a propósito de Deus, de Jesus ou da Igreja; mas é, sobretudo, uma adesão total à pessoa de Jesus e ao seu projeto de vida. Com a sua pessoa, com as suas palavras, com os seus gestos e atitudes, Jesus propôs aos homens – a todos os homens – uma vida de amor total, de doação incondicional, de serviço simples e humilde, de perdão sem limites. O “discípulo” é alguém que está disposto a escutar o chamamento de Jesus, a acolher esse chamamento no coração e a seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. Estou disposto acolher o chamamento de Jesus e a percorrer o caminho do “discípulo”?

• O chamamento a integrar a comunidade do “Reino” não é algo reservado a um grupo especial de pessoas, com uma missão especial no mundo e na Igreja; mas é algo que Deus dirige a cada homem e a cada mulher, sem excepção. Todos os baptizados são chamados a ser discípulos de Jesus, a “converter-se”, a “acreditar no Evangelho”, a seguir Jesus nesse caminho de amor e de dom da vida. Esse chamamento é radical e incondicional: exige que o “Reino” se torne o valor fundamental, a prioridade, o principal objectivo do discípulo.

• O “Reino” é uma realidade que Jesus começou e que já está decisivamente implantada na nossa história. Não tem fronteiras materiais e definidas; mas está a acontecer e a concretizar-se através dos gestos de bondade, de serviço, de doação, de amor gratuito que acontecem à nossa volta (muitas vezes, até fora das fronteiras institucionais da “Igreja”) e que são um sinal visível do amor de Deus nas nossas vidas. Não é uma realidade que construímos de uma vez, mas é uma realidade sempre em construção, sempre a fazer-se, até à sua realização final, no fim dos tempos, quando o egoísmo e o pecado desaparecerem para sempre. Em cada dia que passa, temos de renovar o compromisso com o “Reino” e empenharmo-nos na sua edificação.


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 3º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. PALAVRA DE VIDA.
Troca de olhares… Diz-se muita coisas nestes olhares trocados! João Batista põe o seu olhar em Jesus e diz quem Ele é. Jesus olha André e o seu companheiro, interroga-os e convida-os a vir e a ver. Estes vêem onde Ele mora e ficam com Ele. André leva o seu irmão a Jesus que põe nele o seu olhar e dá-lhe um novo nome, o que é todo um programa. Olhares que interrogam, olhares que nomeiam, olhares que convidam, olhares que dizem a amizade. Se Jesus olha os homens, é porque Deus os olha. Deixemo-nos olhar por Deus e aceitemos olhá-l’O, olhando o seu Filho Jesus. Então pode-se estabelecer a relação.

3. UM PONTO DE ATENÇÃO.
Sublinhar a unidade das três leituras. Em cada domingo são propostos três textos diferentes, em que o primeiro e o Evangelho têm uma ligação particular. É, pois, útil sublinhar este aspecto, para que esta sucessão de leituras encontre, aos olhos dos fiéis, uma certa unidade. Na meditação da Palavra de Deus de hoje (não necessariamente na celebração da Eucaristia)m pode-se ler a primeira leitura, o salmo responsorial e o Evangelho, deixando a segunda leitura para mais tarde.

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Voltarmo-nos para Cristo… Em comunidade, é bom ouvir o apelo à conversão: as nossas maneiras de viver e de trabalhar devem também, sem cessar, ser regeneradas para melhor corresponder àquilo que Cristo espera de nós. É preciso que, juntos, nos viremos para Ele. E o Evangelho deste domingo é a ocasião para um tempo de discernimento que muito raramente fazemos.




UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
scj.lu@netcabo.pt – www.ecclesia.pt/dehonianos