quarta-feira, 31 de agosto de 2016

XXII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 01.09.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XXII Semana - Quinta-feira
Lectio

Primeira leitura: 1 Coríntios 3, 18-23

Irmãos: 18Ninguém se engane a si mesmo: se algum de entre vós se julga sábio à maneira deste mundo, torne-se louco para ser sábio. 19Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Com efeito, está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia. 20E ainda: O Senhor conhece os pensamentos dos sábios e sabe que são fúteis. 21Portanto, ninguém se glorie nos homens, pois tudo é vosso: 22Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente ou o futuro. Tudo é vosso. 23Mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus.

Paulo retoma a reflexão sobre o binómio «sabedoria-loucura» e adorna-o com referências ao Antigo Testamento. A sua atenção concentrara-se na loucura da pregação, na loucura da cruz, na loucura da fé. Agora o discurso alarga-se e aplica-se a toda a existência cristã: «viver em Cristo» comporta assumir a novidade de vida que Cristo pregou e que a sua cruz anuncia, ainda que isso pareça paradoxal e escandaloso ao mundo em que vivemos. Depois Paulo aperfeiçoa a escala dos valores, apresentando-a de modo eloquente: Tudo é vosso - Paulo refere-se a todos os crentes e a toda a comunidade dos crentes; mas vós sois de Cristo - todos, nós e vós, diz o Apóstolo, pertencemos a Cristo por meio da fé; ser de Cristo significa ter uma relação especial com Ele, por um chamamento recebido, pela Palavra escutada, pelo dom da graça acolhido; e Cristo é de Deus - é novamente reafirmado o primado de Deus Pai, origem e fim de tudo e de todos. Paulo esboça diante de nós um itinerário teológico persuasivo e englobante.


Evangelho: Lucas 5, 1-11

Naquele tempo, 1encontrando-se junto do lago de Genesaré, e comprimindo-se à volta dele a multidão para escutar a palavra de Deus, 2Jesus viu dois barcos que se encontravam junto do lago. Os pescadores tinham descido deles e lavavam as redes. 3Entrou num dos barcos, que era de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra e, sentando-se, dali se pôs a ensinar a multidão. 4Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo; e vós, lançai as redes para a pesca.» 5Simão respondeu: «Mestre, trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos; mas, porque Tu o dizes, lançarei as redes.» 6Assim fizeram e apanharam uma grande quantidade de peixe. As redes estavam a romper-se, 7e eles fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para que os viessem ajudar. Vieram e encheram os dois barcos, a ponto de se irem afundando. 8Ao ver isto, Simão caiu aos pés de Jesus, dizendo: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador.» 9Ele e todos os que com ele estavam encheram-se de espanto por causa da pesca que tinham feito; o mesmo acontecera 10a Tiago e a João, filhos de Zebedeu e companheiros de Simão.Jesus disse a Simão: «Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens.» 11E, depois de terem reconduzido os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus

Lucas realça o modo como a multidão escutava «a palavra de Deus». Deste modo, remete-nos para a comunidade eclesial que vive a sua fé colocando no centro de si mesma «a palavra de Deus» e, ao mesmo tempo, Jesus como Palavra da revelação e a pregação apostólica. Lucas também realça que Jesus, «sentando se, dali se pôs a ensinar a multidão». Também este pormenor nos leva a considerar a narração evangélica como intimamente ligada à vida da primitiva comunidade cristã, em que a passagem da evangelização à catequese era normal e permanente.
«Porque Tu o dizes, lançarei as redes»: Lucas sublinha a autoridade da palavra de Jesus. Sabemos que toda a palavra que saía da boca de Jesus, para os Apóstolos ou para a multidão, estava carregada de especial autoridade: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» (4, 36).
«Depois de terem reconduzido as barcas para terra, dei¬xaram tudo e seguiram no». Esta expressão alerta para o radicalismo evangélico. Lucas quer indicar que o seguimento de Jesus implica, não só uma opção pessoal, mas também a decisão de se desapegar de tudo aquilo que, de algum modo, possa enfraquecer a adesão a Jesus.


Meditatio

As leituras de hoje convidam-nos a ultrapassar os nossos estreitos limites humanos, para nos abrirmos à imensidade do amor de Deus.
Paulo exorta os Coríntios a irem além da sabedoria humana, que, muitas vezes, se deixar guiar por simpatias e preferências, e acaba por erguer barreiras que nos separam de Deus e uns dos outros. O Apóstolo indica-lhes horizontes bem mais amplos: «Tudo é vosso. Mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (vv. 22b-23).
O mesmo acontece no evangelho. Jesus quis que Pedro compreendesse que o apostolado não é coisa humana. A pesca milagrosa leva Pedro a ultrapassar o senso comum, a curtas vistas humanas: ao ver a pesca inesperada, o apóstolo diz: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador» (v. 8). Há pormenores que marcam este encontro entre Jesus e Simão Pedro. Facilmente reconhecemos neles aspectos importantes da nossa experiência de vida cristã. Por exemplo: a passagem da desilusão à confiança: um pescador experimentado como Pedro sabe que, depois de certas noites de faina, não tem muito a esperar; a experiência é sempre uma referência em que nos apoiamos para fazer opções ou tomar decisões. Geralmente, não estamos muito inclinados a arriscar em coisas em que já experimentamos o fracasso. Mas Pedro acredita na palavra de Jesus e confia na sua eficácia. Do espanto ao reconhecimento da sua condição de pecador: a consciência de Pedro ilumina-se no contacto com Jesus, e não só diante do milagre. É verdade que o milagre sacode as consciências e as interpela drasticamente, mas a referência principal e última é a pessoa de Jesus. Diante dele, Pedro reconhece a sua condição de pobre pecador, idêntica à dos outros. De pecador a pescador de homens: Pedro dá-se conta de que Jesus entrou na sua vida, não para o atrair, mas também para ganhar, por meio dele, outras pessoas para a novidade cristã. Dá-se uma transformação da sua qualidade de pescador. Do abandono de todo ao seguimento de Jesus: a vocação qualifica-se, não tanto pelo que deixa, mas por Aquele a Quem se adere. Também Pedro de deu conta da necessidade de deixar tudo para seguir a Cristo. E não hesitou!
Para responder à vocação, é preciso conhecer o rosto d'Aquele que chama. Toda a resposta vocacional implica um reconhecimento de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Aí, no amor dado e recebido, na identidade salvadora acolhida, pode-se dar um salto de confiança para os braços d'Aquele que chama porque se reconhece n'Ele a misericórdia e a salvação, a vida e a paz, a verdade e a beleza.
A motivação consistente para vida consagrada só pode ser Cristo e o Evangelho (cf. Mc 10, 29). Só o amor a Cristo justifica uma vida de castidade, de pobreza, de obediência, vivida em fraternidade e ao serviço da missão.
«Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem" (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança; uma fé que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo; no meio dos desafios do mundo, devemos consolidá-la, vivendo-a na caridade. Com todos os nossos irmãos cristãos confessamos, por meio do Espírito, que Cristo é o Senhor, no qual o Pai nos manifestou o seu amor e que continua presente no mundo para o salvar. "Ninguém pode dizer - Jesus é o Senhor - senão sob a acção do Espírito Santo" (1 Cor 12,3) (Cst 9).


Oratio

Seduziste-me, Senhor, e eu deixei-me seduzir. Procurava algo de significativo numa vida fácil e sem brio, no tédio mortal de muitos dias sempre iguais. O teu amor arcano e misterioso atemorizava-me e, por isso, resisti muito tempo. Agora, sinto-me rendido à tua irresistível sedução. Puseste-me numa nova forma de existência, mostrando-me uma missão que, a partir de agora, dá consistência à minha vida, mesmo no meio das dificuldades, e das contradições. Seguir-Te tornou-se uma maravilhosa oportunidade para Pedro e para mim, como para todos os que são chamados. Que a saiba aproveitar, para glória do teu Nome. Amen.


Contemplatio

A vocação sacerdotal é muitas vezes preparada por piedosos antepassados. Há muitas vezes entre as causas determinantes da nossa vocação os exemplos, as orações, os méritos de uma mãe, de uma avó ou de outros familiares. Não vemos também aqui, como prelúdio ao Ecce venio de Jesus, o Ecce Ancilla de Maria, e a vida santa e pura da Virgem imaculada, a humildade de José, pai adoptivo do Salvador, a dignidade de Santa. Ana e de S. Joaquim? Jesus quer que nós guardemos a recordação destas santas preparações. S. Paulo diz a Timóteo: «Recorda-te da fé da tua avó e da tua mãe» (2Tim 1). Muitas vezes também, houve nas gerações precedentes da família do sacerdote, outras vocações de sacerdotes, de religiosos, de religiosas. Jesus, por Maria, descendia simultaneamente da família de Judá e da tribo de Levi. Muito frequentemente os piedosos antepassados do sacerdote passaram por provações. As graças compram-se. Sta. Ana e S. Joaquim foram desprezados, Maria e José viveram na pobreza.
Se nós reconhecemos o toque divino na origem da nossa vocação, exprimamos a nossa gratidão ao divino Coração de Jesus… Regressemos em pensamento à nossa infância. Agradeçamos a Deus as graças recebidas e peçamos-Lhe perdão pelas falhas que nos escaparam.
Quais eram as disposições do Coração de Jesus durante a sua infância e a sua juventude? … Oferecia sem cessar um sacrifício perfeito ao seu Pai… Crescia em graça, crescia em sabedoria…
Perdão por todos os abusos que cometi dos vossos dons! Obrigado por todos os proveitos espirituais que deles pude colher! (Leão Dehon, OSP 2, pp. 544ss.)


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 23).

| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

terça-feira, 30 de agosto de 2016

XXII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 31.08.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XXII Semana - Quarta-feira
Lectio

Primeira leitura: 1 Coríntios 3, 1-9

Irmãos: 1Quanto a mim, irmãos, não pude falar-vos como a simples homens espirituais, mas como a homens carnais, como a criancinhas em Cristo. 2Foi leite que vos dei a beber e não alimento sólido, que ainda não podíeis suportar. Nem mesmo agora podeis, visto que sois ainda carnais. 3Pois se há entre vós rivalidades e contendas, não é porque sois carnais e procedeis de modo meramente humano? 4Quando um diz: «Eu sou de Paulo»; e outro: «Eu sou de Apolo», não estais a proceder como simples homens? 5Pois, quem é Apolo? Quem é Paulo? Simples servos, por cujo intermédio abraçastes a fé, e cada um actuou segundo a medida que o Senhor lhe concedeu. 6Eu plantei, Apolo regou, mas foi Deus quem deu o crescimento. 7Assim, nem o que planta nem o que rega é alguma coisa, mas só Deus, que faz crescer. 8Tanto o que planta como o que rega formam um só, e cada um receberá a recompensa, conforme o seu próprio trabalho. 9Pois, nós somos cooperadores de Deus, e vós sois o seu terreno de cultivo, o edifício de Deus.

Para Paulo, homens carnais são pessoas que se orientam pelas suas próprias forças, por critérios meramente humanos. Pode dizer-se que essas pessoas estão espiritualmente “subdesenvolvidas”; mesmo humanamente, ainda não experimentaram a plenitude da vida. Pelo contrário, homens espirituais são aqueles que livremente e conscientemente entraram numa nova mentalidade, num estilo de vida que partilha a novidade de Cristo.
Como se manifesta o ser carnais de alguns cristãos? Manifesta-se no criar facções, divisões, no semear discórdias e invejas. Em vez de contribuírem para construir a comunidade, tendem a destruí-la com os pensamentos que alimentam e, sobretudo, com as obras que praticam.
O Apóstolo garante que a todos é possível comportar-se como homens espirituais, desde que compreendam bem quem é Apolo e quem é Paulo: ambos são ministros, isto é, servos, simples colaboradores de Deus. Só Deus tem a iniciativa de salvar; só a Ele pertence o mérito e a honra. Há que reconhecê-lo como verdadeiro e único protagonista da salvação. Só Ele faz crescer o que os servos plantaram e regaram. Só Ele salva aqueles que, pela pregação da Palavra, se abrem ao diálogo que leva a descobrir a verdade.
Notar ainda que só Deus está sempre em primeiro lugar. Só depois vêm todos os outros. Por seu lado, Paulo está disposto a ocupar o último lugar.


Evangelho: Lucas 4, 38-44

Naquele tempo, Jesus 38deixando a sinagoga, entrou em casa de Simão. A sogra de Simão estava com muita febre, e intercederam junto dele em seu favor. 39Inclinando-se sobre ela, ordenou à febre e esta deixou-a; ela erguendo-se, começou imediatamente a servi-los. 40Ao pôr do sol, todos quantos tinham doentes, com diversas enfermidades, levavam-lhos; e Ele, impondo as mãos a cada um deles, curava-os. 41Também de muitos saíam demónios, que gritavam e diziam: «Tu és o Filho de Deus!» Mas Ele repreendia-os e não os deixava falar, porque sabiam que Ele era o Messias. 42Ao romper do dia, saiu e retirou-se para um lugar solitário. As multidões procuravam-no e, ao chegarem junto dele, tentavam retê-lo, para que não se afastasse delas. 43Mas Ele disse-lhes: «Tenho de anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.» 44E pregava nas sinagogas da Judeia.

Notamos, nesta página, dois momentos distintos: a cura da sogra de Simão; as palavras sobre a consciência que Jesus tinha da sua missão evangelizadora (v. 43). O primeiro momento revela-nos que a cura habilita ao serviço. Também nos diz que as curas dos doentes se tornam ocasião de verdadeiras profissões de fé em Cristo, mesmo que elas saíam da boca dos demónios…
Na segunda parte de texto, Lucas faz-se intérprete de dois eventos fundamentais: do facto de que a evangelização seja uma característica essencial do cristianismo e da consciência messiânica de Jesus que explode sobretudo na necessidade que lhe incumbe de anunciar o reino de Deus. Trata-se de uma necessidade providencial, porque está inscrita no projecto salvífico de Deus. Jesus não pode eximir-se a esse preciso dever, até porque qualifica a sua missão: «Para isso fui enviado» (4, 8; cfr. também Lc 10, 16).


Meditatio

Fala-se muito, hoje, de evangelização e nova evangelização, de evangelização das culturas, de inculturação da fé. Cada cristão deve estar consciente do indeclinável dever de dar testemunho do Evangelho, onde quer que viva, se encontre, trabalhe. O Vaticano II fundamenta esse dever no evento sacramental do baptismo (cfr. LG 10 e AA 3).
«É preciso que eu evangelize o reino de Deus». O objecto da missão não é a Igreja, mas o reino de Deus. A palavra “Reino de Deus” não deve ser entendida em sentido meramente local, como se devêssemos entrar num certo local, em recinto bem definido, mas em sentido espiritual para indicar, antes de mais, a soberania de Deus a que nos submetemos e a comunidade de salvação que caminha para o Reino.
«Para isso fui enviado»: é como dizer que não há evangelização sem missão. Não é indispensável uma missão apostólica. É suficiente referir-nos ao baptismo e à vocação que abraçámos. Ele dão-nos o direito não só de sermos servidores da Palavra aqui e agora, mas também as forças espirituais necessárias para essa missão.
«Evangelizar, para a Igreja, é levar a Boa Nova de Cristo a todos os sectores da Humanidade e, graças ao seu influxo, transformar a partir de dentro, tornar nova a própria humanidade» ( Paulo VI, Evangelii Nuntiandi 18).
Se a nossa experiência pessoal de fé um dia nos fez enamorar por Cristo, e demos a nossa adesão total à Sua Pessoa (cf. Cst 14), a consequência de tudo isso devia ser «o zelo pela casa do Senhor devora-nos»; toda a actividade, todo o ministério, toda a presença em qualquer ambiente deveria tornar-se evangelização convicta.
Os documentos da Congregação lembram-nos que viver a nossa Regra de vida significa viver a nossa espiritualidade como missão apostólica e que a vida religiosa, como vida comunitária, como vivência dos votos, da espiritualidade e do nosso serviço apostólico, é missão» (cf. Documenta XII, p. 51).
A Carta circular sobre o contributo SCJ para a evangelização apresenta de modo muito eficaz e concreto a missão dehoniana na preciosa e humilde realidade da vida de cada dia: «Não só as zonas de fronteira são hoje terra de missão, mas todas as nossas actividades, onde devemos ter sempre a preocupação de dar o primeiro lugar anúncio do Evangelho: formação, escola, pastoral paroquial, animação vocacional, etc.; também os anciãos e doentes podem colaborar na missão da Igreja e da Congregação, vivendo a sua oblação e colaboração na difusão da Boa Nova de Cristo, conforme a variedade dos dons recebidos do Espírito (1 Cor 12, 4-6).
Reconhecemos como parte importante da nossa missão reparadora todo o trabalho que desde os princípios da Congregação muitos de nós desenvolvem na actividade missionária, em vista do anúncio do Evangelho e em solidariedade com os povos, cuja situação é particularmente difícil»( Cf. Documenta XIV, n. 23, p. 102).


Oratio

Senhor, liberta-me da inveja que mina o meu crescimento e as minhas relações interpessoais. Desejar avidamente o que pertence aos outros cria divisões e rivalidades; liberta-me do ciúme, «icterícia da alma», sentimento que liberta frustração, cólera e rancor naqueles que desejam para si a atenção prestada aos outros.
Dá-me aquela liberdade que não teme críticas nem pretender atrair louvores, que leva à largueza de vistas e é feita de humildade, tolerância e inteligência, que está privada de interesses egoístas e acredita que todos colaboram contigo, único e verdadeiro artista.
Senhor, faz com que caminhe sempre diante de mim o teu lema trinitário: “Um por todos”. E que isso aconteça, de modo particular, no serviço da evangelização. Amen.


Contemplatio

O Evangelho é, como a sagrada Eucaristia, o sacramento do Coração de Jesus. Este divino Coração está lá, sob a letra, escondido com o seu amor e os seus tesouros de graças; as suas palavras são espírito e vida. Nós devemos amar e estudar todos os Evangelhos, mas há um pelo qual nós nos devemos apaixonar: é o de S. João. Portanto, para ter bom resultado na pregação, o principal não é estudar Massillon, Bourdaloue e Bossuet, por maioria de razão os autores absolutamente profanos como Cícero ou Quintilino. É preciso estudar o Sagrado Coração no Evangelho: está tudo aí.
Recordemo-nos das promessas feitas por Nosso Senhor àqueles que pregassem a devoção ao Sagrado Coração. Estas promessas são infalíveis. Tenhamos uma confiança absoluta. Esta confiança pode produzir milagres. «Aqueles que trabalham pela salvação das almas, dizia Nosso Senhor à Bem-Aventurada, terão a arte de tocar os corações mais endurecidos e trabalhar com um sucesso maravilhoso, se eles mesmos estiverem penetrados de uma terna devoção ao meu divino Coração».
Meditemos e desenvolvamos as belas páginas de S. João … sobre a ressurreição de Lázaro, sobre as bodas de Caná, sobre a conversão da Samaritana. Estudemos estas parábolas do Bom Mestre sobre o Bom Pastor, sobre a Vinha mística e as efusões do seu Coração no discurso depois da Ceia. Todos estes ensinamentos têm uma eficácia particular. Brotam directamente do Coração de Jesus.
Alimentar-me-ei constantemente do Evangelho, sobretudo do de S. João. Lerei com preferência os escritos dos Santos que tiveram a missão de nos revelar o Sagrado Coração. É o Coração de Jesus que eu quero fazer conhecer e amar ao exercer o apostolado (Leão Dehon, OSP 2, pp. 262s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Somos colaboradores de Deus» (1 Cor 3, 9).

| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

XXII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 30.08.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XXII Semana - Terça-feira
Lectio

Primeira leitura: 1 Coríntios 2, 10b-16

Irmãos: o Espírito tudo penetra, até as profundidades de Deus. 11Quem, de entre os homens, conhece o que há no homem, senão o espírito do homem que nele habita? Assim também, as coisas que são de Deus, ninguém as conhece, a não ser o Espírito de Deus. 12Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para podermos conhecer os dons da graça de Deus. 13E deles não falamos com palavras que a sabedoria humana ensina, mas com as que o Espírito inspira, falando de realidades espirituais em termos espirituais. 14O homem terreno não aceita o que vem do Espírito de Deus, pois é uma loucura para ele. Não o pode compreender, pois só de modo espiritual pode ser avaliado. 15Pelo contrário, o homem espiritual julga todas as coisas e a ele ninguém o pode julgar. 16Pois quem conheceu o pensamento do Senhor, para poder instruí-lo? Mas nós temos o pensamento de Cristo.

Paulo afirma que ninguém, pelas suas próprias forças, pode conhecer a Deus e o mistério da salvação que oferece a todos. Tudo é graça, e só pela graça podemos participar na salvação. A revelação do Pai tornou possível conhecermos a Deus e ao seu desígnio de salvação. Por Cristo, ficámos a conhecer os segredos de Deus e, com a ajuda do Espírito Santo, conseguimos balbuciar algo do que se refere à vida em Deus. Recebemos o Espírito que vem de Deus, o dom por excelência, que traz consigo o dom da sapiência. Assim, podemos entrar em sintonia com a mensagem revelada. Quem não acolher esse dom, não poderá saborear nem compreender o mistério, os segredos de Deus. E pode mesmo escandalizar-se. O que seria sabedoria, torna-se simplesmente loucura. Finalmente também temos «o pensamento do Senhor», isto é, somos iluminados pelo Evangelho acerca daquilo que agrada a Deus. Tudo isso se realizou em Cristo Jesus: na sua vida terrena e concretamente na sua morte e ressurreição.


Evangelho: Lucas 4, 31-37

Naquele tempo, Jesus 31desceu a Cafarnaúm, cidade da Galileia, e a todos ensinava ao sábado. 32E estavam maravilhados com o seu ensino, porque falava com autoridade. 33Encontrava-se na sinagoga um homem que tinha um espírito demoníaco, o qual se pôs a bradar em alta voz: 34«Ah! Que tens que ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus!» 35Jesus ordenou-lhe: «Cala-te e sai desse homem!» O demónio, arremessando o homem para o meio da assistência, saiu dele sem lhe fazer mal algum. 36Dominados pelo espanto, diziam uns aos outros: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» 37A sua fama espalhou-se por todos os lugares daquela região.

A distância entre Nazaré e Cafarnaúm é relativamente curta. Jesus percorre-a para a anunciar e curar. Para Lucas, são esses os modos como Jesus mostra a autoridade de que está revestido. A palavra de Jesus é eficaz: realiza o que significa. Os gestos terapêuticos de Jesus levam conforto e vida a todos os que deles precisam.
Palavras e gestos são os elementos que ligam todo o Evangelho (cf. Lc 24, 19 onde se fala de «Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo»; Act 1,1: «No meu primeiro livro, ó Teófilo, narrei as obras e os ensinamentos de Jesus, desde o princípio»). Esta página, que se refere ao início do ministério público de Jesus, confirma-o. Jesus quer se escutado e acolhido por todos e cada um dos homens: por isso lhes fala ao coração e lhes cura o corpo. É uma intervenção libertadora que revela a eficácia da palavra de Jesus. O texto de hoje apresenta-nos um pobre doente que é libertado de um espírito maligno. Começa o choque frontal entre Jesus e o demónio. Esse choque é preciso para que Jesus se revele como salvador, isto é, como aquele que redime os que estão sob o domínio de Satanás e resgata para Deus e para o seu reino.
A intervenção de Jesus tem dois efeitos colaterais: suscita espanto em alguns e faz com que a sua fama se espalhe na região.


Meditatio

Que significa a expressão: Mas nós temos o pensamento de Cristo. Será que conhecemos o seu pensamento? À luz de Is 40, 13, ninguém pode dizer que conhece o pensamento do Senhor-Deus. Estamos aqui diante da teologia apofática – que prefere calar do que dizer coisas sobre Deus – cultivada pelos místicos e contemplativos. Mas a referência a Is. 64, 3, que encontramos em 2, 9, faz-nos saber que Deus preparou (isto é, revelou) coisas que jamais alguém viu ou ouviu, para aqueles que O amam. A benevolência divina tornou possível ao homem o que era impossível. Abre-se diante de nós um caminho novo de conhecimento. Os dons de Jesus, especialmente o dom do seu Espírito, rasga um novo horizonte em que podemos saber o que agrada a Deus e reconhecê-lo com alegria interior. Como filhos no Filho, como ouvintes da Palavra, como discípulos do Evangelho, podemos dizer com S. Paulo: nós temos o pensamento de Cristo. Não o descobrimos engenhosamente. Acolhemo-lo com alegria. Na linha de Is. 55, 9, podemos dizer que os pensamentos de Cristo não são os nossos pensamentos e que os nossos caminhos não são os seus caminhos. Todavia, apoiando-nos em Paulo, podemos ter certezas mais sólidas do que a rocha.
Há tempos, na nossa vida, que são particularmente propícios para acolher e se deixar conduzir pelo Espírito Santo, e adquirir certezas que sejam fundamento sólido para toda a nossa vida cristã, religiosa, sacerdotal, para o nosso apostolado. Pode ser o tempo de férias, o tempo dedicado a um retiro espiritual, o tempo de formação à vida religiosa, ao sacerdócio. Para os religiosos tem particular importância o noviciado. As certezas, que todos procuramos, por vezes com angústia, não se adquirem com cálculos humanos ou garantias exteriores. Elas são fruto do Espírito que o Pai dá «àqueles que lho pedem!» (Lc 11, 13). É o Espírito de amor, o Espírito Santo, que realiza a promessa de Jesus: «Ele há-de ensinar-vos todas as coisas e há-de recordar-vos tudo aquilo que eu vos disse» (Jo 14, 26); «Há-de guiar-vos para a verdade perfeita... Ele há-de glorificar-me, porque tomará do que é Meu e vo-lo anunciará» (Jo 16, 13-14).
Só o Espírito nos pode ensinar «todas as coisas», também sobre o mistério do pensamento de Cristo. Só Ele nos pode conduzir à «verdade perfeita». Só Ele nos pode «recordar», isto é, actualizar na nossa vida, tudo quanto Jesus ensinou e fez.
O Espírito está na origem da nossa Congregação (Cst. 1), está presente no seu desenvolvimento (Cst. 15); faz-nos penetrar no mistério de Cristo (Cst. 16), faz-nos realizar a nossa missão de amor e de reparação (Cst. 23). O nosso celibato é abertura ao Espírito (Cst. 42), a nossa obediência é atenção ao Espírito (Cst. 57), a nossa vida comunitária é dom do Espírito (Cst. 59), a nossa oração é acolhimento do Espírito (Cst. 78).
Que mais te dizem as Leituras de hoje, no momento e na situação em que te encontras? Que luz dão à tua vida, às tuas preocupações, aos teus sonhos e projectos?


Oratio

Senhor, os teus desígnios são insondáveis! Escolheste um assassino, como Paulo, para anunciar o teu nome, tomaste um pecador como Pedro para o tornar chefe da Igreja, socorreste uma adúltera para manifestar a tua misericórdia. Como são misteriosos os teus caminhos, ó Senhor! Agostinho permanece um exemplo de conversão para aqueles que estão atormentados e empedernidos no mal; Francisco, de libertino, torna-se promotor de paz.
Ó Senhor, os teus gestos são loucos para a sabedoria humana! Assumes a fraqueza de uma criança para destruir os poderosos; dás a outra face a quem te bate e perdoas a quem Te ofende; morres para dar a vida e a salvação.
Também eu, na situação concreta em que me encontro, à luz do teu Espírito, posso dar-me conta do teu amor e dizer-Te: «Tudo é graça». Amen.


Contemplatio

Para aquele que compreende, para aquele que o Espírito Santo ilumina, vigilanti, como diz Santo Agostinho, é a porta da vida que se abre, é o segredo de Deus que é revelado. O Coração ferido de Jesus significa que é por amor por nós, unicamente por amor, que Ele fez tudo o que fez, que viveu entre nós, que morreu por nós e que ainda vive por nós no céu e na santa Eucaristia. A lança repete à sua maneira aquilo que o Salvador tinha dito a Nicodemos: «Sic Deus dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret: Deus amou-nos até ao ponto de nos dar o seu Filho único». Fê-lo nossa propriedade; tudo nos pertence, os seus méritos, os seus mistérios, a sua vida, a sua morte, a sua graça, a sua glória e sobretudo o seu amor. Porque, repete ainda S. João, aqueles que Jesus amou, amou-os até ao fim, isto é, sem fim e sem medida.
Eis porque a lança abriu o seu Coração material, a fim de nos fazer conhecer a ferida do seu Coração espiritual, do seu amor que foi o obreiro da nossa salvação e da nossa Redenção. No momento da morte do Salvador, o véu do Santo dos Santos rasgou-se. Isto significava o mesmo mistério que o golpe da lança.
Jesus Cristo é o templo de Deus e o seu Coração é o Santo dos Santos, o altar do amor onde se operaram todos os mistérios e todos os sacrifícios. Tal é o significado primeiro da abertura do Coração adorável de Jesus. Este mistério ultrapassa todos os outros, porque a todos os contém. Que seria a oblação do Salvador, a sua vida, a sua imolação sobre a cruz, a sua morte mesma, se estes augustos mistérios não tirassem toda a sua seiva do seu Coração? (Leão Dehon, OSP 2, p. 380).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Nós temos o pensamento de Cristo» (1 Cor 2, 16).

| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

domingo, 28 de agosto de 2016

XXII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 29.08.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XXII Semana - Segunda-feira
Lectio

Primeira leitura: 1 Coríntios 2, 1-5

Irmãos: 1Eu mesmo, quando fui ter convosco, irmãos, não me apresentei com o prestígio da linguagem ou da sabedoria, para vos anunciar o mistério de Deus. 2Julguei não dever saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. 3Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de grande temor. 4A minha palavra e a minha pregação nada tinham dos argumentos persuasivos da sabedoria humana, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, 5para que a vossa fé não se baseasse na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus.

Paulo chama a atenção da comunidade de Corinto, ameaçada na sua fé por princípios da mentalidade greco-pagã, para a centralidade do mistério pascal de Cristo. O essencial para a salvação é acreditar em Cristo, morto e ressuscitado: «Julguei não dever saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado». A mediação histórica para acolher a salvação é a pregação, que se caracteriza pela fraqueza humana: «Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de grande temor». É a fé, como acolhimento da Palavra da cruz, que revela o poder de Deus que salva. Não há outro caminho. Paulo afirma-o com a força da sua autoridade, procurando reconduzir ao bom caminho os cristãos de Corinto que tinham assumido práticas contrárias ao que é próprio da fé em Cristo. Os eventos salvíficos ordenam-se do seguinte modo: Cristo crucificado, pregação apostólica, fé como adesão a Cristo e ao seu mistério pascal.


Evangelho: Lucas 4, 16-30

Naquele tempo, Jesus 16Veio a Nazaré, onde tinha sido criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler. 17Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito: 18«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, 19a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.» 20Depois, enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21Começou, então, a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» 22Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam com as palavras repletas de graça que saíam da sua boca. Diziam: «Não é este o filho de José?» 23Disse-lhes, então: «Certamente, ides citar-me o provérbio: ‘Médico, cura-te a ti mesmo.’ Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaúm, fá-lo também aqui na tua terra.» 24Acrescentou, depois: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. 25Posso assegurar-vos, também, que havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; 26contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas sim a uma viúva que vivia em Sarepta de Sídon. 27Havia muitos leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi purificado senão o sírio Naaman.» 28Ao ouvirem estas palavras, todos, na sinagoga, se encheram de furor. 29E, erguendo-se, lançaram-no fora da cidade e levaram-no ao cimo do monte sobre o qual a cidade estava edificada, a fim de o precipitarem dali abaixo. 30Mas, passando pelo meio deles, Jesus seguiu o seu caminho.

A pregação de Jesus começa com um rito na sinagoga: levanta-se, vai ler, é-Lhe dado o rolo, abre-o… É um momento solene que Lucas sublinha. Jesus proclama a página profética e interpreta-a: «Cum¬priu se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» Jesus é o profeta prometido. O tempo presente é o Kairós – o tempo providencial – que é preciso acolher. Os ouvintes reagem manifestando espanto pelas palavras de Jesus e pelo modo como as pronuncia: palavras repletas de graça. Alguns reagem negativamente, de modo crítico e mesmo agressivo contra Jesus. A proposta da salvação provoca reacções diferentes e, por vezes, opostas.


Meditatio

Os Coríntios tinham caído naquilo a que se chama o culto da personalidade, ou de várias personalidades, criando divisões na comunidade. Para tentar remediar a situação, Paulo recorda-lhes que a fé não se baseia nas habilidades retóricas deste ou daquele pregador, nem sobre a capacidade dialéctica de um pensador, mas na intervenção de Deus na história humana. É certo que a pregação é essencial para desencadear a caminhada da fé, que leva à salvação. Mas ela é, antes de mais, um evento de graça.
Como os habitantes de Corinto, como os contemporâneos de Elias e de Eliseu, como os contemporâneos de Jesus, também nós somos postos perante um evento que não é simplesmente humano pois, apesar da sua simplicidade, ou mesmo da sua fraqueza, traz consigo uma mensagem e uma graça que vem de Deus. A pregação cristã apoia-se nas profecias do Antigo Testamento, mas assenta no presente histórico: «Cum-priu se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» A referência ao passado é memória actualizante de algumas profecias que contêm uma promessa divina. Do mesmo modo, a referência ao presente histórico não é violência à liberdade de cada um, mas convite a não desperdiçar, por preguiça ou superficialidade, a palavra de Deus. A pregação apostólica está no começo de toda a caminha da fé. Paulo dá pistas para essa caminha nos primeiros capítulos da 1Tess. Será oportuno lê-los. De qualquer modo, aqui fica um trecho: «Damos continuamente graças a Deus, porque, tendo recebido a palavra de Deus, que nós vos anunciámos, vós a acolhestes não como palavra de homens, mas como ela é verdadeiramente, palavra de Deus, a qual também actua em vós que acreditais» (1 Tess 2, 13).
A escuta-acolhimento da pregação, leva a acreditar, isto é, à fé-adesão a Cristo, o Filho de Deus: “A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim" (Gal 2, 20). Esta "fé do Filho de Deus" é a fonte da "experiência de fé do Pe. Dehon", disposto a fazer em tudo a vontade do Pai e a realizar a missão que lhe foi confiada. O "Ecce venio" (Heb 10, 7) é o mote preferido pelo Pe. Dehon. Pronuncia-o em todos os momentos da sua vida, particularmente nos mais dolorosos, quando é chamado a viver o mistério da paixão e da morte. Anima-o uma intensa contemplação do Coração de Jesus. Vê n´Ele «a expressão mais evocadora de um amor, cuja presença activa experimenta na sua vida» (Cst 2) e «a própria fonte da salvação» (Cst 2).
Também para nós, a pregação há-de levar-nos à fé, isto é uma “adesão” que nos conduza à identificação com Cristo, à vivência da sua vida, dos seus “mistérios”, dos seus sentimentos até podermos dizer como Paulo: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20).


Oratio

Senhor Jesus, ontem falaste mas, surdos à tua mensagem de salvação, «todos, na sinagoga, se encheram de furor». Hoje, voltas a falar para proclamar o amor do Pai que liberta da opressão, mas poucos Te escutam e aceitam. Falarás amanhã e novamente as tuas palavras serão incómodas, e muitos procurarão afastar-Te. Porquê?
A tua Palavra, Senhor, só é acolhida por corações abertos ao Espírito e à surpresa do teu Evangelho. Que, ao anunciar-Te, eu tenha um coração impregnado de verdade, livre de medos, de interesses pessoais, de pressões inúteis. Que e minha única preocupação seja dar a conhecer o Pai e o seu amor sem limites pela humanidade. Suscita naqueles a quem sou enviado o desejo de Te conhecer. A tua Palavra tem o poder de curar, de transformar e de fazer maravilhas.
Que o meu coração, e o coração de todos os homens, a quem me envias a semear a Palavra, se tornem terra boa, onde ela cresça e dê muito fruto. Amen.


Contemplatio

Nosso Senhor ensina-no-la (a sua doutrina) aplicando a si mesmo estas palavras de Isaías: «Spiritus Domini super me, eo quod unxit me (Lc 5, 18); o espírito de força e de amor repousa sobre mim, e encheu o meu coração com uma unção inefável». Portanto, a pregação do Sagrado Coração está cheia de caridade, deste amor inefável, tão terno e tão forte, que entusiasmava todos aqueles que o escutavam e levava-os a dizer: «Ninguém falou como este homem». «Speciosus forma prae filiis hominum; diffusa est gratia in labiis tuis: Este homem é entre todos amável; a graça está nos seus lábios». Entremos, portanto, no Sagrado Coração, tomemos o seu amor pata pregarmos o amor aos homens. Imitemos neste ponto, como em todos os outros, o apóstolo João.
Isaías descreve-nos o apostolado do Salvador: «Evangelizare pauperibus misit me». Pregar aos pobres! Eis o que deseja este Coração que ama os pequenos, os fracos e as crianças. Ou qual é a qualidade que daí segue, senão a simplicidade? Simplicidade na expressão, simplicidade na ideia, o que não exclui a grandeza; que de mais simples e de mais sublime do que o Evangelho? Nós devemos, portanto, abandonar a eloquência mundana e teatral dos pregadores modernos para tomar a do Santo Evangelho e dos Padres.
«Sanare contritos corde», isto é, consolar os aflitos. Aqui está um ponto de vista que a nossa pregação dura e mundana ignora absolutamente, mas que o Sagrado Coração, que é a consolação por excelência, não saberia ignorar. E como consolar os aflitos? Não é com banalidades, mas abrindo-lhes o Sagrado Coração, inspirando-lhes uma confiança n’Ele absoluta, inteira e inalterável.
«Praedicare captivis remissionem et caecis visum, dimittere confractos in remissionem: Pregar a libertação aos cativos, aos feridos a cura». Com estas palavras, Nosso Senhor designa a classe inumerável dos pecadores. Trata-se de quebrar pela palavra as cadeias dos cativos, de abrir os olhos dos cegos, de dar a saúde aos doentes. Ah! A grande a nobre missão! Procuremos inspirar aos pecadores o desejo de amar o Sagrado Coração, impelamo-los à oração, a gemer diante d’Ele por causa das suas misérias, e a sua graça será mais poderosa do que todas as nossas palavras.
«Praedicare annum Domini acceptum et diem retributionis». Pregar o grande jubileu do amor e da misericórdia, é a devoção ao Sagrado Coração que nos é necessário anunciar a todos de maneira que ela inflame os corações de todos. É para nós o primeiro dos deveres, que nós cumpriremos bem, se nós mesmos, estivermos cheios de um amor terno e generoso para com o Sagrado Coração (Sl 61). (Leão Dehon, OSP 2, p. 260s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» (Lc 7, 16).

| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

sábado, 27 de agosto de 2016

22º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 28.08.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
ANO C
22º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Tema do 22º Domingo do Tempo Comum

A liturgia deste domingo propõe-nos uma reflexão sobre alguns valores que acompanham o desafio do “Reino”: a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado.
O Evangelho coloca-nos no ambiente de um banquete em casa de um fariseu. O enquadramento é o pretexto para Jesus falar do “banquete do Reino”. A todos os que quiserem participar desse “banquete”, Ele recomenda a humildade; ao mesmo tempo, denuncia a atitude daqueles que conduzem as suas vidas numa lógica de ambição, de luta pelo poder e pelo reconhecimento, de superioridade em relação aos outros… Jesus sugere, também, que para o “banquete do Reino” todos os homens são convidados; e que a gratuidade e o amor desinteressado devem caracterizar as relações estabelecidas entre todos os participantes do “banquete”.
Na primeira leitura, um sábio dos inícios do séc. II a.C. aconselha a humildade como caminho para ser agradável a Deus e aos homens, para ter êxito e ser feliz. É a reiteração da mensagem fundamental que a Palavra de Deus hoje nos apresenta.
A segunda leitura convida os crentes instalados numa fé cómoda e sem grandes exigências, a redescobrir a novidade e a exigência do cristianismo; insiste em que o encontro com Deus é uma experiência de comunhão, de proximidade, de amor, de intimidade, que dá sentido à caminhada do cristão. Aparentemente, esta questão não tem muito a ver com o tema principal da liturgia deste domingo; no entanto, podemos ligar a reflexão desta leitura com o tema central da liturgia de hoje – a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado – através do tema da exigência: a vida cristã – essa vida que brota do encontro com o amor de Deus – é uma vida que exige de nós determinados valores e atitudes, entre os quais avultam a humildade, a simplicidade, o amor que se faz dom.


LEITURA I – Sir 3,19-21.30-31

Leitura do Livro do Ben-Sirá

Filho, em todas as tuas obras procede com humildade
e serás mais estimado do que o homem generoso.
Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te
e encontrarás graça diante do Senhor.
Porque é grande o poder do Senhor
e os humildes cantam a sua glória.
A desgraça do soberbo não tem cura,
porque a árvore da maldade criou nele raízes.
O coração do sábio compreende as máximas do sábio
e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria.

AMBIENTE

Estamos no início do séc. II a.C., quando os selêucidas dominavam a Palestina. O helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Muitos judeus – incluindo membros de famílias de origem sacerdotal – deixavam-se seduzir pelo brilho da cultura helénica, começavam a abandonar os valores dos pais e a aderir aos valores da cultura invasora…
Jesus Ben Sira é, no entanto, um judeu tradicional, orgulhoso da sua fé e dos valores israelitas. Consciente de que o helenismo ameaçava as raízes do seu Povo, vai escrever para defender o património religioso e cultural do judaísmo. Procura convencer os seus compatriotas de que Israel possui, na sua “Torah” revelada por Deus, a verdadeira “sabedoria” – uma “sabedoria” muito superior à “sabedoria” grega. Aos israelitas seduzidos pela cultura grega, Jesus Ben Sira lembra a herança comum, procurando sublinhar a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.
O texto que nos é proposto pertence à primeira parte do livro (cf. Ben Sira 1,1-23,38). Aí fala-se da “sabedoria”, criada por Deus e oferecida a todos os homens. Nesta parte, dominam os “ditos” e “provérbios” que ensinam a arte de bem viver e de ser feliz.

MENSAGEM

O texto apresenta-se como uma “instrução” que um pai dá ao seu filho. O tema fundamental desta “instrução” é o da humildade.
Para Jesus Ben Sira, a humildade é uma das qualidades fundamentais que o homem deve cultivar. Garantir-lhe-á estima perante os homens e “graça diante do Senhor”. Não se trata de uma forma de estar e de se apresentar reservada aos mais pobres e menos preparados; mas trata-se de algo que deve ser cultivado por todos os homens, a começar por aqueles que são considerados mais importantes. O autor não entra em grandes pormenores; limita-se a afirmar a importância da humildade e a propô-la, sem grandes desenvolvimentos nem explicações. O “sábio” autor destas “máximas” não tem dúvida de que é na humildade e na simplicidade que reside o segredo da “sabedoria”, do êxito, da felicidade.

ACTUALIZAÇÃO

Para a reflexão e partilha, considerar os seguintes dados:

¨ Ser humilde significa assumir com simplicidade o nosso lugar, pôr a render os nossos talentos, mas sem nunca humilhar os outros ou esmagá-los com a nossa superioridade. Significa pôr os próprios dons ao serviço de todos, com simplicidade e com amor. Quando somos capazes de assumir, com simplicidade e desprendimento, o nosso papel, todos reconhecem o nosso contributo, aceitam-nos, talvez nos admirem e nos amem… É aí que está a “sabedoria”, quer dizer, o segredo do êxito e da felicidade.

¨ Ser soberbo significa que “a árvore da maldade criou raízes” no homem. O homem que se deixa dominar pelo orgulho torna-se egoísta, injusto, auto-suficiente e despreza os outros. Deixa de precisar de Deus e dos outros homens; olha todos com superioridade e pratica, com frequência, gestos de prepotência que o tornam temido, mas nunca admirado ou amado. Vive à parte, num egoísmo vazio e estéril. Embora seja conhecido e apareça nas colunas sociais, está condenado ao fracasso. É o “anti-sábio”.

¨ É preciso que os dons que possuímos não nos subam à cabeça, não nos levem a poses ridículas de orgulho, de superioridade, de desprezo pelos nossos irmãos. É preciso reconhecer, com simplicidade, que tudo o que somos e temos é um dom de Deus e que as nossas qualidades não dependem dos nossos méritos, mas do amor de Deus.


SALMO REPONSORIAL – Salmo 67 (68)

Refrão: Na vossa bondade, Senhor,
 preparastes uma casa para o pobre.

Os justos alegram-se na presença de Deus,
exultam e transbordam de alegria.
Cantai a Deus, entoai um cântico ao seu nome;
o seu nome é Senhor: exultai na sua presença.

Pai dos órfãos e defensor das viúvas,
é Deus na sua morada santa.
Aos abandonados Deus prepara uma casa,
conduz os cativos à liberdade.

Derramastes, ó Deus, uma chuva de bênçãos,
restaurastes a vossa herança enfraquecida.
A vossa grei estabeleceu-se numa terra
que a vossa bondade, ó Deus, preparara ao oprimido.


LEITURA II – Heb 12,18-19.22-24a

Leitura da Epístola aos Hebreus

Irmãos:
Vós não vos aproximastes de uma realidade sensível,
como os israelitas no monte Sinai:
o fogo ardente, a nuvem escura,
as trevas densas ou a tempestade,
o som da trombeta e aquela voz tão retumbante
que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais.
Vós aproximastes-vos do monte Sião,
da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste,
de muitos milhares de Anjos em reunião festiva,
de uma assembleia de primogénitos inscritos no Céu,
de Deus, juiz do universo,
dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição
e de Jesus, mediador da nova aliança.

AMBIENTE

Estamos na quinta parte da Carta aos Hebreus (cf. 12,14-13,19). Depois de pedir a perseverança e a constância nas provas (cf. Heb 12,1-13), o autor vai pedir uma conduta consequente com a fé cristã: os crentes são exortados a manter e cultivar relações harmoniosas, adequadas, justas, para com os homens e para com Deus.
Neste texto, em concreto, o autor convida os destinatários da carta à fidelidade à vocação cristã. Para isso, estabelece um paralelo entre a antiga religião (que os destinatários da carta conheciam bem) e a nova proposta de salvação que Cristo veio apresentar. Os crentes são, assim, convidados a redescobrir a novidade do cristianismo – essa novidade que, um dia, os atraiu e motivou – e a aderir a ela com entusiasmo… Recordemos – para que as coisas façam sentido – que o escrito se destina a uma comunidade instalada, preguiçosa, que precisa descobrir os fundamentos reais da sua fé e do seu compromisso, a fim de enfrentar – com coragem e com êxito – os tempos difíceis de perseguição e de martírio que se aproximam.

MENSAGEM

O autor estabelece um profundo contraste entre a experiência de comunhão com Deus que Israel fez no Sinai e a experiência cristã.
A experiência do Sinai é descrita como uma experiência religiosa que gerou medo, opressão, mas não relação pessoal, proximidade, amor, comunhão, intimidade, confiança – nem com Deus, nem com os outros membros da comunidade do Povo de Deus. O quadro da revelação do Sinai é um quadro terrífico, que não fez muito para aproximar os homens de Deus, num verdadeiro encontro alicerçado no amor e na confiança. Por isso, não há que lamentar o desaparecimento de um tal sistema.
Na experiência cristã, em contrapartida, não há nada de assustador, de terrível, de opressivo. Pelo Baptismo, os cristãos aproximaram-se do próprio Deus, numa experiência de proximidade, de comunhão, de intimidade, de amor verdadeiro… A experiência cristã é, portanto, uma experiência festiva, de verdadeira alegria. Por essa experiência, os cristãos associaram-se a Deus, o santo, o juiz do universo, mas também o Deus da bondade e do amor; foram incorporados em Cristo, o mediador da nova aliança, irmanados com Ele, tornados co-herdeiros da vida eterna; associaram-se aos anjos, numa existência de festa, de louvor, de acção de graças, de adoração, de contemplação; associaram-se aos outros justos que atingiram a vida plena, numa comunhão fraterna de vida e de amor.
A questão que fica no ar – mesmo se não é formulada explicitamente – é: não vale a pena apostar incondicionalmente nesta experiência e vivê-la com entusiasmo?

ACTUALIZAÇÃO

A reflexão e a actualização podem fazer-se a partir das seguintes linhas:

¨ A questão fundamental deste texto e do ambiente que o enquadra é propor-nos uma redescoberta da nossa fé e do sentido das nossas opções, a fim de superarmos a instalação, o comodismo e a preguiça que nos levam, tantas vezes, a uma caminhada cristã morna, sem exigências, sem compromissos, que facilmente cede e recua quando aparecem as dificuldades e os desafios…

¨ Jesus intimou-nos a superar a perspectiva de um Deus terrível, opressor, vingativo, de Quem o homem se aproxima com medo; em seu lugar, Ele apresentou-nos a religião de um Deus que é Pai, que nos ama, que nos convoca para a comunhão com Ele e com os irmãos e que insiste em associar-nos como “filhos” à sua família. Tenho consciência de que este é o verdadeiro rosto de Deus e que o Deus terrível, de quem o homem não se pode aproximar, é uma invenção dos homens?


ALELUIA – Mt 11,29ab

Aleluia. Aleluia.

Tomai o meu jugo sobre vós, diz o Senhor,
e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração.


EVANGELHO – Lc 14,1.7-14

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
Jesus entrou, a um sábado,
em casa de um dos principais fariseus
para tomar uma refeição.
Todos O observavam.
Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares,
Jesus disse-lhes esta parábola:
«Quando fores convidado para um banquete nupcial,
não tomes o primeiro lugar.
Pode acontecer que tenha sido convidado
alguém mais importante que tu;
então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer:
‘Dá o lugar a este’;
e ficarás depois envergonhado,
se tiveres de ocupar o último lugar.
Por isso, quando fores convidado,
vai sentar-te no último lugar;
e quando vier aquele que te convidou, dirá:
‘Amigo, sobre mais para cima’;
ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados.
Quem se exalta será humilhado
e quem se humilha será exaltado».
Jesus disse ainda a quem O tinha convidado:
«Quando ofereceres um almoço ou um jantar,
não convides os teus amigos nem os teus irmãos,
nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos,
não seja que eles por sua vez te convidem
e assim serás retribuído.
Mas quando ofereceres um banquete,
convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos;
e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te:
ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.

AMBIENTE

Esta etapa do “caminho de Jerusalém” põe Jesus à mesa, em dia de sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus. Deve tratar-se da refeição solene de sábado, que se tomava por volta do meio-dia, ao voltar da sinagoga. Para ela deviam convidar-se os hóspedes; durante a refeição, continuava-se a discussão sobre as leituras escutadas durante o ofício sinagogal.
Lucas é o único evangelista que mostra os fariseus tão próximos de Jesus que até o convidam para casa e se sentam à mesa com Ele (cf. Lc 7,36; 11,37). É provável que se trate de uma realidade histórica, embora Marcos e Mateus apresentem os fariseus como os adversários por excelência de Jesus (Mateus apresenta tal quadro influenciado, sem dúvida, pelas polémicas da Igreja primitiva com os fariseus).
Os fariseus formavam um dos principais grupos religioso-políticos da sociedade palestina desta época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todos os passos religiosos dos israelitas. A sua preocupação fundamental era transmitir a todos o amor pela Torah, quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao absolutizarem a Lei, esqueciam as pessoas e passavam por cima do amor e da misericórdia. Ao considerarem-se a si próprios como “puros” (porque viviam de acordo com a Lei), desprezavam o “am aretz” (o “povo do país”) que, por causa da ignorância e da vida dura que levava, não podia cumprir integralmente os preceitos da Lei. Conscientes das suas capacidades, da sua integridade, da sua superioridade, não eram propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique o ambiente de luta pelos lugares de honra que o Evangelho refere.
Convém, também, ter em conta que estamos no contexto de um “banquete”. O “banquete” é, no mundo semita, o espaço do encontro fraterno, onde os convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece, muitas vezes, envolvido em banquetes, não porque fosse “comilão e bêbedo” (cf. Mt 11,19), mas porque, ao ser sinal de comunhão, de encontro, de familiaridade, o banquete anuncia a realidade do “reino”.

MENSAGEM

O texto apresenta duas partes. A primeira (vers. 7-11) aborda a questão da humildade; a segunda (vers 12-14) trata da gratuidade e do amor desinteressado. Ambas estão unidas pelo tema do “Reino”: são atitudes fundamentais para quem quiser participar no banquete do “Reino”.
As palavras que Jesus dirigiu aos convidados que disputavam os lugares de honra não são novidade, pois já o Antigo Testamento aconselhava a não ocupar os primeiros lugares (cf. Prov 25,6-7); mas o que aí era uma exortação moral, nas palavras de Jesus converte-se numa apresentação do “Reino” e da lógica do “Reino”: o “Reino” é um espaço de irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os outros; quem quiser entrar nele, tem de fazer-se pequeno, simples, humilde e não ter pretensões de ser melhor, mais justo, ou mais importante que os outros. Esta é, aliás, a lógica que Jesus sempre propôs aos seus discípulos: Ele próprio, na “ceia de despedida”, comida com os discípulos na véspera da sua morte, lavou os pés aos discípulos e constituiu-os em comunidade de amor e de serviço – avisando que, na comunidade do “Reino”, os primeiros serão os servos de todos (cf. Jo 13,1-17).
Na segunda parte, Jesus põe em causa – em nome da lógica do “Reino” – a prática de convidar para o banquete apenas os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos ricos. Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados para a mesa. Nas suas refeições, não convinha haver alguém de nível menos elevado, pois a “comunidade de mesa” vinculava os convivas e não convinha estabelecer obrigatoriamente laços com gente desclassificada e pecadora (por exemplo, nenhum fariseu se sentava à mesa com alguém pertencente ao “am aretz”, ao “povo da terra”, desclassificado e pecador). Por outro lado, também os fariseus tinham a tendência – própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas – de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma… A questão é que, dessa forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor desinteressado.
Jesus denuncia – em nome do “Reino” – esta prática; mas vai mais além e apresenta uma proposta verdadeiramente subversiva… Segundo Ele, é preciso convidar “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos”. Os cegos, coxos e aleijados eram considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus, e por isso estavam proibidos de entrar no Templo (cf. 2 Sm 5,8) para não profanar esse lugar sagrado (cf. Lv 21,18-23). No entanto, são esses que devem ser os convidados para o “banquete”. Já percebemos que, aqui, Jesus já não está simplesmente a falar dessa refeição comida em casa de um fariseu, na companhia de gente distinta; mas está já a falar daquilo que esse “banquete” anuncia e prefigura: o banquete do “Reino”.
Jesus traça aqui, portanto, os contornos do “Reino”. Ele é apresentado como um “banquete”, onde os convidados estão unidos por laços de familiaridade, de irmandade, de comunhão. Para esse “banquete”, todos – sem excepção – são convidados (inclusive àqueles que a cultura social e religiosa tantas vezes exclui e marginaliza). As relações entre os que aderem ao banquete do “Reino” não serão marcadas pelos jogos de interesses, mas pela gratuidade e pelo amor desinteressado; e os participantes do “banquete” devem despir-se de qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.

ACTUALIZAÇÃO

Para a reflexão, considerar as seguintes linhas:

¨ Na nossa sociedade, agressiva e competitiva, o valor da pessoa mede-se pela sua capacidade de se impor, de ter êxito, de triunfar, de ser o melhor… Quem tem valor é quem consegue ser presidente do conselho de administração da empresa aos trinta e cinco anos, ou o empregado com mais índices de venda, ou o condutor que, na estrada, põe em risco a sua vida, mas chega uns segundos à frente dos outros… Todos os outros são vencidos, incapazes, fracos, olhados com comiseração. Vale a pena gastar a vida assim? Estes podem ser os objectivos supremos, que dão sentido verdadeiro à vida do homem?

¨ A Igreja, fruto do “Reino”, deve ser essa comunidade onde se torna realidade a lógica do “Reino” e onde se cultivam a humildade, a simplicidade, o amor gratuito e desinteressado. É-o, de facto?

¨ Assistimos, por vezes, a uma corrida desenfreada na comunidade cristã pelos primeiros lugares. É uma luta – para alguns de vida ou de morte – em que se recorre a todos os meios: a intriga, a exibição, a defesa feroz do lugar conquistado, a humilhação de quem faz sombra ou incomoda… Para Jesus, as coisas são bastante claras: esta lógica não tem nada a ver com a lógica do “Reino”; quem prefere esquemas de superioridade, de prepotência, de humilhação dos outros, de ambição, de orgulho, está a impedir a chegada do “Reino”. Atenção: isto talvez não se aplique só àquela pessoa da nossa comunidade que detestamos e cujo nome nos apetece dizer sempre que ouvimos falar em gente que só gosta de mandar e se considera superior aos outros; isto talvez se aplique também em maior ou menor grau, a mim próprio.

¨ Também há, na comunidade cristã, pessoas cuja ambição se sobrepõe à vontade de servir… Aquilo que os motiva e estimula são os títulos honoríficos, as honras, as homenagens, os lugares privilegiados, as “púrpuras”, e não o serviço humilde e o amor desinteressado. Esta será uma atitude consentânea com a pertença ao “Reino”?

¨ Fica claro, na catequese que Lucas hoje nos propõe, que o tipo de relações que unem os membros da comunidade de Jesus não se baseia em “critérios comerciais” (interesses, negociatas, intercâmbio de favores), mas sim no amor gratuito e desinteressado. Só dessa forma todos – inclusive os pobres, os humildes, aqueles que não têm poder nem dinheiro para retribuir os favores – aí terão lugar, numa verdadeira comunidade de amor e de fraternidade.

¨ Os cegos e coxos representam, no Evangelho que hoje nos é proposto, todos aqueles que a religião oficial excluía da comunidade da salvação; apesar disso, Jesus diz que esses devem ser os primeiros convidados do “banquete do Reino”. Como é que os pecadores notórios, os marginais, os divorciados, os homossexuais, as prostitutas são acolhidos na Igreja de Jesus?


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 22º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 22º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. FAZER ECO DA PALAVRA.
Depois da comunhão (a mesa onde os pobres são reis…), poder-se-ia reler, em fundo musical, algumas passagens da liturgia da Palavra. Por exemplo: “cumpre todas as coisas com humildade…”; “vai sentar-te no último lugar…”; “convida aqueles que não têm nada para te retribuir…”

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:
“Deus criador e mestre do universo, proclamamos a grandeza do teu poder e, ao mesmo tempo, a humildade do teu Filho Jesus. Ele tornou-se pequeno para nascer entre os homens e aceitou a humilhação suprema, a da cruz.
Nós Te pedimos pelas nossas sociedades onde triunfam os dominadores e os poderosos. Que o teu Espírito nos impregne, que Ele nos livre do orgulho”.

No final da segunda leitura:
“Deus vivo, nós Te damos graças por Jesus, o mediador da nova Aliança, que nos introduziu na Jerusalém celeste e na assembleia dos santos e que inscreveu o nosso nome nos céus.
Nós Te confiamos todas as comunidades cristãs desencorajadas pela modéstia dos seus efectivos e pela falta de consideração”.

No final do Evangelho:
“Pai, Tu que nos convidas à mesa de teu Filho, nós Te damos graças porque nos chamas a avançar mais alto e nos elevas pela confiança que nos fazes e a estima que nos concedes, a nós que somos pecadores.
Nós Te recomendamos as nossas irmãs e irmãos que se ocupam das nossas sociedades, preparando-lhes a mesa e dando-lhes a sua dignidade”.

4. BILHETE DE EVANGELHO.
Jesus pode falar de gratuidade porque a sua vinda à terra é um dom gratuito de Deus, é uma graça, este amor gratuito, gracioso de Deus. E Deus não nos ama porque merecemos, mas porque não pode senão amar-nos, pois Ele é Amor. Então, Jesus pede ao homem, criado à imagem de Deus, para amar como Deus ama, isto é, gratuitamente, esperando ser declarado justo na ressurreição dos mortos. Trata-se de uma verdadeira revolução nas relações entre eles: pôr o dom em primeiro lugar e ter em resposta apenas a alegria de ter dado. Jesus vai mesmo ao ponto de declarar felizes aqueles que têm o sentido do gratuito nas suas relações humanas.

5. À ESCUTA DA PALAVRA.
Há muitos “manuais de boas maneiras” para saber como organizar uma festa, uma recepção, para que cada convidado se encontre à vontade à mesa, não se sinta ferido na sua honra – ou na sua vaidade! Hoje, Jesus dá-nos indicações de protocolo: “Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante que tu; então, aquele que vos convidou a ambos terá de te dizer: ‘Dá o lugar a este’; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar”. Jesus não quer que soframos uma humilhação! Não vai longe o tempo em que, na Igreja, se dizia: “Para crescer em humildade, é preciso suportar humilhações!” Mas suportar humilhações leva geralmente a ser humilhado, mas não a se tornar humilde! Ora Jesus, precisamente, não quer que sejamos humilhados. Deseja mesmo que sejamos honrados. Ele veio para que cada um ganhe de novo a sua verdadeira dignidade, volte a manter-se de pé. Mas, evidentemente, Jesus não se contenta em nos ensinar como nos comportarmos em sociedade. Ele convida-nos, na realidade, a um exercício de lucidez sobre nós próprios. Todos desejamos dar de nós mesmos uma imagem positiva, valorizadora. Mas o que os outros percebem de mim não corresponde necessariamente ao que gostaria que eles vissem. E eu próprio vejo os outros a partir das minhas próprias impressões e sentimentos. Então, seguindo o meu temperamento, terei, por exemplo, um complexo de inferioridade, pensando ser um eterno compreendido. Desvalorizar-me-ei aos meus próprios olhos. Sentir-me-ei mal na própria pele. Ou terei um complexo de superioridade, seguro do meu valor. Procurarei mostrar-me, fazer-me ver, ocupar os primeiros lugares, com o risco de esmagar os outros e humilhá-los. Isso é da psicologia elementar? Mas Jesus sabe bem que a psicologia é importante. Somente vai mais longe. Convida-nos a juntarmo-nos ao olhar de Deus sobre nós, sobre os outros. Só Ele é capaz de amar cada ser humano como ele é, porque só Ele nos olha unicamente e sempre à luz do seu amor. Colocarmo-nos nesta luz é ainda a melhor maneira de nos amarmos humildemente a nós mesmos para amar os outros em verdade.

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II para Assembleias com Crianças.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
Difícil questão… Com que critérios estabelecemos a lista dos nossos convidados quando preparamos uma refeição festiva? Decididamente, uma vez mais, a lógica de Jesus não é a nossa. Acontece convidarmos à nossa mesa pobres, estropiados, sem-abrigo, crianças perdidas nas ruas… mais que a nossa família, os amigos, as nossas relações de negócios? Difícil questão, que evitamos talvez tomar demasiado a sério. E se nesta semana a deixássemos ressoar um pouco em nós mesmos?


UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehnianos.org – www.dehonianos.org

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

XXI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares - 27.08.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XXI Semana - Sábado
Lectio

Primeira leitura: 1 Coríntios 1, 26-31

Irmãos, 26Considerai a vossa vocação: humanamente falando, não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. 27Mas o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. 28O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa. 29Assim, ninguém se pode vangloriar diante de Deus. 30É por Ele que vós estais em Cristo Jesus, que se tornou para nós sabedoria que vem de Deus, justiça, santificação e redenção, 31a fim de que, como diz a Escritura, aquele que se gloria, glorie-se no Senhor.


Paulo convida os coríntios a olharem para a sua comunidade, onde havia exemplos eloquentes da sabedoria e da loucura da cruz. Com algumas excepções, a igreja de Corinto era formada por pessoas de humilde condição social e de baixo nível cultural. Deus tem o gosto estranho de preferir os pobres e os fracos aos ricos e poderosos. É a lógica coerente com o que fez por meio do seu Filho crucificado. Ninguém pode presumir o que quer que seja diante de Deus: «ninguém se pode vangloriar diante de Deus» (v. 29). A grandeza do homem deriva unicamente do dom de Deus em Cristo. Temos o Cristo todo (3, 21-23), e, tudo o que temos, recebemo-lo d´Ele (4, 6). Por isso, se alguém pretende gloriar-se «glorie-se no Senhor» (v. 31).


Evangelho: Mateus 25, 14-30

1Naquele Tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 14«Será também como um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. 15A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu. 16Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. 17Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. 18Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. 19Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. 20Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: ‘Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.’ 21O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ 22Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: ‘Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.’ 23O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’ 24Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: ‘Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. 25Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.’ 26O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. 27Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.’ 28‘Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. 29Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’»

A espera de Cristo há-de ser dinâmica e fecunda. Os talentos recebidos não podem ser enterrados, inutilizados. Hão-de render. Estes talentos não são apenas os dotes naturais recebidos por cada um. São, mais do que isso, a salvação, o amor do Pai, a vida em abundância, o Espírito. São tesouros a multiplicar e a partilhar até ao seu regresso, ainda que demore «muito tempo» (v. 19ª). Os dons também são responsabilidades de que é preciso dar contas.
Na parábola, há dois «servos bons e fiéis» e um «servo mau». Os servos bons e fiéis são louvados e premiados com a participação na alegria do senhor (vv. 20-23). O servo mau é severamente punido. A desculpa apresentada «Senhor, sempre te conheci como homem duro» (v. 24), acaba por ser virada contra ele. A atitude de escravo tímido assumida pelo servo mau «Aqui está o que te pertence» (v.25), também não ajuda, mas complica. Para ele, talento não foi um dom recebido, mas uma dívida contraída. Por isso, ao restituí-lo ao dono, não faz um acto de justiça, mas um insulto. E recebe o castigo adequado: «Tirai-lhe o talento, e dai-o ao que tem dez talentos… a esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes» (vv. 28-29).


Meditatio

«Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor» (1 Cor 1, 31). Estas palavras lembram-nos a atitude de Maria, no Magnificat. Ao fazer memória da sua vida, a Virgem reconhece-se feliz pelos maravilhosos dons que Deus tinha semeado na sua humilde serva. Gloriando-se no Senhor, Maria magnifica-O, isto é, torna-O grande. O Magnificat é um encontro entre gratuidade pura e gratidão sincera.
O servo mau da parábola, pelo contrário, apoucou ao seu senhor. Ele mede e julga o seu senhor com a medida da sua mesquinhez, com a tacanhez do seu coração. Em vez de estar grato pelo talento recebido, em vez de agradecer a ocasião, que lhe foi dada, para desenvolver as suas capacidades, fecha-se na sua inércia, no seu medo, na sua tristeza. Vem-nos espontaneamente à memória um outro homem, o primeiro homem. Quando Deus lhe pergunta: «Onde estás?», responde: «Tive medo… escondi-me» (Gn 3, 9s.). Não estará na raiz do pecado uma suspeita mesquinha da imensa bondade de Deus? Deus ofereceu-nos generosamente os seus dons, e nós podemos viver de coração dilatado pela alegria. Somos pessoas amados por Deus, às quais deu muito. Só espera que voltemos para Ele com o que soubemos ganhar, usando os seus dons. Quando realizámos tudo o que podíamos para fazer render os dons de Deus, estamos verdadeiramente ricos, e realizados, conforme o seu desejo. Podemos levar-Lhe uma vida cheia, que Ele ainda enriquecerá mais.
Todos os cristãos têm dons e carismas para o serviço de Deus e dos irmãos. Os consagrados têm dotes notáveis em determinadas áreas, que hão-de fazer render, para serem fiéis à sua vocação e missão. Cada um, e cada instituição, hão-de reconhecer esses dons, porque são talentos, que provêm do bom Deus, para bem de toda a comunidade: «Todo o carisma, todo o dom perfeito provém do alto e desce do Pai das luzes» (Tg 1, 17) e o superior, como bom pai da sua comunidade, agradece ao Senhor por ter pessoas certas nos lugares certos.
Os carismas, que não são postos a render, tornam-se títulos de condenação para quem os recebeu. Há pois que fazê-los render. Lembram-nos as Constituições: «Como todo o carisma na Igreja, o nosso carisma profético coloca-nos ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje (cf. LG 12) (Cst 27).


Oratio

Senhor, ensina-nos a glorificar o Pai como Tu e como Maria, tua Mãe, O glorificaram. Ao veres os teus discípulos regressarem da missão «cheios de alegria», porque puderam multiplicar os seus talentos, e colher os frutos visíveis da sua actividade missionária, disseste ao Pai: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado» (Lc 10, 21). Contagiado pela alegria dos teus discípulos, e movido pelo Espírito, também Tu exultaste. Contemplando a grandeza do Pai e a sua ternura para com os pequenos e humildes, o teu coração encheu-se de espanto, e a tua boca de belas palavras.
Deixa-nos, Jesus, comungar na tua oração de louvor, como nos deixas comungar na oração do Pai nosso. Alegra-te também por nós, teus discípulos de hoje, quando, por tua graça, conseguirmos fazer render os talentos que o Pai nos deu, considerando-nos entre os pequenos pelos quais glorificaste o Pai. Amen.


Contemplatio

Nosso Senhor dá às almas consagradas ao seu Coração dons especiais, mas pede também delas algumas virtudes especiais. Devem também praticar as virtudes ordinárias segundo o seu estado e a sua vocação, mas algumas virtudes devem brilhar especialmente nelas. A primeira, simbolizada pelo ouro, é o amor puro, verdadeiro e sincero.
Nosso Senhor pede de nós o ouro do amor puro nas suas intenções, de uma fé viva e de uma confiança filial inabalável. Quando o ouro é fino e puro, é possível observar-se o traço do mínimo toque, um sopro enfraquece o seu brilho. É um ouro puro que Nosso Senhor pede dos amigos do seu Coração. É um amor puro, fiel e delicado. Esta perfeição não é demais para o dom a oferecer ao Rei dos corações. Pode aí chegar-se cooperando fielmente com a graça divina que é dada em abundância aos amigos do Sagrado Coração. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 32).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor» (1 Cor 1, 31).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

XXI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 26.08.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XXI Semana - Sexta-feira
Lectio

Primeira leitura: 1 Coríntios, 1, 17-25

Irmãos: 17Cristo não me enviou a baptizar, mas a pregar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria da linguagem, para não esvaziar da sua eficácia a cruz de Cristo. 18A linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus. 19Pois está escrito:Destruirei a sabedoria dos sábios
e rejeitarei a inteligência dos inteligentes. 20Onde está o sábio? Onde está o letrado? Onde está o investigador deste mundo? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo? 21Pois, já que o mundo, por meio da sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que crêem, pela loucura da pregação. 22Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria, 23nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. 24Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus. 25Portanto, o que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que os homens, e o que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens.

Paulo não despreza o baptismo, mas apenas insiste em que a sua vocação é pregar o Evangelho. É absurdo baptizar uma pessoa, sem antes lhe dar a conhecer Jesus. Além disso, na ordem cronológica e da graça, a pregação precede a fé e, portanto, também o baptismo (cf. Rm 10, 14s.).
Paulo prega Jesus, mas não com discursos eloquentes e sabedoria humana. Talvez se lembre do recente “fracasso” da sua pregação no Areópago de Atenas. Para ele, pregar é anunciar Cristo crucificado, único salvador. A palavra de Deus, especialmente «a palavra da cruz» é viva e eficaz por si mesma (cf. Hb 4, 12), não precisa de apoios humanos, que até a podem ofuscar.
Citando o Antigo Testamento, e a sua arte retórica, Paulo insiste naquilo que é verdadeiramente decisivo: Cristo crucificado é «escândalo» para os judeus, pois, pendendo do madeiro, era considerado maldito (cf. Dt 21, 23); Cristo é «loucura» para os pagãos, porque lhes repugnava uma divindade que se deixasse crucificar. Mas é na cruz que Cristo manifesta o seu poder. Os cristãos, de qualquer origem, devem sintonizar com a lógica divina, e viver de acordo com a sabedoria da cruz.


Evangelho: Mateus 25, 1-13

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 1«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: ‘Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!’ 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.’ 9Mas as prudentes responderam: ‘Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.’ 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta.

Mateus continua tratar o tema da segunda vinda de Cristo, cujo momento se desconhece, pelo que é preciso estar vigilantes e prontos: «Vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora» (v. 13). Na parábola, que hoje escutamos, o quadro é diferente: não se espera o dono, mas o esposo; quem espera também não é o servo prudente ou o servo mau, mas são cinco virgens prudentes e cinco virgens insensatas. E há mesmo pormenores que podem chocar: a reacção fortemente severa e desproporcionada do esposo, a atitude pouco caridosa das virgens prudentes, etc. Mas o significado global da parábola é claro. A Igreja está toda à espera da vinda de Cristo. Mas é de loucos não prever a hipótese de que demore. Quando se ouvir, no meio da noite, o grito: «Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!» (v. 6), os cristãos hão-de estar prontos, com a lâmpada bem acesa pelo azeite das boas obras realizadas com amor. O esposo esperado pode revelar-se um juiz severo para quem tiver o amor apagado no coração.


Meditatio

Ambas as leituras, de modo diferente, nos falam de sabedoria e de loucura. Paulo sublinha o contraste entre sabedoria humana e sabedoria divina. Os coríntios, como os gregos em geral, eram ávidos de sabedoria humana e, por isso, muito interessados em “investigação filosófica”. Isso levou-os a aderir a diferentes pregadores do Evangelho, conforme a sua maior ou menor capacidade de expressar atraentemente a doutrina de Cristo. Por isso, Paulo sentiu-se no dever de os avisar: «Cristo não me enviou a baptizar, mas a pregar o Evangelho, e sem recorrer à sabedoria da linguagem, para não esvaziar da sua eficácia a cruz de Cristo» (v. 17). E realçou o contraste entre a sabedoria da cruz e a sabedoria humana: «A linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus» (v. 18). E aponta duas linhas de interesse, a do mundo hebreu e a do mundo helenista: «Enquanto os judeus pedem sinais e os gregos andam em busca da sabedoria…». De facto, várias vezes, no evangelho, os judeus pedem a Jesus sinais para acreditarem que Ele é o Enviado de Deus. Os gregos, pelo contrário, procuram discursos eloquentes, convincentes, razoáveis. Mas Paulo afirma: «nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios» (v. 23). O Apóstolo acha que Deus não está disposto a acomodar-se às exigências de judeus e de gregos, «o que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que os homens, e o que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens» (v. 25). À luz da teologia paulina, a cruz é a revelação mais poderosa e sábia do amor de Deus. Aceitar por amor as humilhações, os sofrimentos, a morte, é amor puro, forte, generoso. Não amor maior do que esse.
«Fiéis à escuta da Palavra, e à fracção do Pão, somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento. "Cristo habite pela fé, nos vossos corações de sorte que, enraizados e fundados no amor, possais compreender, com todos os Santos, qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer, enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para serdes repletos da plenitude de Deus" (Ef 3,17-19) (Cst 17). O modo para conhecer «cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração», para «anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento» (Cst 17) é, em primeiro lugar, a fé entendida como adesão total da nossa pessoa e da nossa vida a Cristo; esvaziando-nos do egoísmo, para Lhe deixar cada vez maior espaço interior.


Oratio

Senhor, ensina-me a procurar-Te a Ti, e não aos teus milagres, aos teus dons, porque és o Filho de Deus que, por amor, morreste na cruz, para me salvar. Que eu Te procure sempre, procurando-Te, Te encontre e, encontrando-Te, Te procure ainda mais, como rezava o teu servo Agostinho de Hipona. Faz-me ouvir o convite que dirigiste aos teus primeiros discípulos: «Vinde e vede» (Jo 1, 39). E, se, por motivos que só Tu sabes, não quiseres ser encontrado logo, se retardares a tua visita, ajuda-me a vigiar pacientemente, de lâmpada acesa, alimentada pelo amor. Quando bateres à minha porta, faz-me correr ao teu encontro; quando eu bater à tua porta, abre-me, Senhor da minha vida! Amen.


Contemplatio

Como são raras as almas que amam a Nosso Senhor com amor puro e desinteressado! Quantas almas, mesmo consagradas, que Nosso Senhor diariamente cumula de benefícios e que, apesar disso, são ingratas, pensam pouco n'Ele, passam o tempo a ocupar-se de si próprias, das suas satisfações corporais e espirituais; ou então ocupam-se das criaturas, procurando agradar-lhes e satisfazê-las.
… Poderá o Esposo das nossas almas ficar totalmente satisfeito e convencido do amor e da fidelidade das suas esposas, quando estas, cumprindo embora os seus deveres O tratam com indiferença, insensibilidade e frieza?
Haec est virgo sapiens quam Dominus vigilantem ínvenit. Esta é a Virgem sábia que o Senhor encontrou vigilante (Comum das Virgens). Nosso Senhor encontra-nos vigilantes e fiéis, quando temos o hábito de manter continuamente a nossa intenção, as nossas inclinações, os nossos pensamentos e as nossas aspirações orientados para o objecto do nosso amor. É a disposição da esposa do Cântico dos Cânticos: Dormio sed cor meum vigilat. Eu durmo, mas o meu coração vigia: (Cant. 5, 2).
Mas mesmo que o corpo esteja ocupado com outra coisa, legitimamente entregue ao sono, ao repouso, nem por isso o coração, o espírito e a vontade estão dispensados de dirigir-se para Nosso Senhor que é o nosso fim último, a meta suprema, o centro de todas as coisas.
Nosso Senhor pede-nos precisamente este amor constante, que não se move, não opera e não age senão n'Ele, por Ele e para Ele; e nós tantas vezes Lho retiramos, depois de Lho termos dado por alguns instantes: Praebe, fili mi, cor tuum mihi. Meu filho, dá-me o teu coração (Prov 23, 26), o teu amor, a tua vontade, as tuas intenções, que dão valor, aos olhos de Deus, às grandes acções como às mais pequenas. É o que S. Agostinho queria exprimir por estas palavras: «Ama e faz o que quiseres». (Directório Espiritual, 7).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Meu filho, dá-me o teu coração» (Prov 23, 26),


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

XXI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 25.08.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XXI Semana - Quarta-feira
Lectio

Primeira leitura: 2 Tessalonicenses 3, 6-10.16-18

6Ordenamo-vos, irmãos, no nome do Senhor Jesus Cristo, que vos afasteis de todo o irmão que leva uma vida desordenada e oposta à tradição que de nós recebestes. 7Com efeito, vós próprios sabeis como deveis imitar-nos, pois não vivemos desordenadamente entre vós, 8nem comemos o pão de graça à custa de alguém, mas com esforço e canseira, trabalhámos noite e dia, para não sermos um peso para nenhum de vós. 9Não é que não tivéssemos esse direito, mas foi para nos apresentarmos a nós mesmos como modelo, para que nos imitásseis. 10Na verdade, quando ainda estávamos convosco, era isto que vos ordenávamos: se alguém não quer trabalhar também não coma. 16O Senhor da paz, Ele próprio, vos dê a paz, sempre e em todos os lugares. O Senhor esteja com todos vós. 17A saudação é do meu punho, de Paulo. É este o sinal em todas as Cartas. É assim que eu escrevo. 18A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós.

Antes de terminar, Paulo faz mais uma recomendação contra aqueles que poderíamos chamar «beatos». São alguns cristãos, que andam de um lado para o outro, divulgando mexericos, em vez de se dedicarem a um trabalho que os retire da triste condição de alcoviteiros espirituais, que vivem à custa dos outros, como verdadeiros parasitas da comunidade: «a estes tais ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo a que ganhem o pão que comem, com um trabalho tranquilo» (3, 12). Outro vício dos «beatos» era perturbar os outros com boatos e falsas profecias. As tensões na comunidade são inevitáveis por causa dos temperamentos, dos pontos de vista. Mas, quando há agitadores “profissionais”, tudo se complica. Há que separá-los, para ver se se convertem. O Apóstolo termina pedindo a Deus que dê paz às suas comunidades, o maior dom que se pode desejar a quem se ama.


Evangelho: Mateus 23, 27-32

«Naquele tempo, disse Jesus: 27Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície! 28Assim também vós: por fora pareceis justos aos olhos dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade. 29Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, 30dizendo: ‘Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!’ 31Deste modo, confessais que sois filhos dos que assassinaram os profetas. 32Acabai, então, de encher a medida dos vossos pais!

Chegamos aos últimos dos sete «Ai de vós» dirigidos aos escribas e fariseus hipócritas. A crítica de Jesus ao legalismo não tem por alvo a lei, mas aqueles que, a coberto da lei, pretendem iludir as suas exigências profundas. A antítese exterior/interior, tratada nos versículos anteriores, está eloquentemente expressa na imagem dos «sepulcros caiados» (v. 27). São aqueles que cuidam do exterior, para que seja agradável à vista, enquanto no seu interior reina a decomposição e a morte. Jesus já pôs de sobreaviso os discípulos, quando lhes mandou disse «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por ele» (Mt 6, 1). O que conta é aquilo que cada um é diante de Deus, e não o que aparece diante dos outros.
O último «ai de vós» é contra aqueles que são falsos, não só diante de Deus e dos outros, mas também diante da história (vv. 29-32). Edificam sepulcros aos profetas e justos, dizendo que, se tivessem vivido no tempo dos que os mataram, não teriam sido coniventes com tais crimes. Sentem-se inocentes por acusarem os seus pais! Mas não se dão conta de que, se não escutarem os profetas, continuam a matá-los. E a sua falta será mais grave do que a dos seus pais.


Meditatio

Somos todos mais ou menos propensos a confundir espiritualidade com fantasia, e, influenciados pelas tendências humanas, a tirar conclusões erradas de princípios certos. São as ilusões para que nos alertam os mestres de vida espiritual.
Paulo já sentiu a necessidade de pôr de sobreaviso os tessalonicenses para esse tipo de coisas. Muitos, usavam a esperança no regresso do Senhor para concluir que não era preciso trabalhar. Para quê preocupar-se em organizar a vida neste mundo, se o Senhor está próximo? Paulo tenta contrariar essa atitude com uma decisão corajosa. Ainda que soubesse que tinha direito a ser mantido pela comunidade que servia, renunciou a tal direito e pôs-se a trabalhar para ganhar o seu sustento: «vós próprios sabeis como deveis imitar-nos, pois não vivemos desordenadamente entre vós, nem comemos o pão de graça à custa de alguém, mas com esforço e canseira, trabalhámos noite e dia, para não sermos um peso para nenhum de vós» (vv. 7-8). Pelo Livro dos Actos, sabemos que o Apóstolo fabricava tendas, um trabalho bastante pesado. E dá aos tessalonicenses uma regra nada espiritualista, mas muito concreta: «se alguém não quer trabalhar também não coma» (v. 15). Todo o cristão tem o dever de trabalhar, na medida das suas forças. Se não trabalhar para si, por não precisar, trabalhe para os que precisam. A vida espiritual não pertence ao mundo da fantasia. O amor cristão é realista. Não se alimenta nem vive de sonhos. Empenha-se no serviço efectivo. E assim cresce, se torna sólido, consistente. Ainda que espere o céu, vive na terra, e nela prepara o reino de Deus, com uma caridade efectiva. «Como poderíamos, efectivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade?» (Cst 18).


Oratio

Senhor, liberta-me de ilusões; defende-me de uma pretensa vida religiosa feita de evasões, de atitudes vaporosas, de comportamentos alienantes. Que a minha fé seja como o fermento na massa da vida real. Que o amor impregne a minha actividade, fazendo dela um serviço generoso para bem dos que me são próximos e de todo o mundo.
Manda o teu Espírito Santo, que me ajude a tomar consciência do meu pecado, e a confessar sinceramente diante de Ti: «Matei-te!» Penso que será muito útil sentir-me, ao menos uma vez, digno de condenação, para melhor compreender o teu infinito e gratuito amor. Amen.


Contemplatio

S. Paulo copia Nosso Senhor, é ardente no trabalho manual, como é zeloso no trabalho espiritual. Consagra as suas vigílias a ganhar o seu pão e as suas jornadas a evangelizar. «Trabalhámos dia e noite, diz aos Tessalonicenses, para não vos ser pesados» (1Tes 2). É ele que não gosta dos preguiçosos! «Quem não trabalha, diz, não merece comer» (2Tes 3). Estimula-nos com o exemplo de algumas pessoas do mundo. «Vêde, diz, com que fadiga não se aplicam para ganharem o pão temporal, e vós, vós tendes em perspectiva uma coroa eterna!» S. João recorda-nos no Apocalipse que as nossas obras nos seguirão no juízo de Deus (Ap 14); mas somente as nossas boas obras terão valor, e todas as nossas obras são boas quando são santificadas, quando são feitas segundo a regra, com pureza de intenção, com cuidado, com zelo. Todos os santos amaram o trabalho assíduo e santificado. S. João Berchmanns aplicava-se, como ele mesmo dizia, a fazer as coisas ordinárias e comuns de uma maneira não comum. (Leão Dehon, OSP 3, p. 112).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Se alguém não quer trabalhar também não coma» (2 Ts 3, 2).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/