domingo, 31 de maio de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Terça-feira - 02.06.2015


 Lectio

Primeira leitura: Tobite 2, 9-14

Eu, Tobite, naquela noite de Pentecostes, depois de ter enterrado o cadáver, lavei-me, entrei no pátio da casa e deitei-me junto do muro, deixando a face descoberta por causa do calor. 10Não sabia que havia pássaros no muro por cima de mim e, tendo os olhos abertos, os pássaros deixaram cair nos meus olhos excremento quente, dando origem a umas manchas brancas. Procurei os médicos para me tratarem. Contudo, quanto mais me aplicavam medicamentos, mais se me cegavam os olhos por causa das escamas, até que perdi totalmente a vista. Fiquei cego quatro anos. Todos os meus irmãos se afligiam por minha causa e Aicar sustentou-me por dois anos, antes de partir para Elimaida. 11Nessa época, Ana, minha mulher, trabalhava em labores femininos, tecendo a lã 12que depois mandava aos patrões recebendo em seguida o pagamento. Ora, no sétimo dia do mês de Distro, cortou o tecido que confeccionara e mandou-o aos que o tinham encomendado; estes pagaram-lhe o preço devido e ainda lhe ofereceram um cabrito pelo tecido. 13Quando o cabrito chegou a casa, começou a balir. Chamei, então, Ana e disse-lhe: «De onde veio este cabrito? Não terá sido furtado? Devolve-o aos seus donos, porque não nos é lícito comer coisa alguma furtada.» 14Disse-me ela: «Foi-me dado de presente, além do meu salário.» Contudo, não acreditando nela, mandei que o devolvesse aos donos, envergonhando-me do seu procedimento. Porém, ela respondeu: «Onde estão as tuas esmolas? Onde estão as tuas boas obras? Aí tens, agora, o resultado».

Apesar de ser fiel à Lei, Tobite nem sempre recebeu de Deus a correspondente recompensa. Foi mesmo submetido a duras provações: tiraram-lhe todos os bens, e o rei procurava dar-lhe a morte. A última grande provação foi a da cegueira, que durou quatro anos, e o sujeitou ao escárnio e às críticas da própria esposa, Ana. É claro o paralelismo com a figura de Job. S. Jerónimo diz que ambos são exemplos de paciência, de humildade e de mansidão, de fé e de temor de Deus no meio das humilhações e abatimentos.
É o que frequentemente acontece com o justo na provação. À dor da desgraça, junta-se a da solidão. E surge a tentação: terá sido inútil ser fiel? Os amigos, que deviam apoiá-lo, também se colocam contra ele. Mas é nestes momentos que se verifica a solidez da fé e a força da paciência. A paciência é a virtude da rocha: pode ser pisada, martelada, mas não se deixa modificar. Assim é a fé de Tobite. Por isso, morrerá em paz e cheio de anos (Tb 11 e 14). O livro de Tobite ainda não conhece a ressurreição dos mortos.


Segunda leitura: Marcos 12, 13-17

Naquele tempo, 13foram enviados a Jesus alguns fariseus e partidários de Herodes, a fim de o apanharem em alguma palavra. 14Aproximando-se, disseram-lhe: «Mestre, sabemos que és sincero, que não te deixas influenciar por ninguém, porque não olhas à condição das pessoas mas ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. Diz-nos, pois: é lícito ou não pagar tributo a César? Devemos pagar ou não?» 15Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu: «Porque me tentais? Trazei-me um denário para Eu ver.» 16Trouxeram-lho e Ele perguntou: «De quem é esta imagem e a inscrição?» Responderam: «De César.» 17Jesus disse: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» E ficaram admirados com Ele.

Alguns fariseus e partidários de Herodes, que se consideravam nacionalistas, mas colaboravam com os romanos, fingindo sinceridade, fazem a Jesus uma pergunta armadilhada. Queriam embaraçá-lo, tornando-O malvisto pelas autoridades romanas ou pela multidão. Jesus evita a armadilha, e aproveita a ocasião para oferecer um importante critério para a vida cristã: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (v. 17). Deus e César não se opõem, nem se colocam ao mesmo nível. O primado de Deus não retira ao Estado os seus direitos. O cristão deve obedecer a Deus, mas também aos homens. Em qualquer caso, obedece por causa de Deus e não por causa dos homens, porque toda a autoridade humana tem as suas raízes no Eterno. Este princípio está na origem da liberdade de consciência, afasta da idolatria do poder, leva a acolher a soberania da Igreja, mas também a do Estado.
Esta mensagem de liberdade surpreende os adversários de Jesus: «Ficaram admirados com Ele» (v. 17b). A opção a fazer não é entre Deus e César, mas entre Deus e todo o movimento humano, ainda que chamado libertador, ainda que seja o dos zelotas. Os movimentos libertadores, mais tarde ou mais cedo, pretendem tornar-se absolutos. É por isso que o profeta mantém a devida distância, em relação a eles.


Meditatio

Impressiona-nos a atitude de um homem, como Tobite, que, atingido pela cegueira, agradece a Deus: na «desgraça da cegueira que o tinha atingido, Tobite deu graças ao Senhor todos os dias da sua vida». É a atitude do verdadeiro crente na provação: em vez de se escandalizar com Deus, continua a dar-Lhe graças, porque sabe que o Senhor não o abandona e continua a enchê-lo de bens. Quantas vezes vemos à nossa volta pessoas boas que sofrem duramente! Quantas vezes, nós mesmos, mergulhamos na dor! Diante das nossas reacções de murmuração e revolta, diante dos nossos gritos de desânimo e de angústia, diante do vacilar da nossa fé, a resposta de Tobite desconcerta-nos. As suas palavras soam a música de outro mundo: «Deu graças ao Senhor!» Os amigos riem-se dele, a mulher insulta-o, a cegueira incapacita-o, a incompreensão e as mofa dos vizinhos atormentam-no. Mas Tobite bendiz a Deus.
Tobite é figura de Jesus que, na última ceia, antes da sua paixão, bendiz o Pai ao tomar o pão que estava para se tornar seu corpo entregue por nós. Jesus reconheceu na paixão um dom do Pai. Depois de Jesus, cada provação é uma possibilidade, uma ocasião de amor e de união a todos os que sofrem. Por isso, é justo que se dê graças a Deus pelo amor que nos quer comunicar.
A resposta de Jesus à pergunta insidiosa dos fariseus é simultaneamente simples e complexa, podendo explicar-se de várias maneiras. Hoje, sublinho o sentido de coerência que Jesus quer ensinar aos adversários, que apenas procuravam ocasião para o acusar: «Trazei-me um denário para Eu ver», diz Jesus. Trouxeram-lho. Assim mostraram que, eles mesmos, usavam a moeda romana, negociando e obtendo lucros com ela. Estavam, pois, comprometidos com a estrutura criada pelo poder dos pagãos. Por isso, deviam pagar os impostos. Ao recusar o pagamento, faziam-no por motivações religiosas, com pretextos religiosos, ou simplesmente pelo desejo de independência dos romanos. Mas Jesus evidencia-lhes a incoerência. Se aceitam a imagem de César para o que lhes interessa, deverão aceitá-la também para pagar os impostos: «Dai a César o que é de César». Mas logo acrescenta: «Dai a Deus o que é de Deus». O fundamental é dar a Deus o que a Deus pertence. Mas isso não exclui os outros deveres.
Na vida social, na vida civil, nem tudo é lógico e coerente. Os cristãos hão-de ter coragem para recusar situações e leis que não correspondem ao bem dos cidadãos. Mas também hão-de contribuir leal e rectamente para o bem do país e das pessoas, mesmo quando perseguidos. Assim participam na bondade de Deus.


Oratio

Obrigado, Senhor, pelas provações da nossa vida. Ilumina-nos e fortalece-nos com o teu Espírito, para que permaneçamos firmes na fé e na esperança. Quando o sofrimento, a solidão, o peso da vida e o cansaço nos oprimirem, ensina-nos a deixar-nos conduzir e apoiar por Ti, a unir-nos mais fortemente a Ti, sem fazermos perguntas, sem exigirmos explicações. Então, brilhará a tua luz no nosso céu escurecido e ameaçador, então florirá a esperança que não engana, então entoaremos o cântico silencioso de acção de graças a Ti, Deus bom, providente e fiel. Amen.


Contemplatio

Tobite, o pai de Tobias, estava cativo em Nínive. Fiel a Deus, assiste os seus irmãos infelizes, socorre os pobres, visita os doentes, sepulta os mortos. Duras provações o assaltam. Um dia em que tinha adormecido de fadiga junto de um muro, depois das suas corridas de caridade, dejectos caídos de um ninho cegam-no. Os seus familiares insultavam a sua infelicidade como os de Job. Já não tinha a consolação de ir assistir aos seus irmãos infelizes. A penúria fazia-se sentir em sua casa. Queria enviar o seu filho para recuperar um empréstimo em casa de um familiar no país dos Medos, mas era preciso um companheiro para ir tão longe. Tobias, o filho, sai para procurar um guia, e encontra um belo jovem que se oferece para o acompanhar. É o grande arcanjo, velado sob a aparência de um homem. Não somos nós demasiado negligentes para com o nosso anjo da guarda? Pensamos nele, invocamo-lo em todas as nossas dificuldades? (Pe. Dehon, OSP4, p. 389).


Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
«Bendito seja Deus e bendito o seu grande nome!» (Tb 11, 9).


Fonte http://www.dehonianos.org/

sábado, 30 de maio de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - IX Semana - Segunda-feira - 01.06.2015


Lectio

Primeira leitura: Tobite 1, 3; 2, 1b-9

Eu, Tobite, andei sempre pelos caminhos da verdade e da justiça, durante todos os dias da minha vida, dando muitas esmolas aos meus irmãos, os da minha nação que comigo tinham sido levados cativos para a terra dos assírios, em Nínive. Pela festa do Pentecostes, que é a nossa festa das Semanas, mandei preparar um bom almoço e reclinei-me para comer. 2Mas, ao ver a mesa coberta com tantas comidas finas, disse a Tobias: «Filho, vai procurar, entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel, e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho.» 3Tobias saiu à procura de um pobre entre os nossos irmãos. Ao regressar disse: «Pai.» Eu respondi: «Eis-me aqui, meu filho.» Tobias continuou: «Pai, alguém da nossa linhagem está morto na praça pública, onde o estrangularam.» 4Levantei-me, então, sem nada ter comido e levei o cadáver da praça para um casebre, esperando o pôr do sol para o poder sepultar. 5A seguir, voltei, lavei-me e almocei com tristeza, 6recordando-me das palavras do profeta Amós, ditas sobre Betel: «As vossas festas converter-se-ão em luto e os vossos cantos, em lamentações.» E eu chorei. 7Quando mais tarde o sol se pôs, saí, cavei uma cova e sepultei-o. 8Os meus vizinhos, porém, zombavam de mim, dizendo: «Ainda agora não tem medo. Já o procuraram para o matar por causa disso e teve de fugir; contudo, ei-lo de novo a sepultar os mortos.»

O livro de Tobite não é histórico, mas de carácter didáctico e para edificação dos fiéis. Trata-se de uma história fictícia e parabólica, onde abundam passagens maravilhosas e exortações morais. Tobite é apresentado como modelo do israelita piedoso que, apesar do cisma, ocorre pontualmente ao templo de Jerusalém, paga os dízimos, vive uma vida matrimonial exemplar, pratica a caridade e observa a pureza legal. O livro de Tobite é uma pregação viva dos chamados três pilares do judaísmo: oração, esmola e jejum.
O nome de Tobite significa literalmente “a minha bondade”. Mas pode tratar-se da abreviatura de uma frase em que o sujeito é Deus. Nesse caso, poderá significar: “o Senhor é bom”, ou “o Senhor é o meu bem”. De qualquer modo, mais do que de Tobite, o livro fala de Deus, que não abandona os seus fiéis e que, se os põe à prova, é para lhes dar o prémio. Tobite é um desses fiéis que, durante o exílio em Nínive, no tempo de Salmanansar, não abandona “os caminhos da verdade e da justiça” (v. 1), mantém firme a sua identidade moral e religiosa, e continua a respeitar as tradições dos pais.
O texto que hoje escutamos, refere um belo episódio, que ilustra a piedade de Tobite. Quando, durante uma das solenidades de Israel, já se encontrava à mesa, onde sempre havia lugar para alguns pobres, vêm dizer-lhe que um hebreu fora estrangulado e que o seu cadáver jazia na praça da cidade. Tobite ergue-se imediatamente, vai recolher o cadáver e dar-lhe condigna sepultura. Trata-se de um gesto corajoso, pois já fora ameaçado de morte por causa de gestos semelhantes. Os familiares criticam-no. Mas Tobite prefere obedecer a Deus que ao rei. Cumprir a Lei de Deus é mais importante do que a própria vida.


Segunda leitura: Marcos 12, 1-12

Naquele tempo, 1Jesus começou a falar-lhes em parábolas: «Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e construiu uma torre. Depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. 2A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo, para receber deles parte do fruto da vinha. 3Eles, porém, prenderam-no, bateram-lhe e mandaram-no embora de mãos vazias. 4Enviou-lhes, novamente, outro servo. Também a este partiram a cabeça e cobriram de vexames. 5Enviou outro, e a este mataram-no; mandou ainda muitos outros, e bateram nuns e mataram outros. 6Já só lhe restava um filho muito amado. Enviou-o por último, pensando: ‘Hão-de respeitar o meu filho’. 7Mas aqueles vinhateiros disseram uns aos outros: ‘Este é o herdeiro. Vamos matá-lo e a herança será nossa’. 8Apoderaram-se dele, mataram-no e lançaram-no fora da vinha. 9Que fará o dono da vinha? Regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros. 10Não lestes esta passagem da Escritura:A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. 1Tudo isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos?» 12Eles procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se.

A alegoria usada por Jesus só se percebe se tivermos em conta o «cântico da vinha», que lemos em Is. 5, e o seu contexto histórico, isto é, a recusa da salvação pelos chefes de Israel, os «agricultores», que matam os profetas. Deus é o dono da vinha e o construtor do edifício, que é Israel. Surpreendentemente, aparece como «estrangeiro» no meio do povo de Israel. Deus não está vinculado às vicissitudes de um povo. Confiou uma tarefa aos responsáveis pela vinha israelita e foi-se embora, porque está noutro lado… Os servos são os numerosos profetas e homens de Deus enviados ao longo da história do povo escolhido. O filho recusado e morto, mas depois tornado pedra angular, é Jesus. A alegoria faz tocar os extremos: o amor de Deus Pai, que envia o seu Filho, e a recusa do chefes de Israel, que O matam.
À volta de Jesus, e do mistério da sua morte e ressurreição, hoje, como no passado, decide-se, para cada um de nós, o acolhimento ou a recusa da salvação. Não há direitos de progenitura, ou de eleição preferencial, que nos valham. O pretenso monopólio dos israelitas sobre a salvação está votado ao fracasso: «O dono regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros» (v. 9). O importante é que, no confronto com Jesus e com o seu mistério pascal, nos abramos a Ele, livre e responsavelmente, para sermos salvos. E Deus premiará a nossa coragem.


Meditatio

As leituras, que hoje escutamos, apresentam-nos dois ícones de atitudes e comportamentos com que, também nós, naturalmente nos confrontamos sempre que temos de tomar certas decisões: Tobias, homem generoso e serviçal, que não teme expor-se aos maiores perigos para ser fiel à Lei de Deus e às tradições do seu povo; os vinhateiros, homens egoístas, que tudo querem para si, não olhando a meios para alcançar o que pretendem, incluindo o homicídio.
Também nós, muitas vezes, somos chamados a fazer opções. Podemos deixar-nos guiar por critérios idênticos aos dos vinhateiros, querendo apoderar-nos de tudo para satisfazermos o nosso egoísmo. Mas convém deixar-nos orientar pelos critérios de Tobite, homem de coração grande, sempre orientado para o bem. Ele não faz caso do juízo dos homens, e age com liberdade e rectidão. Não se sente feliz sozinho, e faz seu o drama do povo. Não hesita perante os riscos que corre, e está disposto a pagar pessoalmente pela sua fidelidade. Pratica com assiduidade o acolhimento, a misericórdia e a benevolência pela dignidade dos seus irmãos. Escolhendo a generosidade de Tobite, estamos na linha de Cristo, que veio para servir. A parábola evangélica que escutamos evoca efectivamente a paixão de Jesus e a sua ressurreição. Reflectindo sobre ela, descobrimos a atitude do Pai, que nos ajuda a amar e a honrar o Filho: «O Pai ama o Filho», diz Jesus (Jo 3, 35; 5, 20). Na parábola, o amor do Pai é revelado por um adjectivo: «Já só lhe restava um filho muito amado» (v. 6). Se amamos a Jesus, estamos na linha do Pai, e correspondemos ao seu desejo manifestado nesta parábola: «Hão-de respeitar o meu filho» (v. 6). Estas palavras revelam o amor do Pai e a intenção que tinha ao enviar ao mundo o Filho muito amado: «Hão-de respeitar o meu filho». Meditemos estas palavras. Rezemo-las. O Pai, nesta parábola, manifesta-se como o primeiro reparador, se entendermos a reparação como amor a Jesus, como correspondência ao seu amor. A Palavra de Deus faz-nos entrever o mistério de Cristo como manifestação de uma reparação iniciada pelo próprio Pai. À extrema humilhação de Jesus infligida pelos homens, o Pai responde com a glorificação da Pedra que os construtores regeitaram: «A pedra que os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular? Isto é obra do Senhor» (Mt 21, 42). A primeira reparação é «obra do Senhor», de Deus Pai.
Depois da morte e da ressurreição de Jesus, o desejo do Pai - «Hão-de respeitar o meu filho» - há-de ser levado muito a sério por cada um de nós, cristãos, porque Jesus deu a vida por nós, tornando-se fundamento da nossa fé e do nosso amor. Deixemo-nos, pois, guiar até Jesus pelo amor do Pai.
Uma das dimensões da reparação indicadas pelas nossas Constituições, na linha da tradição espiritual que vem de S. Margarida Maria, é a correspondência ao amor de Cristo: «Entendemos a reparação como resposta ao amor de Cristo por nós» (Cst 23).


Oratio

Senhor Jesus Cristo, ao morreres na Cruz por nosso amor, e ao seres ressuscitado pelo Pai, derramaste sobre a Humanidade o Espírito Santo que renova todas as coisas e regenera o coração dos homens, reparando neles os efeitos do pecado, e reunindo-os na comunidade de amor que é a Igreja.
Dispõe-nos a acolher o mesmo Espírito, e a deixar-nos conduzir por Ele, para correspondermos ao teu amor, e darmos Glória e Alegria ao Pai que Te enviou ao mundo para nos salvar. Amen.


Contemplatio

O amor não pode desenvolver-se nos corações egoístas e frios. A generosidade é a condição do amor verdadeiro. Recordemo-nos das palavras de Nosso Senhor a Margarida Maria. Dizia-lhe: «Participa nas amarguras do meu Coração, derrama lágrimas sobre a insensibilidade destes corações que tinha escolhido para os consagrar ao meu amor. Venho ao coração que te dei, para que pelo seu ardor tu repares as injúrias que recebi destes corações tíbios e lassos que me desonram. Esta alma que te dei, oferecê-la-ás a Deus meu Pai, para desviar as penas que estas almas infiéis mereceram... Farás isso pelo meu povo escolhido». Consideremos como dito a nós mesmos o que Nosso Senhor dizia ainda a Margarida Maria acerca do apostolado do seu amor: «Quero que me sirvas de instrumento para atrair todos os corações ao meu amor». Eis o ideal da nossa vida: reparar muito, muito, para que isso baste pela nossa alma e por outras almas que Nosso Senhor quer salvar por nosso meio; amar muito também para que o nosso amor nos dê influência sobre o Coração de Jesus e para que inspire o nosso zelo no apostolado que temos para fazer. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 245s.).


Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
«Hão-de respeitar o meu filho» (Mc 12, 6)


Fonte http://www.dehonianos.org/

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Santíssima Trindade - Ano B - 31.05.2015


Santíssima Trindade

Ano B

TEMA

A Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.

Na primeira leitura, Jahwéh revela-se como o Deus da relação, empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira.

A segunda leitura confirma a mensagem da primeira: o Deus em quem acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que se demitiu do seu papel de Criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que não desiste de oferecer aos homens a vida plena e definitiva.

No Evangelho, Jesus dá a entender que ser seu discípulo é aceitar o convite para se vincular com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar a sua proposta de vida no meio do mundo e são enviados a apresentar, a todos os homens e mulheres, sem excepção, o convite de Deus para integrar a comunidade trinitária.

LEITURA I - Deut 4,32-34.39-40



Moisés falou ao povo, dizendo:

«Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Dum extremo ao outro dos céus,

sucedeu alguma vez coisa tão prodigiosa? Ouviu-se porventura palavra semelhante? Que povo escutou como tu a voz de Deus a falar do meio do fogo

e continuou a viver?

Qual foi o deus que formou para si uma nação no seio de outra nação,

por meio de provas, sinais, prodígios e combates, com mão forte e braço estendido,

juntamente com tremendas maravilhas,

como fez por vós o Senhor vosso Deus no Egipto, diante dos vossos olhos?

Considera hoje e medita no teu coração que o Senhor é o único Deus,

no alto dos céus e cá em baixo na terra, e não há outro.

Cumprirás as suas leis e os seus mandamentos, que hoje te prescrevo,

para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti,

e tenhas longa vida na terra que o Senhor teu Deus te vai dar para sempre».





AMBIENTE

o Livro do Deuteronómio é aquele "livro da Lei" ou "livro da Aliança" descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de Josias (622 a.C., cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas - originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).

Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de "testamento espiritual": lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.

O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do primeiro discurso de Moisés (cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf. Dt 1,6-3,29), em estilo narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um resumo da história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Pisga, na Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt 4,1-43), o autor apresenta, em estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas exigências. Esta secção final do primeiro discurso de Moisés começa com a expressão "e agora, Israel 0, que enlaça esta secção com a precedente: mostra-se que o compromisso que agora se pede a Israel se apoia nos acontecimentos históricos anteriormente expostosoA acção de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.

O capítulo 4 do Livro do Deuteronómio é um texto redigido, muito provavelmente, na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilónia. Perdido numa terra estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava afirmar a sua fé em Jahwéh e celebrá-Ia através do culto, impressionado com o esplendor ritual e as solenidades do culto babilónico, o Povo bíblico corria o risco de trocar Jahwéh pelos deuses babilónicos. É neste contexto que os teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo a olhar para a sua história, a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.

MENSAGEM

No trecho que nos é proposto, o autor deuteronomista começa por convidar Israel a contemplar a história "desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra"oO resultado dessa contemplação é a constatação do contínuo empenho de Jahwéh no sentido de oferecer ao seu Povo a vida e a salvação.

Toda a história da relação entre Deus e Israel é uma extraordinária história de relação, na qual se manifesta o amor de um Deus empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. Jahwéh escolheu Israel de entre todos os povos da terra, veio ao seu encontro, falou-lhe ao coração e realizou gestos destinados a trazer ao Povo ao encontro da vida. De mil formas, Deus fez ouvir a sua voz, indicou caminhos, conduziu o seu Povo da escravidão para a liberdade.



Como é que Israel se deve situar diante deste Deus? Como é que o Povo deve responder aos apelos de Deus?

Na perspectiva do teólogo deuteronomista, Israel deve, em primeiro lugar, reconhecer que "só o Senhor é DeusOe que não há outro". D'Ele e só d'Ele brotam a vida, a salvação, a felicidade, a liberdade. Esta constatação convida o Povo a não colocar a sua esperança e a sua realização noutros deuses, noutras propostas ilusórias e enganadoras. Israel deve, em segundo lugar, cumprir as leis e os mandamentos de Deus, pois essas leis e mandamentos são o caminho seguro para a felicidade.

Este "caminho" aqui apontado aos crentes de Israel (e aos crentes de todas as épocas e lugares) não é um caminho de dependência e de servidão; mas é um caminho de felicidade. Deus não se imiscui na vida dos homens para os tornar dependentes, mas para os libertar e para os levar à vida verdadeira, à felicidade plena.

ACTUALIZAÇÃO

+ Quem é Deus? Como é Ele? Qual a sua relação com os homens? O Deus em quem acreditamos é um Deus sensível aos problemas dos homens e que Se preocupa em percorrer com eles um caminho de amor e de relação, ou é um Deus insensível e distante, que olha com enfado e indiferença o caminho que percorremos e que Se recusa a sujar as mãos com a nossa humanidade? Trata-se de um Deus capaz de amar os homens e de aceitar, com misericórdia, as nossas falhas, ou de um Deus intolerante, duro e insensível, que castiga sem piedade qualquer deslize do homem? A Solenidade da Santíssima Trindade é, antes de mais, um convite a descobrir o verdadeiro rosto de Deus. A primeira leitura deste domingo dá-nos algumas pistas para perceber Deus e para reconhecer o seu verdadeiro rostoo

+ Nesta catequese do livro do Deuteronómio, Jahwéh revela-Se como o Deus da relação, empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira. Por vezes, ao longo da nossa caminhada pela vida, sentimo-nos sós e perdidos, afogados nas nossas dúvidas, misérias e dramas, assustados e inquietos face ao rumo que a história segueo Mas a certeza da presença amorosa, salvadora e reconfortante de Deus deve ser uma luz de esperança que ilumina o nosso caminho e que nos permite encarar cada passo da nossa existência com alegria e serenidade.

+ O catequista deuteronomista garante que Jahwéh é o único Deus capaz de realizar estas obras em favor do homem e que só n'Ele o homem encontra a verdadeira vida e a verdadeira liberdade. Esta afirmação convida-nos a reflectir sobre o papel que outros "deuses" (bem mais falíveis, bem menos dignos de confiança) desempenham na nossa existênciaOEm quem é que pomos a nossa esperança? Esses "deuses" que tantas vezes nos seduzem (o dinheiro, o poder, a fama, o sucesso, o reconhecimento social, os valores da rnodaü que tantas vezes atraem a nossa atenção e condicionam as nossas opções, são verdadeiramente garantia de vida e de felicidade? Esses "deuses" trazem-nos liberdade e esperança ou escravidão e alienação?

+ O autor do texto que nos é proposto convida o Povo a cumprir as leis e os mandamentos que Deus propõe; e garante que as propostas de Deus são o caminho seguro para a felicidade e para a realização plena do homem. Os mandamentos não são propostas destinadas a limitar a nossa liberdade e a prender-nos a um deus ciumento e castrador; mas são sugestões de um Deus que nos ama, que quer a nossa felicidade e realização plena e que, no respeito absoluto pela nossa liberdade, não desiste de nos indicar o caminho para a verdadeira vida.



SALMO RESPONSORIAL - Salmo 32 (33)



Refrão: Feliz o povo que o Senhor escolheu para sua herança.

 

A palavra do Senhor é recta,

da fidelidade nascem as suas obras.

Ele ama a justiça e a rectidão:

a terra está cheia da bondade do Senhor.



A palavra do Senhor criou os céus,

o sopro da sua boca os adornou.

Ele disse e tudo foi feito,

Ele mandou e tudo foi criado.



Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,

para os que esperam na sua bondade,

para libertar da morte as suas almas

e os alimentar no tempo da fome.



A nossa alma espera o Senhor:

Ele é o nosso amparo e protector.

Venha sobre nós a vossa bondade,

porque em Vós esperamos, Senhor.







LEITURA 11- Romanos 8,14-17

Irmãos:

Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.

Vós não recebestes um espírito de escravidão para recair no temor,

mas o Espírito de adopção filial, pelo qual exclamamos: «Abba, Pai». O próprio Espírito dá testemunho, em união com o nosso espírito,

de que somos filhos de Deus.

Se somos filhos, também somos herdeiros, herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo; se sofrermos com Ele,

também com ele seremos glorificados.



AMBIENTE

A Carta aos Romanos é um texto sereno e amadurecido, escrito por Paulo por volta do ano 57/58 e no qual o apóstolo apresenta uma síntese da sua mensagem e da sua pregação. O pretexto para a carta é um projecto de passagem por Roma, a caminho de Espanha (cf. Rom 16,23-24): Paulo sente que terminou a sua missão no oriente e quer anunciar o Evangelho de Jesus no ocidente.

Na verdade, esse projecto de passagem por Roma parece ser, sobretudo, um pretexto para Paulo se dirigir aos Romanos e para lhes expor as suas ideias acerca da salvação. Na comunidade cristã de Roma - como, aliás, em quase todas as comunidades cristãs de então - havia divergências entre cristãos vindos do judaísmo e cristãos vindos do paganismo acerca do caminho cristão. Para os judeo-cristãos, a salvação dependia, além da fé em Cristo, da prática da Lei de Moisés; para os pagano-cristãos, a adesão a Cristo bastava. A uns e a outros, Paulo vai apresentar o essencial da mensagem cristãCO apóstolo insiste, sobretudo, no facto de a salvação não ser uma conquista do homem (que resulta dos actos ou dos méritos do homem), mas um dom do amor de Deus. Na verdade, todos os homens vivem mergulhados no pecado, pois o pecado é uma realidade universal (cf. Rom 1,18-3,20); mas Deus, na sua bondade, a todos "justifica" e salva (cf. Rom 3,1-5,11); e essa salvação é oferecida por Deus ao homem através de Jesus Cristo; ao homem, resta aderir a essa proposta de salvação, na fé (cf. Rom 5,12-8,39).

O texto que hoje nos é proposto faz parte de um capítulo em que Paulo reflecte sobre a vida nova que Deus oferece ao baptizado e que Paulo chama "a vida no Espírito". O pensamento teológico de Paulo atinge, neste capítulo, um dos seus pontos culminantes, pois todos os grandes temas paulinos (o projecto salvador de Deus em favor dos homens; a acção libertadora de Cristo, através da sua vida de doação, da sua morte e da sua ressurreição; a nova vida que faz dos crentes Homens Novos e os torna filhos de Deus) se cruzam aqui.

Paulo procura, de forma especial, mostrar que os cristãos, libertos da Lei, do pecado e da morte por Jesus Cristo, deixaram a vida velha da "carne" (que é viver em oposição a Deus, numa vida da egoísmo, de auto-suficiência, de orgulho, de fechamento) para viverem a vida nova do Espírito (que é viver em relação com Deus, escutando as suas propostas e sugestões, na obediência aos projectos de Deus e na doação da própria vida aos irmãos).

MENSAGEM

O crente que acolhe a proposta de salvação que Deus faz em Jesus vive "no Espírito". Aceitar essa proposta de vida é aceitar uma vida de relação e de comunhão com Deus. Nessa relação, o crente é alimentado com a vida de Deus.

Os que aceitam receber a vida de Deus e vivem "no Espírito" são "filhos de Deus":

Deus é, para eles, um Pai que continuamente os cria e lhes dá vida. A partir de então, os crentes integram a "família de Deus". Não são escravos que vivem no medo de um patrão ciumento e exigente (como era a Lei de Moisés); mas são "filhos" queridos, que Deus ama com amor infinito. Ao dirigirem-se a Deus, os crentes podem usar, com propriedade, a palavra "abba" (a palavra com que, familiarmente, as crianças se dirigem ao pai e que pode traduzir-se como "papá") - expressão de intimidade filial, que define uma relação marcada pelo amor, pela familiaridade, pela confiança, pela ternura.

A condição de "filhos" equipara os crentes com Cristo. Eles tornam-se, assim, "herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo". Qual é essa "herança" que lhes está reservada? É a vida plena e definitiva, que Deus oferece àqueles que aceitaram a proposta de Cristo e percorreram com Ele o caminho do amor, da doação, da entrega da vida.

O nosso Deus é, de acordo com a catequese de Paulo, o Deus da relação, apostado em vir ao encontro dos homens, em oferecer-lhes vida, em integrá-los na sua família, em amá-los com amor de Pai, em torná-los herdeiros da vida plena e definitiva.



ACTUALIZAÇÃO

+ Mais uma vez a Palavra que nos é proposta reafirma esta realidade: o Deus em quem acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que Se demitiu do seu papel de criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que não desiste de oferecer aos homens a vida plena e verdadeira. Há, ao longo da nossa caminhada pela vida, momentos de solidão e de desespero, em que procuramos Deus e não conseguimos descortinar a sua presença; mas, sobretudo nesses momentos dramáticos, é preciso não esquecer que Deus nunca desiste dos seus filhos e que nenhum de nós Lhe é indiferente.

+ À oferta de vida que Deus faz, o homem pode responder positiva ou negativamente. Se o homem preferir recusar a vida que Deus oferece e trilhar caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência, está a rejeitar a possibilidade de aceder à vida plena e verdadeira; se o homem estiver disponível para acolher a salvação que Deus oferece em Jesus, torna-se herdeiro da vida eterna. Em que situação é que eu me coloco, diante dos dons de Deus?

+ Os membros da comunidade cristã, que pelo Baptismo aderiram ao projecto de salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada pelo Espírito, integram a família de Deus. O fim último da nossa caminhada é a pertença à família trinitária.

+ Esta "vocação" deve expressar-se na nossa vida comunitária. A nossa relação com os irmãos deve reflectir o amor, a ternura, a misericórdia, a bondade, o perdão, o serviço, que são as consequências práticas do nosso compromisso com a comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas relações comunitárias reflectem esse amor que é a marca da "família de Deus"?

ALELUIA - Ap 1,8

Aleluia. Aleluia.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,

ao Deus que é, que era e que há-de vir.



EVANGELHO - Mt 28,16-20



Naquele tempo, os onze discípulos partiram para a Galileia, em direcção ao monte que Jesus lhes indicara.

Quando O viram, adoraram-n'O;

mas alguns ainda duvidaram.

Jesus aproximou-Se e disse-lhes:

«Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e fazei discípulos de todas as nações,

baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei.

Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».



AMBIENTE

O texto situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não se diga se é muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio - cf. Mt 28,1-15). De acordo com Mateus, Jesus, pouco antes de ser preso, havia marcado encontro com os discípulos na Galileia (cf. Mt 26,32); na manhã da Páscoa, os anjos que apareceram às mulheres no sepulcro (cf. Mt 28,7) e o próprio Jesus, vivo e ressuscitado (cf. Mt 28,10), renovam o convite para que os discípulos se dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.

A Galileia - região setentrional da Palestina - era uma região próspera e bem povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia desta região o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número importante de pagãos fazia parte da sua população. A coabitação de populações pagãs e judias fazia, certamente, com que os judeus da Galileia vivessem a religião de uma maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judeia: a presença diária dos pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a interpretar mais amplamente as regras que se referiam, por exemplo, às impurezas rituais contraídas pelo contacto com os não judeus. No entanto, isto fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da Galileia e considerassem que da Galileia "não podia sair nada de bom".

No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi também na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do "Reino" e que começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt 4,12-22). Para Mateus, esse facto sugere que a o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos.

Mateus situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos, num "monte que Jesus lhes indicara". Trata-se, no entanto, de uma montanha da Galileia que é impossível identificar geograficamente, mas que talvez Mateus ligue com a montanha da tentação (cf. Mt 4,8) e com a montanha da transfiguração (cf. Mt 17,1). De qualquer forma, o "monte" é sempre, no Antigo Testamento, o lugar onde Deus se revela aos homens.

MENSAGEM

o texto que descreve o encontro final entre Jesus e os discípulos divide-se em duas partes.

Na primeira (vers. 16-18), descreve-se o encontro. Jesus, vivo e ressuscitado, revela­-se aos discípulos; e os discípulos reconhecem-n'O como "o Senhor" e adoram-n'O. Depois de descrever a adoração, Mateus acrescenta uma expressão que alguns traduzem como "alguns ainda duvidaram" e outros como "eles que tinham duvidado" (gramaticalmente, ambas as traduções são possíveis). No primeiro caso, a expressão significaria que a fé não é uma certeza científica e que não exclui a dúvida; no segundo caso, a expressão aludiria a essa dúvida constante dos discípulos - expressa em vários momentos, ao longo da caminhada para Jerusalém - e que aqui perde qualquer razão de ser.

Ao reconhecimento e à adoração dos discípulos, segue-se uma manifestação do mistério de Jesus, que reflecte a fé da comunidade de Mateus: Jesus é o "Kyrios", que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história; Jesus é "o mestre", cujo ensinamento será sempre uma referência para os discípulos; Jesus é o "Deus­ connosco", que acompanhará, a par e passo, a caminhada dos discípulos pela história.

Na segunda (vers. 19-20), Mateus descreve o envio dos discípulos em missão pelo mundo. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio trazer aos homens e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos. A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da universalidade da missão dos discípulos destina-se a "todas as nações".

A segunda nota dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas da comunidade de Mateus: o ensino e o baptismo. Começava-se pela catequese, cujo conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus (o discípulo começava sempre pelo catecumenato, que lhe dava as bases da proposta de Jesus). Quando os discípulos estavam informados da proposta de Jesus, vinha o baptismo - que selava a íntima vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo (era a adesão à proposta anteriormente feita).

Uma última nota: Jesus estará sempre com os discípulos, "até ao fim dos tempos". Esta afirmação expressa a convicção - que todos os crentes da comunidade mateana possuíam - que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história, ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.

ACTUALIZAÇÃO

+ Este texto evangélico foi escolhido para o dia da Santíssima Trindade, pois nele aparece uma fórmula trinitária usada no baptismo cristão ("em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"). O nosso texto sugere, antes de mais, que ser baptizado é estabelecer uma relação pessoal com a comunidade trinitária…  No dia em que fomos baptizados, comprometemo-nos com Jesus e vinculamo-nos com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A minha vida tem sido coerente com esse compromisso?

+ Quem acolheu o convite de Deus (apresentado em Jesus) para integrar a comunidade trinitária, torna-se testemunha, no meio dos homens, dessa vida nova que Deus oferece. O papel dos discípulos é continuar a missão de Jesus, testemunhar o amor de Deus pelos homens e convidar os homens a integrar a família de Deus. Os irmãos com quem nos cruzamos pelos caminhos da vida recebem essa mensagem? As nossas palavras e os nossos gestos testemunham esse amor com que Deus ama todos os homens? As nossas comunidades são a imagem viva da família de Deus e apresentam um convite credível e convincente aos homens para que integrem a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo?

+ A missão que Jesus confiou aos discípulos - introduzir todos os homens na família de Deus - é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas, não podem ser obstáculo para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Todos os homens e mulheres, sem excepção, têm lugar na família de Deus. Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os homens - sem distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas - a anunciar-lhes o amor de Deus e a convocá-los para integrar a comunidade trinitária? Tenho consciência de que sou chamado a apresentar a todos os homens - mesmo àqueles que habitam no outro lado do mundo - o convite para integrar a família de Deus?

+ Num mundo onde Deus nem sempre faz parte dos planos e das preocupações dos homens, testemunhar o amor de Deus e apresentar aos homens o convite para integrar a família de Deus é um enorme desafio. O confronto com o mundo gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração…  Nos momentos de decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de Jesus:

"Eu estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.

+ A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de "um em três". Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família - pai, mãe e filho - é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é também negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-Se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue "dizer" o indizível, não consegue definir cabalmente o mistério de Deus.

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS

PARA A SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE (adaptadas de "Signes d'eujcurd'hui"}

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus…

2. BILHETE DE EVANGELHO.

Se na montanha da Galileia alguns dos onze tiveram dúvidas, é talvez porque eles pensavam tomar a iniciativa do encontro com o Ressuscitado, só contavam com eles para acreditar: a sua inteligência procurava compreender, os seus olhos queriam ver, as suas mãos procuravam tocar, o seu coração desejava amar, mas não esqueciam então que era o Ressuscitado que tinha a iniciativa? Então Jesus assegura-lhes, é Ele que os envia: "Ide!" É em nome de Deus Pai, Filho e Espírito que deverão baptizar; e os mandamentos que farão observar são os mesmos que o próprio Jesus lhes deu. Enfim, Jesus não reprova as suas dúvidas, apenas lhes assegura: "Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos". Duvidar, não será falta de confiança? Ter medo, não será esquecer uma presença?

3. À ESCUTA DA PALAVRA.

Trindade, Movimento de Amor! Um mais um igual a um! As matemáticas divinas não obedecem à nossa lógica! Para além da expressão um pouco técnico da palavra, a fé na Trindade é o coração absoluto do cristianismo. Está na concepção mais fundamental que temos de Deus. Quando São Mateus escreve: "Baptizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", utiliza uma antiga fórmula baptismal muito precisa. Trata-se de ser mergulhado, imerso num movimento, aquele que diz o próprio Nome de um Deus que é Pai, Filho e Espírito. São João diz também, no final do seu prólogo, que "o Filho único está no seio do Pai". Longe de ficar estático, "instalado", o Filho só encontra a verdade última do seu ser na medida em que está ligado ao Pai por um movimento de amor. Com efeito, a grande revelação que Cristo veio trazer, é que "Deus é Amor". O Ser de Deus é o Amor em estado puro, mais precisamente ainda, é amar. Deus nada pode fazer senão amar. Ora, o amor não existe se não for movimento, reciprocidade, dom e acolhimento. Deus, Aquele que Jesus chama "Abba", "papá", só pode existir como fonte de amor. Ele não se pode definir unicamente como o "Ser Supremo". O Pai é a fonte que Se dá, eternamente, gratuitamente. O Filho surge deste dom como a perfeita Imagem do Pai. Quanto ao Espírito, Ele é este mesmo Movimento de Amor que liga eternamente o Pai e o Filho. O Espírito é o "peso" que, brotando do Coração do Pai, O faz "abanar" no dom total de Si mesmo ao Filho. Isto só se pode aceitar na fé, proclamando um Deus que só é Amor e nada mais. É neste Movimento que são mergulhados os baptizados. A vida dos cristãos não é uma realidade estática, nem simples conformidade aos mandamentos. É movimento de amor, aberto aos outros, no próprio movimento de amor que é Deus. "Assim como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros".

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE

Ver em cada um… Não é preciso questionarmo-nos muito tempo sobre como fazer para amar os outros… Basta ver Jesus em todo o ser humano, junto de cada um, e saber que o Reino se constrói nos gestos humildes de hoje!







Grupo Dinamizador

Pe. Joaquim Garrido - Pe. Manuel Barbosa - Pe. Ornelas Carvalho

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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Sábado - 30.05.2015


Lectio

Primeira leitura: Ben Sirá 51, 17-27 (gr. 12-20)

Eu te glorificarei, cantarei os teus louvores, e bendirei o nome do Senhor. 13Quando eu era ainda jovem, antes de ter viajado, busquei abertamente a sabedoria na oração. 14Pedi-a a Deus, diante do santuário, e buscá-la-ei até ao fim. 15Na sua flor, como uva sazonada, o meu coração nela se alegrou; os meus pés andaram por caminho recto; desde a minha juventude tenho seguido os seus rastos. 16Apliquei um pouco o meu ouvido, e logo a percebi; encontrei em mim mesmo muita sabedoria. 17Nela fiz grandes progressos. Tributarei glória àquele que me deu a sabedoria, 18porque resolvi pô-la em prática; tive zelo do bem e não serei confundido. 19Lutou minha alma por ela e pus toda a atenção em observar a Lei. Levantei as minhas mãos ao alto e deplorei a minha ignorância acerca dela. 20Dirigi para ela a minha alma, e na pureza a encontrei. Graças a ela, adquiri inteligência desde o princípio; por isso nunca serei abandonado.

Ben Sirá conclui o seu livro com uma oração, que ocupa o capítulo 50, a partir do versículo 29, e se prolonga pelo capítulo 51, até ao versículo 12. É uma digna conclusão para a sua obra sobre a Sabedoria. As últimas palavras da oração são um propósito em ordem ao futuro: «Eu te glorificarei, cantarei os teus louvores, e bendirei o nome do Senho» (v. 12). Logo depois, ao fazer memória da sua caminhada na busca da Sabedoria, o autor tira outra conclusão: «Graças a ela (à Sabedoria), adquiri inteligência desde o princípio; por isso nunca serei abandonado» (v. 20).
Ben Sirá, na alusão às suas viagens, reconhece que houve tempo, provavelmente na juventude, em que andou desorientado. Mas teve tempo para encontrar a sabedoria, na oração: «Pedi-a a Deus, diante do santuário» (v. 14). Não basta a inteligência e o esforço humano para encontrar a sabedoria, porque ela é, sobretudo, um dom de Deus, uma participação na Sua própria Sabedoria. É por isso que a Sabedoria faz caminhar, faz crescer: «Nela fiz grandes progressos» (v. 17). Sendo a Sabedoria um dom divino, o homem sente necessidade de agradecê-la a Deus: «Tributarei glória àquele que me deu a sabedoria, 18porque resolvi pô-la em prática» (vv. 17b-18ª).
Um dom tão precioso como a Sabedoria não se pode desperdiçar. Por isso, Ben Sirá procura transmiti-la às gerações futuras. Hoje, somos nós que recebemos esse dom, sendo chamados a desposar-nos com a Sabedoria, que nos prepara para a vinda de Cristo, «Sabedoria de Deus».


Evangelho: Marcos 11, 27-33

Naquele tempo, Jesus e os discípulos regressaram a Jerusalém e, andando Jesus pelo templo, os sumos sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos aproximaram-se dele 28e perguntaram-lhe: «Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te deu autoridade para as fazeres?» 29Jesus respondeu: «Também Eu vos farei uma pergunta; respondei-me e dir-vos-ei, então, com que autoridade faço estas coisas: 30O baptismo de João era do Céu, ou dos homens? Respondei-me.» 31Começaram a discorrer entre si, dizendo: «Se dissermos ‘do Céu’, dirá: ‘Então porque não acreditastes nele?’ 32Se, porém, dissermos ‘dos homens’, tememos a multidão.» Porque todos consideravam João um verdadeiro profeta. 33Por fim, responderam a Jesus: «Não sabemos.»E Jesus disse-lhes: «Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas.»

A atitude «subversiva» de Jesus no templo inquietou os chefes, que resolveram interrogá-lo. Dir-se-ia que se trata de um inquérito à margem do processo oficial. A resposta positiva de Jesus, à pergunta que lhe faziam, equivalia a declarar-se Messias, pois só Messias tem autoridade para tomar tais atitudes. E nada mais seria preciso para um processo oficial contra Ele. Com grande habilidade, Jesus responde com outra pergunta, que lança a confusão entre os seus adversários. Como não tiveram coragem para responder, e se escudaram num lacónico «não sabemos», Jesus despediu-os com uma expressão seca: «Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas» (v. 33).
Talvez nos espante esta atitude de Jesus, tão atencioso e compassivo com Bartimeu. Mas o Senhor detesta a arrogância e a má vontade. É puro, mas não ingénuo. Além disso, a sua dureza podia levar os adversários a rever posições ou, pelo menos, a reconhecer que não procuravam a verdade, mas só desembaraçar-se dele.
Jesus dá-nos exemplo de «ética profética». A sua autoridade está na linha da de João Baptista. Se os adversários de Jesus reconhecessem a autoridade de João, a sua resistência a Jesus seria menos grave. Mas não o fizeram. Acabaram por recusar Jesus, mas também por atraiçoar o Baptista, ignorando a confiança que o povo tinha nele, pois o considerava um verdadeiro profeta.


Meditatio

A história da Salvação avança enriquecendo-se progressivamente, até desembocar no Novo Testamento. O Antigo Testamento alude, esboça e anuncia o Novo Testamento, que completa, realiza e leva a pleno cumprimento quanto foi aludido, esboçado, anunciado. A Sabedoria, por exemplo, começa por ser um facto da experiência e do bom senso humano. Mas, progressivamente, assume tons do Divino. Nos fins do Antigo Testamento, é mesmo um atributo divino, propriedade que emana de Deus e investe proveitosamente o mundo. O Sábio percebeu esse progressivo movimento de enriquecimento, e começa a dar-se conta e a comunicar que não se pode viver sem a Sabedoria, que, ao fim e ao cabo, é um dom de Deus. Sem ela, não temos contacto com o divino, e a vida perde sabor. Mas, com ela, tudo tem sentido.
O evangelho apresenta-nos os chefes do povo de Jerusalém que, indispostos, vão interrogar Jesus sobre os milagres que faz. O Senhor contra-ataca, fazendo perguntas que os deixam embaraçados, porque lhes fazem ver que não só não aceitaram o baptismo de João, não procuraram Jesus com pureza de coração, e nem sequer a verdade, mas unicamente os seus interesses mesquinhos. Por isso, acabam por responder: «Não sabemos». Não encontraram a Sabedoria. Pelo contrário, Maria, que sempre gostamos de recordar, particularmente em dia de sábado, é, para nós, modelo da busca da Sabedoria, porque procura a vontade de Deus com simplicidade e pureza de coração. Também ela fez uma pergunta ao anjo, na Anunciação: «Como será isso, se eu não conheço homem?» (Lc 1, 34). A pergunta de Maria não é má. A Virgem apenas pede um esclarecimento. Ouve respostas que não esclarecem tudo, mas lhe dizem que Deus tem um projecto onde Ela entra. E Maria aceita confiadamente participar nele. É o mesmo abandono e disponibilidade que Deus nos pede.
Muitas vezes, os nossos pedidos a Deus, na oração, não obtêm logo resposta. Essa chega-nos na vida, nos acontecimentos. É por isso que Maria observava o que se passa à sua com Jesus, guardando e meditando tudo no seu coração. Com humildade, paciência e constância, Maria procurava a sabedoria sobre o projecto de Deus, que se revelava pouco a pouco, e ao qual aderia de todo o coração. Assim há-de ser também a nossa atitude.


Oratio

Senhor Jesus, pelas mãos de Maria, tua e minha Mãe, ofereço-Te a minha inteligência para os teus pensamentos; ofereço-Te a minha vontade, para os teus desejos; ofereço- Te os meus sentidos para as tuas obras; ofereço-Te o meu coração, para o teu amor. Faz que, vivendo de Ti, trabalhando por Ti, eu me transforme em Ti. Mãe de Jesus, faz de mim outro Jesus. Amen.



Contemplatio

As qualidades e as condições do reconhecimento. – O nosso reconhecimento (para com Deus) deve ser sobretudo afectuoso, cheio de ternura e de amor. Poderíamos nós amar demasiado aquele que nos ama com um amor tão paternal e que nos cumula com tantos benefícios? O nosso reconhecimento deve ser contínuo. Deve manifestar-se desde o nosso despertar, ao primeiro som dos sinos, que recordam a mensagem do anjo Gabriel a Maria; depois de um empreendimento coroado de sucesso, depois das /545 refeições, ao tomarmos conhecimento de uma notícia feliz e agradável, mesmo no meio da tribulação e das adversidades, a cruz é tão preciosa para nos purificar e nos merecer graças! Façamos de modo a que a nossa vida seja uma acção de graças contínua. Tenho praticado esta virtude até ao presente? O meu espírito tem pensado nisso tão frequentemente como devia? O meu coração está dela penetrado? A minha boca fala dela muitas vezes? Oferece ao meu Deus os sacrifícios de louvor que Ele espera de mim? Sinto retinir as lamentações tão tocantes expressas por Nosso Senhor à Bem-aventurada Margarida Maria: «Não recebo da maior parte senão ingratidões, pelos desprezos, pelas irreverências, pelos sacrilégios e pelas friezas que têm para comigo no sacramento do meu amor… A ingratidão dos homens é-me mais sensível que tudo o que sofri na minha Paixão». (Leão Dehon, OSP4, p. 544s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Eu te glorificarei, cantarei os teus louvores, e bendirei o nome do Senhor» (Sir 51, 12).



__________________

Subsídio litúrgico a cargo de Fernando Fonseca, scj
Fonte http://www.dehonianos.org/

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Sexta-feira - 29.05.2015


Lectio

Primeira leitura: Ben Sirá 44, 1.9-13

Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados, segundo as suas gerações 9Outros há, cuja memória já não existe; pereceram como se não tivessem existido, nasceram como se não tivessem nascido, e da mesma maneira, os seus filhos, depois deles. 10Porém, aqueles foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. 11Na sua descendência permanecem os seus bens, e a sua herança passa à sua posteridade. 12Os seus descendentes mantiveram-se fiéis à Aliança, os seus filhos também, graças a eles. 13A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim.

Depois de contemplar a glória de Deus na criação, Ben Sirá contempla-a na História. Essa contemplação acaba por fortalecer o sentido de pertença à própria família, ao próprio povo. As gerações são como as águas de um rio que, da nascente, avança para o mar. Mas é sempre a mesma família, é sempre o mesmo povo.
O autor sagrado elogia os homens ilustres, aquelas pessoas que deram brilho ao seu povo, que contribuíram para apoiar a história de Israel, passando em revista as diversas gerações, desde as origens até ao século V a. C. Hoje escutamos a introdução a esse texto onde são apresentadas pessoas que marcaram a história pelas suas virtudes, ou pela sua piedade, como lemos no texto hebraico. Esta piedade consistia na fidelidade e no amor a Deus, mas também na misericórdia para com os pequenos e oprimidos, no precioso serviço da educação dos mais novos.
O bem nunca se perde, mas deixa lançadas sementes que, mais cedo o mais tarde, acabam por germinar e dar fruto. Por isso, a memória dos antigos virtuosos é uma bênção.


Evangelho: Marcos 10, 1-12

Naquele tempo, Jesus, depois de ser aclamado pela multidão, chegou a Jerusalém e entrou no templo. Depois de ter examinado tudo em seu redor, como a hora já ia adiantada, saiu para Betânia com os Doze. 12Na manhã seguinte, ao deixarem Betânia, Jesus sentiu fome. 13Vendo ao longe uma figueira com folhas, foi ver se nela encontraria alguma coisa; mas, ao chegar junto dela, não encontrou senão folhas, pois não era tempo de figos. 14Disse então: «Nunca mais ninguém coma fruto de ti.» E os discípulos ouviram isto. Chegaram a Jerusalém; e, entrando no templo, Jesus começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo; deitou por terra as mesas dos cambistas e os bancos dos vendedores de pombas, 16e não permitia que se transportasse qualquer objecto através do templo. 17E ensinava-os, dizendo: «Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões.» 18Os sacerdotes e os doutores da Lei ouviram isto e procuravam maneira de o matar, mas temiam-no, pois toda a multidão estava maravilhada com o seu ensinamento. 19Quando se fez tarde, saíram para fora da cidade. 20Ao passarem na manhã seguinte, viram a figueira seca até às raízes. 21Pedro, recordando-se, disse a Jesus: «Olha, Mestre, a figueira que amaldiçoaste secou!» 22Jesus disse-lhes: «Tende fé em Deus. 23Em verdade vos digo, se alguém disser a este monte: ‘Tira-te daí e lança-te ao mar’, e não vacilar em seu coração, mas acreditar que o que diz se vai realizar, assim acontecerá. 24Por isso, vos digo: tudo quanto pedirdes na oração crede que já o recebestes e haveis de obtê-lo. Quando vos levantais para orar, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe primeiro, 25para que o vosso Pai que está no céu vos perdoe também as vossas ofensas. 26Porque, se não perdoardes, também o vosso Pai que está no Céu não perdoará as vossas ofensas.»
Depois de uma longa viagem, durante a qual anunciou o Reino e realizou prodígios, que manifestavam a sua presença, Jesus chega a Jerusalém. Entra no templo, examina a situação, e retira-se para Betânia, onde pernoita.
No dia seguinte dá-se o episódio da maldição da figueira, um evento que tem dado aso a muitas discussões e hipóteses entre os exegetas. Não vamos entrar nelas. Mas, encorajados pela liturgia que nos faz ler hoje três episódios do ministério de Jesus em Jerusalém, - a madição da figueira (vv. 12-14), a expulsão dos profanadores do tempo (vv. 15-19), a exortação à fé (vv. 22-25), - vamos procurar descobrir a ligação que há entre eles. Jesus tem fome, procura figos na figueira e não os encontra. Marcos informa que «não era tempo de figos» (v. 14). Este evento inquadra-se no contexto da revelação que Jesus está a completar. O tempo da fé é salvífico, e não cronológico. Jesus revela que o Pai, n´Ele, tem fome e tem sede, não de alimento ou de bebida, mas de amor, de justiça, de rectidão; tem fome e sede de respeito pela sua morada, e não da profanação do templo santo, que somos cada um de nós. Para saciar esta fome e esta sede, todo o tempo e todo o lugar são bons. Israel perdera a sua fecundidade religiosa porque, explorando o povo simples no próprio templo de Deus, não amava a humanidade e não podia, por conseguinte, correr o risco da maravilhosa aventura da oração e da fé.


Meditatio

A primeira leitura oferece-nos a possibilidade de meditar sobre as virtudes e os exemplos dos antepassados. O Sábio canta as suas glórias e aponta-os como modelos. Hoje, mais do que nunca, num mundo onde tudo passa vertiginosamente, onde tudo é relativizado, precisamos urgentemente de referências. O importante é saber onde estão as referências correctas, aquelas que nos podem ajudar a crescer humana e espiritualmente. Homens valorosos são aqueles que são fiéis a Deus, como os Santos. Por isso, não só os invocamos nas nossas necessidades e aflições, mas também procuramos imitá-los no seu grande amor a Deus e ao próximo.
Jesus, no evangelho de hoje, surpreende-nos. Estamos habituados a repetir as suas palavras: «aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração» (Mt 11, 29). Hoje, porém, o Senhor parece-nos violento. De facto, o amor de Jesus não é mole. É um amor forte, que em certas ocasiões se manifesta de modo verdadeiramente violento: «Jesus começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo; deitou por terra as mesas dos cambistas e os bancos dos vendedores de pombas» (Mt 11, 12). O que o faz actuar é o seu amor pelo Pai e por nós. Quer purificar a casa do Pai que deve tornar-se «casa de oração para todos os povos», e não uma «covil de ladrões».
O episódio da figueira que não tem frutos ilumina este amor. A propósito desta árvore que, amaldiçoada por Jesus, seca, - gesto simbólico que mostra a necessidade de produzir frutos abençoados por Deus - Jesus faz o seguinte comentário: «Tende fé em Deus. Em verdade vos digo, se alguém disser a este monte: ‘Tira-te daí e lança-te ao mar’, e não vacilar em seu coração, mas acreditar que o que diz se vai realizar, assim acontecerá» (v. 23). Jesus, que está sempre em íntima comunhão com o Pai, conhece a sua generosidade. Por isso, convida-nos a esta oração confiante. E não se esquece do amor fraterno. Por isso, acrescenta: «Quando vos levantais para orar, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe primeiro, para que o vosso Pai que está no céu vos perdoe também as vossas ofensas.» (vv. 24-25). O amor pelo Pai está intimamente unido ao amor pelos homens, os homens que Ele ama. Para estar unidos ao Pai, e crescer nessa união, é preciso abrir o coração aos outros, ainda que pecadores, ainda que nos tenham ofendido, como fez Jesus.
Peçamos ao Senhor uma vida cheia de fé, uma vida assente no amor, mesmo por aqueles que são contra nós. É assim que imitamos o Pai que está no céu. É assim que seguimos os bons exemplos dos Santos, e deixamos atrás de nós um rasto luminoso de bem.
O seguimento de Jesus, na fidelidade e no amor, garante uma vida cheia de frutos que permanecem.
Oratio

Senhor, são muitos os bons e os maus exemplos, que vejo à minha volta. Também eu dou alguns bons exemplos e, infelizmente, muitos maus exemplos. Ajuda-me a fixar-me nos bons exemplos dos teus Santos. Ajuda-me a eliminar os maus exemplos que eu próprio dou aos outros. Que eu saiba imitar tantos antepassados na fé, no amor por Ti e pelos outros. Que na minha vida, cheia de fé, o Espírito Santo produza os seus inúmeros frutos de santidade e de bem. E que esses frutos permaneçam para sempre. Amen.


Contemplatio

O exemplo de Maria e dos santos. – É o cântico de acção de graças de Maria que meditamos hoje. Este cântico marca as suas disposições habituais. É Maria mesma que a sua parente acaba de louvar e de cumprimentar. Isabel, sentindo a graça se espalhou nos lábios de Maria e advertida pelos estremecimentos de João Baptista, exclamou por um movimento do Espírito Santo: «sede bendita entre todas as mulheres, e de onde me vem esta felicidade que a Mãe do meu Deus me venha visitar?» Mas Maria não pensa senão no seu Deus. Canta o seu cântico de reconhecimento: «A minha alma glorifica o Senhor e o meu coração exulta de alegria em Deus meu Salvador». Toda abismada na sua humildade, ela remete para Deus todos os louvores que a ela lhe dão. Tratam-na por Mãe de Deus, ela não se considera nem quer ser considerada senão como sua serva. Protesta com acção de graças que foi Deus quem tudo fez nela; publica a santidade do nome de Deus, a extensão do seu poder e a grandeza das suas misericórdias. Assim o seu hino de acção de graças tornou-se a expressão ordinária do reconhecimento dos fiéis. Ela inspirava-se do espírito de Jesus. Ele mesmo quis que as efusões do seu reconhecimento para com o Pai fossem assinaladas no Evangelho, nomeadamente antes e depois da Ceia eucarística, a maravilha do amor do seu Pai para connosco. Os santos expandiam-se sem cessar em acções de graças. Temos disso a prova na Sagrada Escritura. Diz-se de Tobias que dava graças ao Senhor todos os dias da sua vida (Tobias 2, 14). David exclamava: «Que darei ao Senhor por todos os bens que dele recebi» (Sl 115). Ele mesmo se excitava ao reconhecimento: «Ó minha alma, bendiz o Senhor e não esqueças todos os seus benefícios» (Sl 102). E passava em revista os benefícios sem número de Deus: perdoa os nossos pecados, cura as nossas enfermidades, faz-nos uma coroa das suas misericórdias (Sl 102). Os salmos são muitas vezes hinos de acção de graças a Deus sem interrupção (2Tes 2, 14); e ainda: Dai graças a Deus em todas as coisas, esta é a vontade de Deus em Cristo (Tês 5). (Leão Dehon, OSP4, p. 543s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Escolhi-vos para que vades e deis muito fruto (Jo 15, 16).



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terça-feira, 26 de maio de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Quinta-feira - 28.05.2015


Lectio

Primeira leitura: Ben Sirá 42, 15-26 (gr. 15-25)

Relembrarei, agora, as obras do Senhor e anunciarei o que vi. Pelas palavras do Senhor foram realizadas as suas obras e segundo a sua vontade realizou-se o seu decreto. 16O Sol que brilha contempla todas as coisas; a obra do Senhor está cheia da sua glória. 17Os santos do Senhor não têm capacidade para contar todas as suas maravilhas, que o Senhor omnipotente solidamente estabeleceu, a fim de que subsistam na sua glória. 18Ele sonda o abismo e o coração humano, e penetra os seus pensamentos mais subtis. Realmente, o Senhor conhece toda a ciência e contempla os sinais dos tempos futuros. 19Anuncia o passado e o futuro e descobre os vestígios das coisas ocultas. 20Nenhum pensamento lhe escapa, não se esconde dele uma só palavra. 21Dispôs em ordem os grandes feitos da sua sabedoria. Ele que existe antes de todos os séculos e para sempre. Nada se lhe pode acrescentar nem diminuir, nem necessita do conselho de ninguém. 22Quão amáveis são todas as suas obras! E todavia não podemos ver delas mais que uma centelha. 23Estas obras vivem e subsistem para sempre e, em tudo o que é preciso, todas lhe obedecem. 24Todas as coisas vão aos pares, uma corresponde à outra, e Ele nada fez incompleto. 25Uma contribui para o bem da outra, e quem se saciará de contemplar a sua glória?

O autor sagrado celebra a glória de Deus na natureza. O termo hebraico kabod, glória, remete-nos para algo de pesado, que se torna visível. A natureza manifesta a glória do Criador: «Os céus proclamam a glória de Deus», diz o Sl 19, 2.
No Génesis, Deus cria o mundo pela sua palavra: Ele diz e tudo é feito. O nosso autor recolhe esta tradição bíblica e afirma: «Pelas palavras do Senhor foram realizadas as suas obras e segundo a sua vontade realizou-se o seu decreto» (v. 15). Depois de se referir ao sol, como o mais maravilhoso representante da criação, o autor sagrado contempla a sabedoria que tudo regula e celebra a omnisciência divina. Pressentimos o Sl 139: «Senhor, Tu examinaste-me e conheces-me, sabes quando me sento e quando me levanto; à distância conheces os meus pensamentos. Vês-me quando caminho e quando descanso; estás atento a todos os meus passos. Ainda a palavra me não chegou à boca, já Tu, Senhor, a conheces perfeitamente».
Quanto ao homem, é bem pouco o que conhece da criação. Pensemos nos mistérios do microcosmos ou do macrocosmos, que tentamos perscrutar, mas de que ainda conhecemos tão pouco. Mas o que conhecemos já é mais do que suficiente para glorificar o Criador. O autor sublinha a estabilidade das coisas e louva a Deus por isso.


Evangelho: Marcos 10, 46-52

Naquele tempo, quando Jesus ia a sair de Jericó com os seus discípulos e uma grande multidão, um mendigo cego, Bartimeu, o filho de Timeu, estava sentado à beira do caminho. 47E ouvindo dizer que se tratava de Jesus de Nazaré, começou a gritar e a dizer: «Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim!» 48Muitos repreendiam-no para o fazer calar, mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem misericórdia de mim!» 49Jesus parou e disse: «Chamai-o.» Chamaram o cego, dizendo-lhe: «Coragem, levanta-te que Ele chama-te.» 50E ele, atirando fora a capa, deu um salto e veio ter com Jesus. 51Jesus perguntou-lhe: «Que queres que te faça?» «Mestre, que eu veja!» - respondeu o cego. 52Jesus disse-lhe: «Vai, a tua fé te salvou!» E logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.

Quando Jesus passa por Jericó, um mendigo cego, chamado Bartimeu, procura ir ao encontro dele, apesar da oposição de muitos que rodeiam o Senhor. Mas Jesus apercebe-se da situação, manda chamá-lo e dialoga com ele. O cego dirige-se ao Senhor com a mesma palavra que Maria usou na manhã da páscoa: «Rabbuni», «Meu mestre» (v. 51; cf. Jo 20, 16). Esta expressão traduz estima, afecto. Jesus restitui a vista ao cego e atribui a cura à sua fé. De facto, o cego, uma vez curado, põe-se a seguir Jesus.
Ao contar este episódio, pouco depois do terceiro anúncio da paixão, o evangelista quer esclarecer o que se entende por fé e o que implica seguir Jesus. Tal como aquele pobre homem, o discípulo deve ser um alguém que reza com perseverança, que invoca Jesus nas dificuldades, recebe encorajamento, vai ao seu encontro, deixa-se interrogar por Ele, deixa que lhe abra os olhos e O segue pelo caminho. Temos aqui um bom documento sobre a pedagogia da fé.


Meditatio

A primeira leitura ensina-nos a ver mais além da beleza e da magnificência da Criação, para chegarmos ao mistério que ela esconde. Tudo o que existe é fruto da palavra de Deus e do seu amor providente que tudo mantém, regula e faz viver. A profissão da nossa fé começa pelo atributo de Deus Criador: «Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra». O Criador é Pai; a Criação é, sobretudo, obra do seu amor.
Como o cego Bartimeu, peçamos ao Senhor que nos abra os olhos para contemplarmos a beleza e a grandeza da criação e, por ela, chegarmos ao Criador, que é nosso Pai. A oração insistente do cego de Jericó fez-lhe recuperar a vista e, sobretudo, levou-o a descobrir a identidade profunda d´Aquele que o curou, levou-o à fé: «ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho» (v. 52).
Ver a luz é um enorme dom de Deus, que os homens sempre apreciaram. Nas antigas literaturas, ver era quase sinónimo de vida. O que mais assustava os antigos, quando pensavam na morte, era não poder ver a luz, era permanecer na região das trevas. Agradeçamos ao Senhor o dom da vista, que nos permite contemplar as suas obras. Mas peçamos também a luz da fé, para O louvarmos por elas: «Vai, a tua fé te salvou!» (v. 52).
O melhor comentário a esta frase do evangelho é a palavra de Jesus: «Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida» (Jo 8, 12). O cego que segue Jesus encontrou a verdadeira luz, a luz da vida. É o que já dizia o Sábio, ao recordar que só o Altíssimo conhece a ciência. Nós vemos as coisas, mas, se não estivermos unidos ao Senhor, vemo-las de modo superficial: «o Senhor conhece toda a ciência e contempla os sinais dos tempos futuros. Anuncia o passado e o futuro e descobre os vestígios das coisas ocultas.Nenhum pensamento lhe escapa» (vv. 18-20).
É na luz de Cristo que vemos a luz. Permaneçamos abertos à sua luz, para sermos pessoas iluminadas. Peçamos-Lhe que nos faça ver, cada vez mais, a sua luz, para louvarmos o Pai com todo o coração e atrairmos todos à sua luz.
A Criação é reflexo do Criador, manifesta a sua glória. Isto acontece particularmente no homem criado «à imagem e semelhança» de Deus, e chamado a ser à imagem e semelhança de «Cristo, imagem do Deus invisível» (Cl 1, 15). Assim, a «glória de Deus que refulge no rosto de Cristo» (2 Cor 4, 6) refulge também no nosso rosto, irradia da nossa vida. Transformados à imagem de Cristo, devemos viver e comportar-nos como Ele, como filhos de Deus: «Resplandeça a vossa luz diante dos homens..., vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus» (Mt 5, 6).


Oratio

Senhor, faz-me ver a minha cegueira ou pelo menos, as cataratas que me impedem de ver com clareza as tuas obras e descobrir nelas o teu mistério. Faz-me admirar as obras do teu amor, para ser, cada vez mais, um poeta que canta a vida e admira o céu, espelho da tua beleza e do teu amor. As tuas obras são imensas. A todos dás alimento. Manda o teu Espírito para que renove a face da terra e transforme o meu coração à imagem do Coração do teu Filho, Jesus Cristo. E hei-de bendizer o teu nome, agora e para sempre. Amen.


Contemplatio

Deus é artista. O artista tem um ideal cuja recordação influencia todas as suas obras. A arte grega tinha alguns modelos escolhidos, obras-primas dos seus grandes mestres, que eram chamados tipos e cânones e que eram sempre imitados. Um músico tem um tema principal, sobre o qual executa variações. Deus tinha o seu ideal, o seu cânone, o seu tema principal, o Coração de Jesus, e para encontrar bela a sua criação, colocou por toda a parte o selo do Coração de Jesus. Mas na criação, depois do seu Cristo, objecto de todas as suas infinitas complacências, depois dos seus anjos, imagens espirituais do Verbo, Deus quis os corações humanos, fracas imitações do Coração de Jesus, que adquirem valor pela sua semelhança e a sua união a este divino Coração. Os corações humanos hão-de agradar a Deus se fizerem eco ao Coração de Jesus, se forem animados pela sua graça, pela sua vida sobrenatural, se forem como Ele inspirados, conduzidos, vivificados pelo Espírito Santo. Aqui está então o programa, o ideal da minha vida. Como é elevado, como é belo! «Deus viu que a sua obra era bela». (Leão Dehon, OSP 4, p. 514s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano).



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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Quarta-feira - 27.05.2015


Lectio

Primeira leitura: Ben Sirá 36, 1.4-5.10-17

Tem piedade de nós, ó Senhor, Deus de todas as coisas; olha para nós e espalha o teu temor sobre todas as nações. 4Que reconheçam, como também nós reconhecemos, que fora de ti, Senhor, não há outro Deus. 5Renova os teus prodígios, faz novos milagres. 10Reúne todas as tribos de Jacob, toma-as como tua herança, como no princípio. 11Tem piedade, Senhor, do teu povo, que foi chamado pelo teu nome, e de Israel, que trataste como filho primogénito. 12Tem piedade da cidade do teu santuário, de Jerusalém, lugar do teu repouso. 13Enche Sião do louvor das tuas maravilhas, e o teu povo com a tua glória. 14Dá testemunho a favor daqueles que, desde o princípio, são tuas criaturas, leva a efeito as profecias, em teu nome proferidas. 15Recompensa os que pacientemente esperam em ti, a fim de que os teus profetas sejam acreditados. 16Ouve, Senhor, a súplica dos teus servos, segundo a bênção de Aarão sobre o teu povo, 17e todos sobre a terra reconhecerão que Tu és Senhor, o Deus dos séculos.
O autor sagrado eleva uma bela oração a Deus em favor do seu povo, Israel. O povo escolhido tem necessidade de ser libertado e de reencontrar a sua missão de ser amostra das promessas de Deus, farol da fidelidade e do amor de Deus por todos os povos. Israel foi, muitas vezes, fiel à sua missão. Mas, tantas outras, foi infiel, quebrando a Aliança. Assim perdia o canal de ligação à fonte da sua própria vida. A dramática experiência do exílio, que deitou por terra as suas esperanças, comprometendo a sua missão histórico-teológica entre os povos. A partir daqui, encontramos dois importantes pontos da leitura. O primeiro é o que nos fala da consciência de culpa, que leva a pedir o perdão de Deus, baseados apenas na Sua misericórdia: «Tem piedade…» é o refrão dirigido a Deus em favor do «povo», de «Israel», de «Sião», de «Jerusalém». A insistência no pronome possessivo «teu» recorda a Deus o compromisso que assumiu para com o povo; mas também recorda ao povo que continua a ser pertença de Deus, apesar dos seus pecados.
Outro ponto importante é a referência à globalidade, inserindo Israel no contexto dos povos. Israel não é apenas o povo escolhido para ser o povo de Deus; é também o povo por meio do qual Deus há-de ser conhecido e amado por todos os povos. É a consciência missionária e universalista de Israel que começa a desenvolver-se.


Evangelho: Marcos 10, 32-45

Naquele tempo, Jesus e os discípulos iam a caminho, subindo para Jerusalém, e Jesus seguia à frente deles. Estavam espantados, e os que seguiam estavam cheios de medo. Tomando de novo os Doze consigo, começou a dizer-lhes o que lhe ia acontecer: 33«Eis que subimos a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei, e eles vão condená-lo à morte e entregá-lo aos gentios. 34E hão-de escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo. Mas, três dias depois, ressuscitará.» 35Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: «Mestre, queremos que nos faças o que te pedimos.» 36Disse-lhes: «Que quereis que vos faça?» 37Eles disseram: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda.» 38Jesus respondeu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu bebo e receber o baptismo com que Eu sou baptizado?» 39Eles disseram: «Podemos, sim.» Jesus disse-lhes: «Bebereis o cálice que Eu bebo e sereis baptizados com o baptismo com que Eu sou baptizado; 40mas o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não pertence a mim concedê-lo: é daqueles para quem está reservado.» 41Os outros dez, tendo ouvido isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João. 42Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e como os grandes exercem o seu poder. 43Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo 44e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. 45Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos.»

O texto evangélico que escutámos refere diversos episódios ocorridos durante a caminhada de Jesus para Jerusalém. Jesus avança rodeado de discípulos apavorados e de pessoas cheias de medo. Pela terceira vez, fala da paixão, que se aproxima. Fá-lo com muitos pormenores (vv. 33ss.). Mas os discípulos parecem nada compreender. Os filhos de Zebedeu continuam interessados em alcançar uma boa posição no Reino: um quer ficar à direita de Jesus e outro à esquerda (v. 37). Em Mateus, é a mãe que pede esses lugares para os filhos (cf. Mt 20, 20). Os outros discípulos estão preocupados com assuntos que nada têm a ver com os do Senhor. Mas Jesus revela aspectos centrais relativos ao discipulado: o essencial é a docilidade a Deus e ao seu projecto. Ele próprio decidirá a posição de cada um no Reino. Em Mateus será o Pai a tomar tal decisão (cf. Mt 20, 23).
Ser discípulo de Jesus é ser, como Ele, dócil ao Pai, partilhar a missão que o Pai Lhe confiou: beber o mesmo cálice, mergulhar no mesmo baptismo. É seguir o caminho do servo sofredor (Is 52, 13-53, 12), servir a todos até ao dom da própria vida em resgate de muitos… O resgate (lýtron) é o preço a pagar por um prisioneiro de guerra, por um escravo. Este resgate é pago, não a Deus, mas ao príncipe deste mundo (Jo 12,31; 1 Jo 5, 19), ao deus deste mundo (2 Cor 4, 4), que mantém escrava a humanidade. E Jesus resgata a humanidade, não para se tornar Ele mesmo um «rei» opressor, mas paradoxalmente um «rei» servo. Também os cristãos não podem contrapor ao «poder demoníaco» um «poder cristão», mas colocar-se de modo amoroso e humilde ao serviço da humanidade.


Meditatio

O povo de Israel, escolhido para ser luz das nações, atraiçoou a Aliança, envolvendo-se em aventuras pecaminosas que o levaram ao exílio. Desse modo, não realizou a sua vocação nem ajudou os outros povos. Na primeira leitura, pela boca de Ben Sirá, o povo reconhece as suas culpas, mostra o seu arrependimento e pede perdão, sem alegar desculpas, pois está consciente das responsabilidades que tem na sua própria falência. Reconhece que a misericórdia de Deus é a sua única tábua de salvação. Por isso, clama repetidamente: «Tem piedade de nós,Senhor» (v. 3ª). A salvação de Israel irá acontecer com a dos outros povos que o Sábio cita na sua oração. Brilha no horizonte um raio de esperança.
O evangelho mostra-se a triste figura dos Apóstolos. Havia tempo que andavam com o Senhor. Mas pareciam não ter aprendido nada, pois andavam empenhados na divisão do poder. Tudo começa com a atitude arrogante dos filhos de Zebedeu, Tiago e João. Mas, se estes erram, também os outros se mostram pecadores, porque se deixam levar por sentimentos de hostilidade contra os dois irmãos: «Os outros dez, tendo ouvido isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João» (v. 41). E Jesus tem que intervir. Recomenda aos dois irmãos que se ponham nas mãos de Deus, que tudo dispõem como acha melhor. Ensina a todas que a autoridade não é um posto de afirmação pessoal, de busca dos próprios interesses, mas um serviço a exercer com humildade e generosidade. Se for necessário, aquele que preside deve estar disposto a dar a própria vida no exercício da missão que lhe foi confiada. Assim faz o próprio Jesus. No princípio do evangelho, lemos: «o Filho do Homem vai ser entregue» (v. 33). Os verbos seguintes explicam em que consiste essa entrega: ser condenado, escarnecido, flagelado, morto. Depois de todos esses verbos, vêm outros na voz activa: «o Filho do Homem veio para servir e dar a sua vida em resgate por todos» (v. 45). O Filho do homem veio para ser entregue; o Filho do homem veio para servir e dar a vida. Não basta ser passivos, sofrer os acontecimentos, as situações. Há que ser activo: servir, dar a vida. É realmente admirável quando um cristão aceita um evento negativo, como a cruz, e o torna positivo, fazendo dele um dom de amor. É o caso de Jesus que dá a vida em resgate de todos.
As nossas antigas Constituições (1956) afirmavam que «o fim especial» dos religiosos do Instituto era «professar» uma particular devoção ao sacratíssimo Coração de Jesus (I, 2, parágrafo 2). Ora, «professar» é testemunhar e, na qualidade de testemunhas, “servir” evangelicamente, tal como fez Cristo, testemunha do Pai, «que não veio para ser servido mas para servir e dar a vida por muitos» (Mt 20, 28), caso contrário, a nossa “especial devoção” ao Coração de Jesus torna-se intimismo, devocionismo.


Oratio

Pai santo, só Tu podes transformar o sofrimento em dom generoso de vida. Foi o que fez o teu Filho, quando decidiu dar-nos o seu Corpo e o seu Sangue, na Eucaristia. Transformaste o evento doloroso em dom, para, depois, no-lo dares em sacramento. O sacramento, por sua vez, torna-nos capazes de transformar os nossos próprios eventos, isto é, de acolher todos os acontecimentos da vida, mesmo quando são difíceis, e transformá-los em sacrifício generoso de união a Cristo, morto e ressuscitado. Graças à Eucaristia, essa força está em nós e o espírito de Cristo move-nos a usá-la permanentemente na generosidade e na fidelidade. Que a nossa vida se torna eucaristia, bom generoso e gratuito, para tua glória e bem dos irmãos, particularmente dos mais carenciados. Amen.


Contemplatio

Ecce venio. Eis-me aqui, Senhor, ofereço-me, dou-me convosco, em união com os sentimentos do vosso divino Coração. Recebei a minha alma e o meu corpo; a minha memória, a minha inteligência, a minha vontade; os meus olhos, as minhas orelhas, a minha língua e todos os meus sentidos. Dou-me a vós. Acolhei-me e não permitais que me retome. (Leão Dehon, OSP3, p. 120).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«O Filho do Homem veio para servir e dar a sua vida em resgate por todos» (Mc 10, 45).



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domingo, 24 de maio de 2015

Tempo Comum - Anos Ímpares - VIII Semana - Terça-feira - 26.05.2015


Lectio

Primeira leitura: Ben Sirá 35, 1-12

Aquele que observa a Lei faz numerosas oferendas; oferece sacrifício salutar o que guarda os preceitos. 2Aquele que se mostra generoso oferece flor de farinha, e o que usa de misericórdia oferece um sacrifício de louvor. 3Fugir do mal é o que agrada ao Senhor, e quem fugir da injustiça obtém o perdão dos pecados. 4Não te apresentes diante do Senhor com as mãos vazias, porque todos estes ritos obedecem a um preceito. 5A oblação do justo enriquece o altar, e o seu perfume sobe ao Altíssimo. 6O sacrifício do justo é aceitável, a sua memória não será esquecida. 7Dá glória a Deus com generosidade e não regateies as primícias das tuas mãos. 8Faz todas as tuas oferendas com semblante alegre, consagra os dízimos com alegria. 9Dá ao Altíssimo, segundo o que Ele te tem dado; dá com ânimo generoso, segundo as tuas posses, 10porque o Senhor retribuirá a dádiva, recompensar-te-á de tudo, sete vezes mais. 11Não procures corrompê-lo com presentes, porque não os aceitará; não te apoies num sacrifício injusto. 12Pois o Senhor é um juiz, e não faz distinção de pessoas.

Ben Sirá é simultaneamente um ritualista e um moralista, isto é, um homem apegado ao culto e apegado à Lei. Uma vez que vê o cumprimento da Lei como culto a Deus, podemos dizer que predomina nele o espírito do culto: «Aquele que observa a Lei faz numerosas oferendas;oferece sacrifício salutar o que guarda os preceitos» (v. 1). Nos versículos seguintes, o autor sagrado documenta um profundo conhecimento dos diferentes actos de culto com que se honrava a Deus.
Com a afirmação «a oblação do justo enriquece o altar, e o seu perfume sobe ao Altíssimo. O sacrifício do justo é aceitável» (vv. 5-6ª), Ben Sirá relaciona o compromisso ou santidade de vida com o rito de oferta no templo, antecipando e satisfazendo aquela exigência de unidade/comunhão da pessoa que Mateus afirmará de maneira categórica: «Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta» (Mt 5, 23s.). Ao mesmo tempo, o autor sagrado, apela para a generosidade nas ofertas ao Senhor, lembrando Ex. 23, 15: «ninguém se apresente diante de mim de mãos vazias», porque «o Senhor retribuirá a dádiva, recompensar-te-á de tudo, sete vezes mais» (v. 7). O homem sábio experimentou repetidamente que, com Deus, nunca ficamos a perder.


Evangelho: Marcos 10, 28-31

Naquele tempo, Pedro começou a dizer-lhe: «Aqui estamos nós que deixámos tudo e te seguimos.» 29Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa do Evangelho, 30receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, juntamente com perseguições, e, no tempo futuro, a vida eterna. 31Muitos dos que são primeiros serão últimos, e muitos dos que são últimos serão primeiros.»

O discurso de Jesus, depois do colóquio com o homem rico, deixou os discípulos apavorados. Pedro toma a palavra para tentar clarificar a confusão que se abatera sobre todos: que será de nós que «deixámos tudo e te seguimos»? (v. 28). Jesus garante-lhes que Deus não se deixa vencer em generosidade. Acolherá na vida eterna aqueles que, deixando tudo, O seguem; mas também lhes permite usufruir, desde já, da riqueza dos seus dons, e está com eles para os apoiar nas perseguições. Marcos faz uma lista detalhada dos bens de que os discípulos podem, desde já, usufruir, e conclui com a máxima sobre os primeiros e os últimos no Reino (cf. Mt 19, 30; 20, 26; Lc 13, 30). Há que estar atento contra as falsas seguranças, e empenhar-se num permanente esforço de conversão.


Meditatio

Uma leitura superficial dos textos bíblicos, que a liturgia de hoje nos oferece, pode induzir-nos em erro e levar-nos a concluir que a nossa relação com Deus é semelhante à que podemos ter com um banco: depositamos determinada soma e, no devido tempo, vamos levantar os juros. Na primeira leitura o rendimento seria sete vezes maior do que o depósito. No evangelho, os ganhos seriam a cem por cento. Mas, obviamente, não estamos a fazer uma boa leitura dos textos.
O Sábio oferece-nos uma catequese completa sobre os sacrifícios. O piedoso israelita não deve descuidar as oblações prescritas na Lei. Os sacrifícios de animais, no Templo, devem ser feitos com generosidade e alegria: «não regateies as primícias das tuas mãos. Faz todas as tuas oferendas com semblante alegre, consagra os dízimos com alegria» (vv. 7b-8). Mas demora-se a explicar que a vida é mais importante do que as vítimas. O mais importante é construir uma relação interior com o Senhor. É esse o objectivo principal da Lei. Mas há que estar atentos ao próximo, porque o bem que se faz aos outros também é sacrifício agradável a Deus. Dar esmolas equivale a um sacrifício de louvor a Deus.
O evangelho mostra-nos os Apóstolos que aderiam a Jesus e O seguem. Também aqui, como no texto de Ben Sirá, se trata de entrar em comunhão com Alguém. O que mais vale é a oferta da nossa vida, na fidelidade à vontade de Deus, na generosidade em seguir os seus ensinamentos. A oferta de um qualquer dom é apenas epifania da oferta de nós mesmos. É o que se passa, por exemplo, na profissão religiosa: não damos a Deus a nossa castidade, a nossa pobreza, a nossa obediência. Damo-nos a nós mesmos, em castidade, em pobreza, em obediência. Também a recompensa do dom, por parte de Deus, que Lhe fazemos, acontece a nível pessoal: é-nos dada «a vida eterna», isto é, a visão de Deus, a comunhão plena e definitiva com a Trindade. Seguir a Cristo, significa entrar com Ele, por Ele e n´Ele, no mistério da Trindade. É este o verdadeiro «cem vezes mais».
Na celebração eucarística, vivemos este mistério. Oferecemos o pão e o vinho, que recebemos da bondade e da generosidade do Criador, para que se tornem, para nós, «Pão da vida» e «Vinho da salvação». Esta é a dinâmica da nossa vida cristã, que nos deve encher de alegria, porque somos, na verdade, envolvidos pela generosidade divina que tudo nos dá, para que o possamos oferecer e receber ainda mais. Trata-se de uma verdadeira exigência do amor, da caridade que anima a Igreja: quanto recebemos do amor de Deus, deve ser partilhado largamente com os outros... Jesus ordena-o aos discípulos, quando os envia em missão: «Recebestes gratuitamente, dai gratuitamente» (Mt 10, 8). Para nós, mais especificamente, é o desejo de fazer nosso o zelo apaixonado de Jesus pelo Reino, pela pregação da Boa Nova. Para compreender o amor de Cristo, para lhe corresponder, é preciso partilhar as suas opções, as Suas preocupações... «Como poderíamos, efectivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade?» Este texto das nossas Constituições (n. 18) sublinha a nossa disponibilidade para a missão, para a sua urgência, compreendida como dom, como sacrifício, como Cristo a viveu.


Oratio

Nós Te bendizemos, Deus Pai, que nos preparaste o mundo e chamaste à vida para revelar o teu amor paterno e materno por todos nós. Nós Te bendizemos, Deus Filho, que entraste na nossa história e nos salvaste, participando no desígnio de amor do Pai para toda a humanidade. Nós Te bendizemos, Deus Espírito Santo, porque és a força que nos abre os olhos para vermos a verdadeira história escondida sob as aparências do dia a dia, e os milagres que acontecem em nós e no nosso mundo. Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, aceita o dom que, com particular fervor, Te fazemos, hoje, de nós mesmos e de tudo o que temos e fazemos, como oblação à tua glória. Glória a Ti para sempre! Amen.


Contemplatio

Jesus oferece-se a si mesmo pelas mãos de Maria. Na aparência, está inconsciente, mas no seu Coração não o está. Oferece a sua vida, a sua paixão, a sua morte, para expiar a ingratidão dos homens e a minha. Perdão, ó meu Jesus! Maria oferece o seu filho. Aguardando que este grande holocausto se consuma sobre o calvário, ela sacrifica, sob o golpe das tristes profecias de Simeão, o repouso e as seguranças do seu coração maternal, ao mesmo tempo que a sua honra virginal, comprometida por este facto que ela consente, ela, a Mãe puríssima e castíssima, a passar por impura, como o são perante a lei de Moisés as outras mães. José, intimamente unido a Jesus e a Maria, oferece-se para levar as mágoas e as dores inseparáveis da alta missão de que é honrado. Simeão, quando viu Jesus, renuncia a tudo, mesmo à vida. Ana levou uma longa vida de jejuns e de orações na espera e na esperança do Messias. Está pronta, como Simeão, a morrer depois de o ter visto. Todos permaneceram fiéis. E eu, eu fiz muitas vezes oferendas, tomei resoluções, formulei votos. Em que situação me encontro? Tenho sido fiel? Não me retomei muitas vezes? Posso esperar a coroa prometida à fidelidade, se continuo assim? Que fazer? Oferecer-me ainda, mas desta vez com firmeza, não me apoiando sobre a minha vontade vacilante, mas mantendo-me unido aos sagrados Corações de Jesus e de Maria, que me sustentarão se eu me aplico firmemente a compreender e a imitar as suas disposições. (Leão Dehon, OSP3, p. 117s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Faz todas as tuas oferendas com semblante alegre,
consagra os dízimos com alegria» (Sir 35, 8).



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Subsídio litúrgico a cargo de Fernando Fonseca, scj
Fonte http://www.dehonianos.org/