domingo, 31 de julho de 2016

XVIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 01.08.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XVIII Semana - Segunda-feira
Lectio

Primeira leitura: Jeremias 28, 1-17

1Naquele mesmo ano, no início do reinado de Sedecias, rei de Judá, ou seja, no quinto mês do quarto ano, Hananias, filho de Azur, profeta de Guibeon, no templo do Senhor e na presença dos sacerdotes e de todo o povo, falou-me nos seguintes termos: 2«Assim fala o Senhor do universo, Deus de Israel: 'Vou quebrar o jugo do rei da Babilónia! 3Dentro de dois anos, farei voltar a este lugar todos os objectos do templo do Senhor, que Nabucodonosor, rei da Babilónia, levou daqui e transportou para a Babilónia. 4Para este lugar farei voltar Jeconias, filho de Joaquim, rei de Judá e todos os exilados de Judá que foram para a Babilónia, porque vou quebrar o jugo do rei da Babilónia'» - oráculo do Senhor. 5O profeta Jeremias respondeu ao profeta Hananias, na presença dos sacerdotes e do povo que se aglomerava no templo do Senhor: 6«Assim seja! Que o Senhor o permita! Realize o Senhor a tua profecia e traga de volta para este lugar o tesouro do templo, e todos os exilados cativos da Babilónia. 7Contudo, ouve o que te vou dizer, a ti e a todo o povo: 8Os profetas que nos precederam a mim e a ti, anunciaram a numerosos países e a poderosos reinos, guerra, fome e peste. 9Quanto ao profeta que profetiza a paz, somente quando se realizar o seu oráculo é que se poderá saber se ele é realmente um enviado do Senhor.» 10Então, o profeta Hananias retirou o jugo do pescoço do profeta Jeremias e, partindo-o, 11exclamou na presença de todo o povo: «Oráculo do Senhor: 'Assim, decorridos dois anos, quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilónia e retirá-lo-ei do pescoço de todas as nações!'» Então, o profeta Jeremias retirou-se. 12Depois que o profeta Hananias quebrou e retirou o jugo do pescoço de Jeremias, a palavra do Senhor foi dirigida a Jeremias, nestes termos: 13«Vai dizer a Hananias: Isto diz o Senhor: 'Quebraste jugos de madeira, mas, em vez deles, farei jugos de ferro.' 14Porque isto diz o Senhor do universo: 'Eu ponho um jugo de ferro ao pescoço de todas estas nações, a fim de que se submetam a Nabucodonosor, rei da Babilónia. Ficar-lhe-ão submetidas, e até lhe darei poder sobre os animais selvagens.'» 15E Jeremias acrescentou, dirigindo-se ao profeta Hananias:«Escuta a minha voz, Hananias! O Senhor não te enviou. És tu que levas o povo a crer na mentira! 16Por isso, eis o que diz o Senhor: 'Vou retirar-te da face da terra. Morrerás ainda este ano, porque pregaste a revolta contra o Senhor!'» 17E o profeta Hananias morreu naquele ano, no sétimo mês..

Este texto, tirado do livro de Jeremias, deve situar-se por volta de 594/593 a. C. Nele se põe a questão sobre a verdadeira e a falsa profecia. Como distinguir um verdadeiro de um falso profeta? A resposta não é dada de modo teórico, mas com uma narrativa biográfica escrita por Baruc, discípulo de Jeremias, e introduzida na obra do profeta.
Em Jerusalém tinha havido uma coligação de reis de menor importância, para conspirarem contra Babilónia, que deportara um grupo de judeus, entre os quais o rei Jeconias, e levara o tesouro do templo (cf 2 Rs 24, 10s.). Hananias, profeta do culto e da corte, anuncia a libertação dos deportados e a restituição do tesouro. Para garantir as suas palavras, realiza uma acção simbólica: quebra o jugo que Jeremias levava ao pescoço, como sinal do pesado domínio imposto por Babilónia a Judá (cf. vv. 10; cf. Jr 27). Perante as palavras e a acção de Hananias, Jeremias recorda-lhe, e a todos os que viram a cena, que a profecia só é verdadeira quando se realiza (vv. 7-9; cf. Dt 18, 21s.; Jr 23, 16-18). Por sua parte, embora também deseje um futuro de liberdade e de paz, fica em silêncio e quieto, à espera que Deus lhe fale, para ser fiel à Sua palavra, ainda que tenha de sofrer por causa disso. Assim, dócil a Javé, Jeremias proclama a verdadeira palavra, por muito impopular que seja: Babilónia tornará ainda mais pesado o jugo com que oprime Judá, que não poderá escapar (vv. 12-14). Hananias, falso profeta, será castigado (vv. 15s.; cf. Dt 18, 20). A sua morte testemunhará a falsidade da sua profecia, e a autenticidade da de Jeremias (v. 17).


Evangelho: Mateus 14, 13-21

Naquele tempo, 13quando Jesus ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto, retirou-se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o povo, quando soube, seguiu-o a pé, desde as cidades. 14Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. 15Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» 16Mas Jesus disse-lhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» 17Responderam: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» 18«Trazei-mos cá» - disse Ele. 19E, depois de ordenar à multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu-os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela multidão. 20Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou, encheram doze cestos. 21Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

A notícia da morte de João Baptista leva Jesus a afastar-se da multidão, para escapar à presumível tentativa de O matarem, também a Ele, já alvo de conjura por parte dos fariseus. Mas, fiel à missão que o Pai Lhe confiou, responde com amor à multidão, que Lhe pede gestos de salvação (vv. 13-14): cura os doentes, que Lhe são apresentados, e sacia a fome dos que O seguem. Mas exige a participação dos discípulos, que são chamados a dar-se a si mesmos, e a pôr em comum o que têm (vv. 16s.).
A narrativa deste milagre antecipa, na intenção do evangelista, o da instituição da Eucaristia (cf. Mt 26, 26). Os discípulos serão ministros, distribuindo aos outros o pão que Jesus lhes dá (v. 19). Do mesmo modo que sobrou pão, quando Eliseu, com vinte pães saciou cem pessoas (cf. 2 Rs 4, 42-44), assim também, e de modo ainda mais significativo, sobraram doze cestos, depois da refeição miraculosa oferecida por Jesus (v. 20). Tinham chegado os dias messiânicos. Jesus, o Messias, satisfazia todas as necessidades humanas, fazendo curas e saciando os que tinham fome. Na comunidade escatológica, fundada por Jesus, desaparecem toda a doença e toda a necessidade.


Meditatio

Na Igreja, nunca faltou o carisma da profecia. Tiveram-nos muitos santos. Mas, nos nossos dias, muitos cristãos apresentam-se como profetas, e pretendem revelar o pensamento de Deus sobre os caminhos a seguir pela Igreja.
Jeremias fala de verdadeiros e falsos profetas. Como podemos distingui-los? Como podemos tornar-nos profetas verdadeiros, uma vez que pertencemos a um povo de profetas? O verdadeiro profeta não pretende transmitir palavras agradáveis, mas palavras que salvam. O verdadeiro profeta é uma pessoa livre interiormente. Não está preocupado com a audiência, mas com a fidelidade à vontade de Deus. Cada dia se constrói em Deus, se confronta com a Sua palavra, e está atento para não a atraiçoar. Paulo reconhece o carisma da profecia na Igreja, e dá uma regra para o seu uso correcto: «Temos dons que, consoante a graça que nos foi dada, são diferentes: se é o da profecia, que seja usado em sintonia com a fé» (Rm 12, 6). Alguns traduzem: «se é o da profecia, que seja usado na medida em que é creditado», isto é, do crédito que o próprio Deus dá ao crente profeta, uma vez que transmite, não as suas palavras, mas as de Deus. A primeira leitura apresenta-nos um caso, que ilustra a regra de Paulo. Apresenta-nos dois profetas, um que actua “na medida em que é creditado por Deus”; outro que actua para além desse limite. Hananias pretende transmitir uma mensagem muito agradável para Jerusalém, que tinha sido tomada por Nabucodonosor, que deportara a maior parte dos seus habitantes. Os que tinham ficado, viviam muito penosamente. Todos desejavam uma mudança da situação. Hananias anuncia-a como próxima. Mas não o fazia movido por autêntica inspiração. Jeremias intervém para afirmar que essa profecia, apesar de agradável, era oportunista, e sem qualquer valor, pois não correspondia ao desejo de Deus. Hananias insistiu com o gesto simbólico de quebrar o jugo que Jeremias carregava, e proclamando uma pretensa palavra do Senhor: «Assim, decorridos dois anos, quebrarei o jugo de Nabucodonosor» (v. 11). Quanto a Jeremias, retirou-se, seguindo o seu caminho. Mas eis que Deus lhe fala e o manda a Hananias para dizer: «Quebraste jugos de madeira, mas, em vez deles, farei jugos de ferro» (v. 13). E acrescentou, sempre em nome de Deus: «Vou retirar-te da face da terra. Morrerás ainda este ano, porque pregaste a revolta contra o Senhor!» (v. 16). E assim aconteceu. Hananias não respeitou a regra essencial do carisma da profecia: falar na medida em que se é creditado por Deus, isto é, transmitindo autênticas verdades divinas, e não as próprias ideias.
A regra de Paulo continua actual. Ninguém deve ultrapassar os limites da graça recebida, caso contrário, em vez de contribuir para a edificação da Igreja, concorre para a sua ruína. Todos havemos de estar atentos para não despacharmos as nossas ideias como se fossem inspirações divinas. Em tudo é preciso muito discernimento e generosidade, para distinguir o que vem de Deus e o que não vem d´Ele.
Feito esse discernimento, há que estar disponíveis para o serviço da profecia, isto é, para falar em nome de Deus, como Samuel («Eis-me aqui», 1 Sam 3, 4; Is 3, 4) e, sobretudo, como o próprio Cristo «Eis-me aqui!» (Hb 10, 5). Esta atitude de Cristo deve continuar no nosso "Ecce venio" de cada dia, unido ao d´Ele, porque somos chamados na Igreja a «ser profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo» (Cst 7), e a realizar, «como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26) que, na fidelidade à Sua missão foi até à imolação, no Calvário. O nosso «Ecce venio», que também passa pelo exercício da nossa missão profética de cristãos e de dehonianos, «configura a nossa existência com a de Cristo, pela redenção do mundo e para Glória do Pai» (Cst 58).


Oratio

Senhor Jesus, quantas palavras, quanto barulho me rodeia e enche os ouvidos! Como distinguir as palavras com conteúdo, das que o não têm? Como distinguir as que promovem a vida, daquelas que a limitam e destroem? Como distinguir a tua Palavra, das que não são tuas? Como posso, então, exercer a minha missão profética neste mundo? Não corro o risco de proclamar as minhas próprias ideias, de ser mero repetidor de frases feitas, do que está na moda dizer?
Dá-me, Senhor, a graça de parar, de fazer silêncio dentro de mim, para escutar a tua voz e poder falar do que me dizes, falar de Ti. Tu fizeste-Te Palavra para nós, e eu sou chamado a tornar-me palavra para os outros. Que não seja mais um rumor a acrescentar a tantos, mas palavra de vida, palavra-pessoa, palavra-dom-de-mim-mesmo, como Tu. Que eu seja, para todos, palavra que alimenta, que sacia o desejo de verdade e sentido. Amen.


Contemplatio

Simeão repete a Maria a profecia de Isaías: «O Cristo será para a santificação de muitos em Israel, mas será para outros uma pedra de escândalo» (Is 8,14). É manifesto. Cristo é causa de salvação e de ressurreição para aqueles que o reconhecem, que o amam e que o servem. É causa de ruína para aqueles que o rejeitam.
A indiferença não é colocada aqui. Jesus é a vida. Todas as bênçãos são prometidas àqueles que o seguem e que o amam. É preciso estar com ele ou com o mundo. Os povos e as famílias, como os particulares, encontrarão o caminho da paz e dos favores divinos no seguimento de Jesus e no seu serviço.
Estas palavras do profeta são graves. Há dois caminhos oferecidos à nossa escolha: de um lado o caminho das bênçãos, com o seu traçado marcado no Evangelho: «Bem-aventurados os pobres, bem-aventurados os puros, bem-aventurados os que choram, os que perdoam, os que sofrem perseguição». Do outro lado, o caminho que afasta de Cristo. Tem este traçado: amor pelo ouro, pelo luxo, pelo prazer e pelo mundo. – Sois vós quem eu escolhi, meu Salvador, é o vosso caminho, é o vosso amor, é o vosso Coração, mesmo que deva encontrar as contradições e as perseguições!
Simeão predisse a Maria a dor e a espada. Ela terá uma grande parte na paixão de Jesus. Sofrerá, ela também, por nós e pela nossa salvação. (Leão Dehon, OSP 3, p. 127s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra
«O dom da profecia seja usado em sintonia com a fé» (cf. Rm 12, 6).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

sábado, 30 de julho de 2016

18º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 31.07.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
ANO C
18º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Tema do 18º Domingo do Tempo Comum

A liturgia deste domingo questiona-nos acerca da atitude que assumimos face aos bens deste mundo. Sugere que eles não podem ser os deuses que dirigem a nossa vida; e convida-nos a descobrir e a amar esses outros bens que dão verdadeiro sentido à nossa existência e que nos garantem a vida em plenitude.
No Evangelho, através da “parábola do rico insensato”, Jesus denuncia a falência de uma vida voltada apenas para os bens materiais: o homem que assim procede é um “louco”, que esqueceu aquilo que, verdadeiramente, dá sentido à existência.
Na primeira leitura, temos uma reflexão do “qohélet” sobre o sem sentido de uma vida voltada para o acumular bens… Embora a reflexão do “qohélet” não vá mais além, ela constitui um patamar para partirmos à descoberta de Deus e dos seus valores e para encontramos aí o sentido último da nossa existência.
A segunda leitura convida-nos à identificação com Cristo: isso significa deixarmos os “deuses” que nos escravizam e renascermos continuamente, até que em nós se manifeste o Homem Novo, que é “imagem de Deus”.


LEITURA I – Co (Ecle) 1,2; 2,21-23

Leitura do Livro de Coelet

Vaidade das vaidades – diz Coelet –
vaidade das vaidades: tudo é vaidade.
Quem trabalhou com sabedoria, ciência e êxito,
tem de deixar tudo a outro que nada fez.
Também isto é vaidade e grande desgraça.
Mas então, que aproveita ao homem todo o seu trabalho
e a ânsia com que se afadigou debaixo do sol?
Na verdade, todos os seus dias são cheios de dores
e os seus trabalhos cheios de cuidados e preocupações;
e nem de noite o seu coração descansa.
Também isto é vaidade.

AMBIENTE

O Livro de Qohélet é um livro de carácter sapiencial, escrito pelos finais do séc. III a.C.. Não sabemos quem é o autor… Em 1,1, apresenta-se o livro como “palavras de qohélet”; mas “qohélet” é uma forma participial do verbo “qhl” (“reunir em assembleia”): significa, pois, “aquele que participa na assembleia” ou, numa perspectiva mais activa, “aquele que fala na assembleia”. O nome “Eclesiastes” (com que também é designado) é a forma latinizada do grego “ekklesiastes” (nome do livro na tradução grega do Antigo Testamento): significa o mesmo que “qohélet” – “aquele que se senta ou que fala na assembleia” (“ekklesia”).
Este “caderno de anotações” de um “sábio” é um escrito estranho e enigmático, sarcástico, inconformista, polémico, que põe em causa os dogmas mais tradicionais de Israel. A sua preocupação fundamental, mais do que apontar caminhos, parece ser a de destruir certezas e seguranças. Levanta questões e não se preocupa, minimamente, em encontrar respostas para essas questões.
O tom geral do livro é de um impressionante pessimismo. O autor parece negar qualquer possibilidade de encontrar um sentido para a vida… Defende que o homem é incapaz de ter acesso à “sabedoria”, que não há qualquer novidade e que estamos fatalmente condenados a repetir os mesmos desafios, que o esforço humano é vão e inútil, que é impossível conhecer Deus e que, aconteça o que acontecer, nada vale a pena porque a morte está sempre no horizonte e iguala-nos com os ignorantes e os animais… Não é um livro onde se vão procurar respostas; é um livro onde se denuncia o fracasso da sabedoria tradicional e onde ecoa o grito de angústia de uma humanidade ferida e perdida, que não compreende a razão de viver.

MENSAGEM

Em concreto, no texto que hoje a liturgia nos propõe, o “qohélet” proclama a inutilidade de qualquer esforço humano. A partir da sua própria experiência, ele foi capaz de concluir friamente que os esforços desenvolvidos pelo homem ao longo da sua vida não servem para nada. Que adianta trabalhar, esforçar-se, preocupar-se em construir algo se teremos, no final, de deixar tudo a outro que nada fez? E o “qohélet” resume a sua frustração e o seu desencanto nesse refrão que se repete em todo o livro (25 vezes): “tudo é vaidade”. É uma conclusão ainda mais estranha quanto a “sabedoria” tradicional “excomungava” aquele que não fazia nada e apresentava como ideal do “sábio” aquele que trabalhava e que procurava cumprir eficazmente as tarefas que lhe estavam destinadas.
A grande lição que o “qohélet” nos deixa é a demonstração da incapacidade de o homem, por si só, encontrar uma saída, um sentido para a sua vida. O pessimismo do “qohélet” leva-nos a reconhecer a nossa impotência, o sem sentido de uma vida voltada apenas para o humano e para o material. Constatando que em si próprio e apenas por si próprio o homem não pode encontrar o sentido da vida, a reflexão deste livro força-nos a olhar para o mais além. Para onde? O “qohélet” não vai tão longe; mas nós, iluminados pela fé, já podemos concluir: para Deus. Só em Deus e com Deus seremos capazes de encontrar o sentido da vida e preencher a nossa existência.

ACTUALIZAÇÃO

Considerar, na reflexão e actualização, as seguintes linhas:

• Quase poderíamos dizer que o “qohélet” é o precursor desses filósofos existencialistas modernos que reflectem sobre o sentido da vida e constatam a futilidade da existência, a náusea que acompanha a vida do homem, a inutilidade da busca da felicidade, o fracasso que é a vida condenada à morte (Jean Paul Sartre, Albert Camus, André Malraux…). As conclusões, quer do “qohélet”, quer das filosofias existencialistas agnósticas, seriam desesperantes se não existisse a fé. Para nós, os crentes, a vida não é absurda porque ela não termina nem se encerra neste mundo… A nossa caminhada nesta terra está, na verdade, cheia de limitações, de desilusões, de imperfeições; mas nós sabemos que esta vida caminha para a sua realização plena, para a vida eterna: só aí encontraremos o sentido pleno do nosso ser e da nossa existência.

• A reflexão do “qohélet” convida-nos a não colocar a nossa esperança e a nossa segurança em coisas falíveis e passageiras. Quem vive, apenas, para trabalhar e para acumular, pode encontrar aí aquilo que dá pleno significado à vida? Quem vive obcecado com a conta bancária, com o carro novo, ou com a casa com piscina num empreendimento de luxo, encontrará aí aquilo que o realiza plenamente? Para mim, o que é que dá sentido pleno à vida? Para que é que eu vivo?


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 89 (90)

Refrão: Senhor, tendes sido o nosso refúgio através das gerações.

Vós reduzis o homem ao pó da terra
e dizeis: «Voltai, filhos de Adão».
Mil anos a vossos olhos são como o dia de ontem que passou
e como uma vigília da noite.

Vós os arrebatais como um sonho,
como a erva que de manhã reverdece;
de manhã floresce e viceja,
de tarde ela murcha e seca.

Ensinai-nos a contar os nossos dias,
para chegarmos à sabedoria do coração.
Voltai, Senhor! Até quando…
Tende piedade dos vossos servos.

Saciai-nos desde a manhã com a vossa bondade,
para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias.
Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus.
Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos.


LEITURA II – Col 3,1-5.9-11

Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses

Irmãos:
Se ressuscitastes com Cristo,
aspirai às coisas do alto,
onde Cristo está sentado à direita de Deus.
Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra.
Porque vós morrestes
e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.
Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar,
também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória.
Portanto, fazei morrer o que em vós é terreno:
imoralidade, impureza, paixões, maus desejos e avareza,
que é uma idolatria.
Não mintais uns aos outros,
vós que vos despojastes do homem velho com as suas acções
e vos revestistes do homem novo,
que, para alcançar a verdadeira ciência,
se vai renovando à imagem do seu Criador.
Aí não há grego ou judeu, circunciso ou incircunciso,
bárbaro ou cita, escravo ou livre;
o que há é Cristo,
que é tudo e está em todos.

AMBIENTE

A segunda leitura deste domingo é, mais uma vez, um trecho dessa Carta aos Colossenses, em que Paulo polemiza contra os “doutores” para quem a fé em Cristo devia ser complementada com o conhecimento dos anjos e com certas práticas legalistas e ascéticas. Paulo procura demonstrar que a fé em Cristo (entendida como adesão a Cristo e identificação com Ele) basta para chegar à salvação.
Este texto integra a parte moral da carta (cf. Col 3,1-4,1): aí Paulo tira conclusões práticas daquilo que afirmou na primeira parte (que Cristo basta para a salvação) e convoca os Colossenses a viverem, no dia a dia, de acordo com essa vida nova que os identificou com Cristo.

MENSAGEM

O texto que nos é proposto está dividido em duas partes.
Na primeira (vers. 1-4), Paulo apresenta, como ponto de partida e como base sólida da vida cristã, a união com Cristo ressuscitado. Os cristãos, pelo baptismo, identificaram-se com Cristo ressuscitado; dessa forma, morreram para o pecado e renasceram para uma vida nova. Essa vida deve crescer progressivamente, mas manifestar-se-á em plenitude, quando Cristo “aparecer” (a Carta aos Colossenses ainda alimenta nos cristãos a espera da vinda gloriosa de Cristo).
Na segunda parte (vers. 5.9-11), Paulo descreve as exigências práticas dessa identificação com Cristo ressuscitado. O cristão deve fazer morrer em si a imoralidade, a impureza, as paixões, os maus desejos, a cupidez, numa palavra, todos esses falsos deuses que enchem a vida do homem velho; e, por outro lado, deve revestir-se do Homem Novo – ou seja, deve renovar-se continuamente até que nele se manifeste a “imagem de Deus” (“sede perfeitos como perfeito é o vosso Pai do céu” – cf. Mt 5,48). Quando isso acontecer, desaparecerão as velhas diferenças de povo, de raça, de religião e todos serão iguais, isto é, “imagem de Deus”. Foi isso que Cristo veio fazer: criar uma comunidade de homens novos, que sejam no mundo a “imagem de Deus”.
A identificação com Cristo ressuscitado – que resulta do Baptismo – é, portanto, um renascimento contínuo que deve levar-nos a parecer-nos cada vez mais com Deus.

ACTUALIZAÇÃO

A reflexão e actualização podem partir das seguintes questões:

• Ser baptizado é, na perspectiva de Paulo, identificar-se com Cristo e, portanto, renunciar aos mecanismos que geram egoísmo, ambição, injustiça, orgulho, morte – os mesmos que Jesus rejeitou como diabólicos; e é, em contrapartida, escolher uma vida de doação, de entrega, de serviço, de amor – os mecanismos que levaram Jesus à cruz, mas que também o levaram à ressurreição. Eu estou a ser coerente com as exigências do meu Baptismo? Na minha vida há uma opção clara pelas “coisas do alto”, ou essas “coisas da terra” (brilhantes, sugestivas, mas efémeras) têm prioridade e condicionam a minha acção?

• O objectivo da nossa vida (esse objectivo que deve estar sempre presente diante dos nossos olhos e que deve constituir a meta para a qual caminhamos) é, de acordo com Paulo, a renovação contínua da nossa vida, a fim de que nos tornemos “imagem de Deus”. Aqueles que me rodeiam conseguem detectar em mim algo de Deus? Que “imagem de Deus” é que eu transmito a quem, diariamente, contacta comigo?

• A comunidade cristã é essa família de irmãos onde as diferenças (de raça, de cultura, de posição social, de perspectiva política, etc.) são ilusórias, porque o fundamental é que todos caminham para ser “imagem de Deus”. Isto é realidade? Nas nossas comunidades (cristãs ou religiosas), todos os membros são tratados com igual dignidade, como “imagem de Deus”?

• Convém não esquecer que a construção do “Homem Novo” é uma tarefa que exige uma renovação constante, uma atenção constante, um compromisso constante. Enquanto estamos neste mundo, nunca podemos cruzar os braços e dar a nossa caminhada para a perfeição por terminada: cada instante apresenta-nos novos desafios, que podem ser vencidos ou que podem vencer-nos.


ALELUIA – Mt 5,3

Aleluia. Aleluia.

Bem-aventurados os pobres em espírito,
porque deles é o reino dos Céus.


EVANGELHO – Lc 12,13-21

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
alguém, do meio da multidão, disse a Jesus:
«Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo».
Jesus respondeu-lhe:
«Amigo, quem Me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?»
Depois disse aos presentes:
«Vede bem, guardai-vos de toda a avareza:
a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens».
E disse-lhes esta parábola:
«O campo dum homem rico tinha produzido excelente colheita.
Ele pensou consigo:
‘Que hei-de fazer,
pois não tenho onde guardar a minha colheita?
Vou fazer assim:
Deitarei abaixo os meus celeiros para construir outros maiores,
onde guardarei todo o meu trigo e os meus bens.
Então poderei dizer a mim mesmo:
Minha alma, tens muitos bens em depósito para longos anos.
Descansa, come, bebe, regala-te’.
Mas Deus respondeu-lhe:
‘Insensato! Esta noite terás de entregar a tua alma.
O que preparaste, para quem será?’
Assim acontece a quem acumula para si,
em vez de se tornar rico aos olhos de Deus».

AMBIENTE

Continuamos a percorrer o “caminho de Jerusalém” e a escutar as lições que preparam os discípulos para serem as testemunhas do Reino. A catequese, que Jesus hoje apresenta, é sobre a atitude face aos bens.
A reflexão é despoletada por uma questão relacionada com partilhas… Um homem queixa-se a Jesus porque o irmão não quer repartir com ele a herança. Segundo as tradições judaicas, o filho primogénito de uma família de dois irmãos recebia dois terços das possessões paternas (cf. Dt 21,17. É possível que só fossem repartidos os bens móveis e que, para guardar intacto o património da família, a casa e as terras fossem atribuídas ao primogénito). O homem que interpela Jesus é, provavelmente, o irmão mais novo, que ainda não tinha recebido nada. Era frequente, no tempo de Jesus, que os “doutores da lei” assumissem o papel de juízes em casos similares… Como é que Jesus Se vai situar face a esta questão?

MENSAGEM

Jesus escusa-Se, delicadamente, a envolver-Se em questões de direito familiar e a tomar posição por um irmão contra outro (“amigo, quem me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?” – vers. 14). O que estava em causa na questão era a cobiça, a luta pelos bens, o apego excessivo ao dinheiro (talvez por parte dos dois irmãos em causa). A conclusão que Jesus tira (vers. 15) explica porque é que Ele não aceita meter-Se na questão: o dinheiro não é a fonte da verdadeira vida. A cobiça dos bens (o desejo insaciável de ter) é idolatria: não conduz à vida plena, não responde às aspirações mais profundas do homem, não conduz a um autêntico amadurecimento da pessoa. A lógica do “Reino” não é a lógica de quem vive para os bens materiais; quem quiser viver na dinâmica do Reino deverá ter isto presente.
A parábola que Jesus vai apresentar na sequência (vers. 16-21) ilustra a atitude do homem voltado para os bens perecíveis, mas que se esquece do essencial – aquilo que dá a vida em plenitude. Apresenta-nos um homem previdente, responsável, trabalhador (que até podíamos admirar e louvar); mas que, de forma egoísta e obsessiva, vive apenas para os bens que lhe asseguram tranquilidade e bem-estar material (e nisso, já não o podemos louvar e admirar). Esse homem representa, aqui, todos aqueles cuja vida é apenas um acumular sempre mais, esquecendo tudo o resto – inclusive Deus, a família e os outros; representa todos aqueles que vivem uma relação de “circuito fechado” com os bens materiais, que fizeram deles o seu deus pessoal e que esqueceram que não é aí que está o sentido mais fundamental da existência.
A referência à acção de Deus, que põe repentinamente um ponto final nesta existência egoísta e sem significado, não deve ser muito sublinhada: ela serve, apenas, para mostrar que uma vida vivida desse jeito não tem sentido e que quem vive para acumular mais e mais bens é, aos olhos de Deus, um “insensato”.
O que é que Jesus pretende, ao contar esta história? Convidar os seus discípulos a despojar-se de todos os bens? Ensinar aos seus seguidores que não devem preocupar-se com o futuro? Propor aos que aderem ao Reino uma existência de miséria, sem o necessário para uma vida minimamente digna e humana? Não. O que Jesus pretende é dizer-nos que não podemos viver na escravatura do dinheiro e dos bens materiais, como se eles fossem a coisa mais importante da nossa vida. A preocupação excessiva com os bens, a busca obsessiva dos bens, constitui uma experiência de egoísmo, de fechamento, de desumanização, que centra o homem em si próprio e o impede de estar disponível e de ter espaço na sua vida para os valores verdadeiramente importantes – os valores do Reino. Quando o coração está cheio de cobiça, de avareza, de egoísmo, quando a vida se torna um combate obsessivo pelo “ter”, quando o verdadeiro motor da vida é a ânsia de acumular, o homem torna-se insensível aos outros e a Deus; é capaz de explorar, de escravizar o irmão, de cometer injustiças, a fim de ampliar a sua conta bancária. Torna-se orgulhoso e auto-suficiente, incapaz de amar, de partilhar, de se preocupar com os outros… Fica, então, à margem do Reino.
Atenção: esta parábola não se destina apenas àqueles que têm muitos bens; mas destina-se a todos aqueles que (tendo muito ou pouco) vivem obcecados com os bens, orientam a sua vida no sentido do “ter” e fazem dos bens materiais os deuses que condicionam a sua vida e o seu agir.

ACTUALIZAÇÃO

Para a reflexão, ter em conta os seguintes elementos:

• A Palavra de Deus que aqui nos é servida questiona fortemente alguns dos fundamentos sobre os quais a nossa sociedade se constrói. O capitalismo selvagem que, por amor do lucro, escraviza e obriga a trabalhar até à exaustão (e por salários miseráveis) homens, mulheres e crianças, continua vivo em tantos cantos do nosso planeta… Podemos, tranquilamente, comprar e consumir produtos que são fruto da escravidão de tantos irmãos nossos? Devemos consentir, com a nossa indiferença e passividade, em aumentar os lucros imoderados desses empresários/sanguessugas que vivem do sangue dos outros?

• Entre nós, o capitalismo assume um “rosto” mais humano nas teses do liberalismo económico; mas continua a impor a filosofia do lucro, a escravatura do trabalhador, a prioridade dos critérios de planificação, de eficiência, de produção em relação às pessoas. Podemos consentir que o mundo se construa desta forma? Podemos consentir que as leis laborais favoreçam a escravidão do trabalhador? Que podemos fazer? Nós cristãos – nós Igreja – não temos uma palavra a dizer e uma posição a tomar face a isto?

• Qualquer trabalhador – muitos de nós, provavelmente – passa a vida numa escravatura do trabalho e dos bens, que não deixa tempo nem disponibilidade para as coisas importantes – Deus, a família, os irmãos que nos rodeiam. Muitas vezes, o mercado de trabalho não nos dá outra hipótese (se não produzimos de acordo com a planificação da empresa, outro ocupará, rapidamente, o nosso lugar); outras vezes, essa escravatura do trabalho resulta de uma opção consciente… Quantas pessoas escolhem prescindir dos filhos, para poder dedicar-se a uma carreira de êxito profissional que as torne milionárias antes dos quarenta anos… Quantas pessoas esquecem as suas responsabilidades familiares, porque é mais importante assegurar o dinheiro suficiente para as férias na Tailândia ou na República Dominicana… Quantas pessoas renunciam à sua dignidade e aos seus direitos, para aumentar a conta bancária… Tornamo-nos, assim, mais felizes e mais humanos? É aí que está o verdadeiro sentido da vida?

• O que Jesus denuncia aqui não é a riqueza, mas a deificação da riqueza. Até alguém que fez “voto de pobreza” pode deixar-se tentar pelo apelo dos bens e colocar neles o seu interesse fundamental… A todos Jesus recomenda: “cuidado com os falsos deuses; não deixem que o acessório vos distraia do fundamental”.


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 18º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 18º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. ACOLHER OS NOVOS QUE CHEGAM.
Em grande parte das comunidades, neste mês de Agosto, muitos partem em férias para outras paragens, muitos outros aparecem para participar na missa. Pode haver um acolhimento especial para os que chegam de novo, antes da missa, durante ou depois da missa.

3. PROCLAMAR BEM A PRIMEIRA LEITURA.
O texto do Eclesiástico não precisa de grandes efeitos de voz. Leitura simples, tranquila, sem exageros na pronunciação da palavra “vaidade” e sem ares de tristeza… É uma chamada de atenção para a importância que se deve dar à proclamação das leituras. Não se trata de uma simples leitura, muitas vezes incompreensível e mal preparada, mas de uma verdadeira proclamação da Palavra!

4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.


No final da primeira leitura:
“Deus nosso Pai, nós Te bendizemos por toda a criação. Mesmo as flores efémeras e as vaidades dão testemunho de Ti, ensinam-nos que permaneces eternamente. Bendito sejas, porque nos chamas a participar da tua eternidade.
Nós Te pedimos por todas as vítimas de injustiças e de catástrofes, por todos aqueles que ficam privados do fruto do seu trabalho e do seu suor”.

No final da segunda leitura:
“Cristo Jesus, nosso Deus que fazes de nós teus irmãos, nós Te proclamamos como o Homem Novo, e esperamos a tua vinda, quando apareceres na glória, para reunir todos os membros do teu Corpo.
Nós Te pedimos por todos nós que fomos baptizados na tua morte e na tua ressurreição: faz morrer em nós o que pertence à terra, refaz-nos de novo, à tua imagem”.

No final do Evangelho:
“Deus nosso Pai, bendito sejas pelo teu Filho Jesus. Ele renunciou à glória que tinha junto de Ti para se tornar pobre e nos enriquecer com a tua própria vida.
Nós Te pedimos: que o teu Espírito nos purifique dos ataques que nos ligam às riquezas perecíveis, e fortifique em nós o desejo de sermos ricos aos olhos de Deus. Que Ele nos preserve da avidez do lucro e nos abra ao sentido da partilha”.

5. BILHETE DE EVANGELHO.
Ninguém pode decidir no lugar de outro. O próprio Jesus respeita a liberdade do homem, mas veio propor-lhe balizas para marcar o caminho sobre o qual tem escolhas a fazer. Põe-no de sobreaviso em relação às riquezas materiais que podem paralisar ou cegar. De facto, aquele que tem as mãos crispadas sobre os seus bens está impedido de partilhar, de fazer um gesto para com aquele que tem necessidade. E depois, o seu horizonte está fechado por todas as suas riquezas que o impedem de ver o irmão, e de se ver a si próprio na luz de Deus. Quando nos deixamos olhar por Deus, permitimos-Lhe olhar para onde estão as nossas verdadeiras riquezas; a oração ajuda-nos, então, a reconhecê-las para as desenvolver.

6. À ESCUTA DA PALAVRA.
Eis Jesus confrontado com um assunto de herança. Mas declara-Se incompetente para julgar o caso, pois não é juiz, nem notário, nem advogado. Mas é uma boa ocasião para Ele, pois conhece bem o coração de Deus e o coração dos homens! Sabe que o coração do homem anda muitas vezes bem longe do coração de Deus, que o porta-moedas é parte sensível do homem, enquanto Deus não tem nada disso! Aproveita a ocasião para dar atenção ao sentido sobre as riquezas humanas. Jesus não é contra a riqueza, nem contra o progresso, nem contra o crescimento do nível de vida. Mas ser rico para si mesmo, é deixar-se aprisionar pelo dinheiro. A vida do homem não depende das suas riquezas. Hoje, o que diria Jesus aos grandes poderosos do mundo, “ricos de podre”, que não têm pejo em lançar para o desemprego milhares de pessoas sem saber qual o seu destino de vida? São pecados graves! Pode dizer-se que se trata de política. Mas trata-se primeiro do Evangelho! Cabe aos cristãos serem testemunhas pela própria vida, pelo próprio exemplo! E lutar contra este estado de coisas!

7. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II para a Reconciliação, que está em harmonia significativa com a leitura de São Paulo.

8. PALAVRA PARA O CAMINHO…
O melhor celeiro? O melhor banco? Onde acumulamos as nossas riquezas? E quais são estas riquezas? À luz da parábola de Jesus, eis-nos convidados a fazer o ponto da situação sobre as nossas prioridades na vida – e a rectificar, talvez, o nosso uso dos bens da terra. A vida de uma pessoa e o seu valor real não se medem pelas suas riquezas. Estamos verdadeiramente conscientes e persuadidos disso?


UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehnianos.org – www.dehonianos.org

sexta-feira, 29 de julho de 2016

XVII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares - 30.07.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XVII Semana - Sábado
Lectio

Primeira leitura: Jeremias 26, 11-16.24

Naqueles dias, 11os sacerdotes e os profetas falaram aos príncipes e à multidão: «Este homem merece a morte porque profetizou contra esta cidade, como todos vós ouvistes.» 12Jeremias, porém, respondeu aos príncipes e ao povo: «Foi o Senhor que me enviou a profetizar contra este templo e contra esta cidade os oráculos que ouvistes. 13Reformai, portanto, a vossa vida e as vossas obras, ouvi a palavra do Senhor, vosso Deus, e o Senhor afastará de vós o mal com que vos ameaça. 14Quanto a mim, entrego-me nas vossas mãos. Fazei de mim o que quiserdes e o que melhor vos parecer. 15Sabei, porém, que, se me condenardes à morte, sereis responsáveis pelo sangue inocente, assim como esta cidade e os seus habitantes porque, na verdade, foi o Senhor que me enviou para vos transmitir estes oráculos.» 24Quanto a Jeremias, ele gozava da protecção de Aicam, filho de Chafan, para que não fosse entregue nas mãos do povo a fim de ser condenado à morte.

Na continuação do texto que escutamos ontem, o de hoje apresenta-nos a reacção ao discurso de Jeremias. Os sacerdotes e os profetas denunciam-no aos chefes do povo, acusando-o de profetizar a destruição do Templo e de Jerusalém, ambos “santos”, porque morada de Deus. Essa profecia constituía, pois, uma blasfémia merecedora de sentença de morte. Por sorte, os encarregados da justiça não eram nem os sacerdotes nem os profetas, mas os juízes e os anciãos. Estes, perante a acusação falsa e incompleta dos interessados no culto, que citaram as palavras de Jeremias contra a cidade, mas não contra o Templo, reagiram recordando o que acontecera um século antes com o profeta Miqueias. Este tinha pronunciado idêntica ameaça, o povo tinha-se convertido e Jerusalém fora libertada de Senaqueribe. Era o que também agora pretendia Jeremias.
A coragem do profeta, manifestada na disposição de enfrentar a morte antes do que trair a Palavra de Deus, também deve ter comovido os juízes que unanimemente reconheceram que não era réu de morte, porque tinha falado em nome de Deus.
O v. 24, com que termina o texto litúrgico, anota como Jeremias foi salvo pela protecção de Aicam, irmão de Godolias futuro governante de Jerusalém, imposto por Nabucodonosor. Não se trata de coincidências, de resultados de jogos políticos, ou de “milagres” de circo. São acontecimentos e circunstâncias através dos quais se manifesta a acção salvífica de Deus que garantira ao profeta: «Eu estarei a teu lado!». (Jer 15, 20).


Evangelho: Mateus 14, 1-12

1Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos de Herodes, o tetrarca, 2e ele disse aos seus cortesãos: «Esse homem é João Baptista! Ressuscitou dos mortos e, por isso, se manifestam nele tais poderes miraculosos.» 3De facto, Herodes tinha prendido João, algemara-o e metera-o na prisão, por causa de Herodíade, mulher de seu irmão Filipe. 4Porque João dizia-lhe: «Não te é lícito possuí-la.» 5Quisera mesmo dar-lhe a morte, mas teve medo do povo, que o considerava um profeta. 6Ora, quando Herodes festejou o seu aniversário, a filha de Herodíade dançou perante os convidados e agradou a Herodes, 7pelo que ele se comprometeu, sob juramento, a dar-lhe o que ela lhe pedisse. 8Induzida pela mãe, respondeu: «Dá-me, aqui num prato, a cabeça de João Baptista.» 9O rei ficou triste, mas, devido ao juramento e aos convidados, ordenou que lha trouxessem 10e mandou decapitar João Baptista na prisão. 11Trouxeram, num prato, a cabeça de João e deram-na à jovem, que a levou à sua mãe. 12Os discípulos de João vieram buscar o corpo e sepultaram-no; depois, foram dar a notícia a Jesus.

O relato de Mateus sobre o martírio de João Baptista, mais sóbrio que o de Marcos (6, 14), baseia-se na história, pois se trata de um acontecimento datado no tempo de Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, a quem os romanos reconheceram jurisdição sobre a Galileia e a Pereia, no norte da Palestina.
A decapitação do Baptista é motivada pela sua intransigência moral e pela sua forte personalidade. O profeta não se amedrontava diante de nada nem de ninguém, quando se tratava de denunciar a imoralidade. Não se amedrontou sequer diante de Herodes, que tendo repudiado a consorte, tomou por esposa a mulher de seu irmão. Herodes continha a sua vontade de vingança, porque temia uma rebelião popular. Mas Herodíades não se preocupava com isso. Assim, quando Herodes jurou dar à filha de Herodíades o que quer que lhe pedisse, a adúltera não hesitou em sugerir a cabeça de João (vv. 6-11). E obteve-a! Com o seu martírio, João Baptista terminou a missão de precursor. E Jesus compreendeu que era chamado a percorrer o mesmo caminho.


Meditatio

Tanto João Baptista, como Jeremias, eram profetas corajosos e fiéis à sua missão. Ambos conheciam o risco que era denunciar, em nome de Deus, os abusos dos seus contemporâneos, particularmente das autoridades. Ambos foram presos, porque falavam demasiadamente claro e forte contra esses abusos. João foi preso por um monarca absoluto, e a sua sorte dependeu unicamente do arbítrio de Herodes. A situação de Jeremias foi diferente. Os seus acusadores eram os sacerdotes e os profetas. Podia defender-se deles. E começou por afirmar que a sua profecia não era fruto da sua mente, não era uma mensagem inventada, mas palavra de Deus ao povo. Depois, acrescentou que essa palavra não era uma afirmação absoluta, mas uma ameaça condicionada: se o povo arrepiasse caminho, seria salvo: «Reformai a vossa vida e as vossas obras, ouvi a palavra do Senhor, vosso Deus, e o Senhor afastará de vós o mal com que vos ameaça» (v. 13). Estas palavras do profeta redimensionavam a situação e constituíam um insistente convite à conversão. Jeremias concluiu afirmando que, condená-lo, só piorava a situação, porque matar um enviado de Deus aumenta a culpa: «se me condenardes à morte, sereis responsáveis pelo sangue inocente» (v. 15). Perante estas palavras, os chefes e o povo rejeitaram a acusação dos sacerdotes e profetas. Jeremias não foi condenado à morte, e pôde continuar o seu ministério.
No caso do João Baptista, o capricho de Herodes, ou, mais exactamente, a sua fraqueza, com a perfídia de Herodíades, levaram a melhor. João Baptista, testemunha da verdade, foi calado, foi morto, sem se poder explicar, sem ter quem o defendesse. Julgamentos semelhantes ao de João Baptista, repetiram-se muitas vezes ao longo da história, e continuam a repetir-se ainda hoje. As perseguições são inevitáveis para quem anuncia a verdade de Deus. A verdade incomoda, tal como o amor, porque implica renúncia aos próprios interesses egoístas, e exige abertura aos outros. Jesus disse aos seus discípulos: «Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça,porque deles é o Reino do Céu.
Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam» (Mt 5, 10-12). À partida, pode parecer mais fácil ficar por uma atitude complacente, por um silêncio diplomático, renunciando à missão profética, a falar em nome de Deus, como é próprio de baptizados, de religiosos. Mas a felicidade só se alcança na partilha da sorte dos profetas e, sobretudo, da sorte do grande profeta, Jesus.


Oratio

Senhor Jesus, dá-me a coragem do teu Precursor. Muitas vezes me acanho, quando sou chamado a dar testemunho da fé, a denunciar os abusos da sociedade de que faço parte. O medo de ser incompreendido, o medo de perder alguns amigos, travam-me a língua para falar, e paralisam-me as mãos para agir de modo coerente com o Evangelho que, apesar de tudo, quero viver.
Infunde em mim, Senhor, o teu Espírito de fortaleza, que me aqueça o coração, me encha de uma alegria mais forte do que o medo, me faça testemunha corajosa da verdade que és Tu. Amen.


Contemplatio

S. João Baptista entrega-se à penitência e à reparação pelo seu povo, como os profetas. Como Jeremias, é santificado no seio de sua mãe. É o novo Elias, predito por Malaquias. Desde a sua infância entrega-se à penitência. «Não beberá nem vinho nem cidra», diz o anjo a Zacarias. Passa a sua adolescência no deserto, está vestido com uma túnica de peles de camelo apertada por um cinto de couro; come mel silvestre e gafanhotos. «Que fostes ver ao deserto? diz Jesus aos seus discípulos. Não é um homem molemente vestido. É um anjo, que não come nem bebe» (Mt 11, 18). Nosso Senhor exprime assim a extrema mortificação do Precursor. É um profeta, um asceta. S. Bernardo chama-o patriarca, o mestre e o guia dos religiosos. Como os religiosos contemplativos, amou a solidão, a oração, a penitência; como os religiosos apostólicos, pregou a todas as classes da sociedade, reconduziu um grande número de pecadores, conduziu as almas a Jesus Cristo. Imitemos a sua penitência e o seu zelo.
S. João Baptista foi mártir da pureza. Amava ardentemente a virgindade. Viveu virgem. Não podia sofrer a visão da impureza. Atacava nos seus discursos todas as desordens de costumes, sem medo de ofender os grandes. Censurou mesmo a Herodes ter tomado por esposa a mulher do seu irmão ainda vivo. É esta firmeza apostólica e este amor da pureza que lhe atraíram a perseguição e lhe valeram o martírio. Herodes e esta mulher que ele tinha desposado contrariamente às leis e à decência não lhe perdoavam as suas censuras. Foi nos excessos mesmos da sua vida sensual e desordenada que conjuraram contra a sua vida. Foi no meio das danças e dos festins que o mandaram matar. Era ao mesmo tempo mártir ou testemunha da santa virtude de pureza, e reparador pelas orgias nas quais pronunciavam a sua condenação. Era um anjo pela sua pureza. O evangelho e os profetas dão-lhe este belo título: «Enviarei o meu anjo diante do Messias», tinha dito o Senhor na profecia de Malaquias (3, 1).
Nosso Senhor mesmo faz a aplicação desta profecia: «Foi dele, diz, que o profeta disse: Enviarei um anjo diante de vós para vos preparar os caminhos» (Mt 11, 10). (Leão Dehon, OSP 3, p. 688s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Dai Senhor à vossa Igreja, profetas e santos».


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

quinta-feira, 28 de julho de 2016

XVII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 29.07.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XVII Semana - Sexta-feira
Lectio

Primeira leitura: Jeremias 26, 1-9

1No começo do reinado de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, a palavra do Senhor foi dirigida a Jeremias, nestes termos: 2«Isto diz o Senhor:'Põe-te no átrio do templo e fala ali a todos os habitantes de Judá que vêm prostrar-se no templo do Senhor, e anuncia-lhes todas as palavras que te mandei anunciar, sem omitir nenhuma.
3Talvez te ouçam e se convertam cada um do seu mau caminho. Arrepender-me-ei então do castigo que, por causa das suas más obras, tinha determinado dar-lhes.'
4Dir-lhes-ás: 'Isto diz o Senhor: Se não me ouvirdes, se não obedecerdes à lei que vos impus, 5ouvindo as palavras dos profetas, meus servos, que continuamente vos enviei, e a quem não tendes ouvido, 6farei a esta casa o que fiz a Silo e farei desta cidade um objecto de maldição para todos os povos da terra.'» 7Os sacerdotes, os profetas e todo o povo ouviram Jeremias pronunciar estas palavras no templo. 8Porém, mal Jeremias acabara de repetir o que o Senhor lhe ordenara dizer ao povo, os sacerdotes, os profetas e a multidão lançaram-se sobre ele, exclamando: «À morte! 9Porque profetizas, em nome do Senhor, este oráculo: 'Acontecerá a este templo o mesmo que sucedeu a Silo e esta cidade será transformada em deserto, sem habitantes?'» Juntou-se toda a multidão contra Jeremias no templo do Senhor.

O capítulo 26 de Jeremias, dá-nos o contexto do discurso que vem no capítulo 7. O narrador dos acontecimentos, Baruc, destaca especialmente as consequências desse discurso pronunciado por Jeremias à entrada do Templo: «À morte!», gritaram os sacerdotes e os profetas que viviam à custa do Templo (v. 8), ao qual se juntou a multidão (v. 9). Joaquim tinha lançado por terra as esperanças da reforma religiosa iniciada pelo seu pai, Josias. Jeremias apela para as responsabilidades de todos no que se refere à escuta da Palavra do Senhor. Está em jogo a conversão do povo ou a sua punição (v. 3). Não basta frequentar o Templo e participar nos seus ritos: é preciso escutar e viver a palavra. Não escutar nem obedecer à palavra é morrer
O discurso de Jeremias desagrada vivamente a todos, que o condenam à morte. Mas o profeta não se retracta. Mais ainda: reconfirma as palavras, que não são dele, mas de Quem o enviou contra a sua própria vontade. A sua disponibilidade para enfrentar o martírio, confirma o carácter divino da sua missão profética.


Evangelho: Mateus 13, 54-58

Naquele tempo, 54tendo Jesus chegado à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam: «De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? 55Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? 56Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem, pois, tudo isto?» 57E estavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa.» 58E não fez ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquela gente.

Acabado o discurso das parábolas, Mateus introduz, no seu evangelho, outro material narrativo que marca a progressiva separação entre Jesus e Israel, e evidencia a formação específica dada ao grupo dos discípulos (cf. Mt 13, 54-17,27). O episódio de hoje tem um paralelo em Mc 6, 1-6, do qual depende, e refere-se à rejeição de Jesus pelos seus conterrâneos. A apresentação “oficial” de Jesus na sinagoga da sua terra redunda em completo fracasso. Após o assombro inicial, os seus conterrâneos interrogam-se sobre a identidade de Jesus. A frase mais significativa de toda a perícopa é: «estavam escandalizados por causa dele» (v. 57). O evangelho introduz-nos, deste modo, no mistério de Jesus. A atitude dos nazarenos é significativa de todos aqueles que procuram compreender Jesus, partindo unicamente do que pode saber-se sobre Ele: é da nossa terra, filho do carpinteiro, conhecemos a sua família, estudou na nossa sinagoga… Jesus foi incompreendido e desprezado, tal como o foram os profetas... O mesmo sucederá com os seus discípulos. Paulo falará do escândalo da cruz (Mc 14, 27.29; 1 Cor 1, 23). A sorte dos profetas, de Jesus, dos discípulos é sempre a mesma: ser recusados, ser objecto de troça, de desprezo, de perseguição e, muitas vezes, de morte violenta.


Meditatio

Como somos hábeis e apressados em iludir a palavra de Deus! Todas as razões nos parecem boas para alcançar esse fim. Jeremias convidava o povo à conversão e anunciava que a obstinação no mal traria graves catástrofes a Jerusalém e ao país. Os chefes do povo, em vez de escutarem o apelo e de agirem em consonância, criticam o profeta, acusam-no, prendem-no. Jesus anuncia o Reino de Deus, fala como nunca ninguém tinha falado, realizava milagres. Mas os seus conterrâneos não suportaram que, alguém, que eles bem conheciam, manifestasse tal «sabedoria e o poder de fazer milagres» (v. 55).
Não acontece algo de parecido connosco? Quando um discurso ou um modo de agir nos incomodam, não procuramos defender-nos das exigências de mudança, das correcções na nossa vida, pondo em questão as pessoas ou o profeta que nos interpelam? É fácil criticar um discurso, uma homilia e, sobretudo, quem os profere! Os hebreus criticaram Jeremias, que falava em nome de Deus. Acusaram-no de atribuir a Deus projectos escandalosos como a destruição do tempo, casa de Deus, ou da cidade santa. É sempre possível criticar uma pessoa, porque ninguém agrada a todos. Até Jesus foi criticado pelos seus conterrâneos, porque revelava demasiada sabedoria, excessivo poder! E assim se dispensavam de seguir os seus ensinamentos, continuando a viver de acordo com os hábitos de sempre, ainda que não correspondessem às exigências da Lei de Deus! Mas, também nós, podemos cair no mesmo erro, quando ouvimos chamadas de atenção, observações e talvez mesmo repreensões de quem tem o direito de no-las fazer!
O convite à escuta da Palavra, feito pelos profetas repercute-se ao longo dos séculos, e chega até nós. Em Jesus, a Palavra de Deus ficou definitivamente pronunciada. Mas jamais faltaram profetas, homens e mulheres, que, pela sua vida, pelos seus discursos, pelos seus escritos, reavivassem, na memória dos seus contemporâneos, o conhecimento da beleza e das exigências do Evangelho. Também hoje estão entre nós! Escutamo-los?
Como dehonianos, havemos de estar disponíveis para acolher a Palavra onde, quando e como quiser revelar-se. Mas também somos chamados a ser «profetas do amor e... servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo» (Cst 7), com todas as consequências inerentes a uma tal missão.


Oratio

Senhor, faz-me disponível à tua Palavra, ainda que, à primeira vista, pareça desagradável para mim. É o que acontece com muitos medicamentos: ao serem tomados, sabem mal. Mas curam!
Fala-me, Senhor! Envia os teus profetas que denunciem o meu egoísmo, a minha instalação, as minhas falsas seguranças, também religiosas. Dá-Te a conhecer ao teu servo, manifesta-me a tua santa vontade, porque não quero permanecer fechado no meu egoísmo, nas minhas ideias sobre Ti, tantas vezes mesquinhas, limitadas. Deus da minha mediocridade, da minha saudade de Absoluto, Deus de Jesus Cristo, mostra-me o teu rosto, dá-Te a conhecer, porque és o Senhor da minha vida, e eu creio em Ti. Amen.


Contemplatio

Jesus possuía toda a sabedoria como Deus, e mesmo como homem por uma graça infusa, mas quer também possuir a ciência adquirida, para nos dar o exemplo e para nos merecer a graça do amor do trabalho e do gosto pela sabedoria.
Segue as lições da Sinagoga, estuda a lei, os profetas, a história e os livros ascéticos. Lê os livros sagrados, medita-os. Não tem necessidade deles para si, mas tem necessidade por nós. Assumiu a humanidade tal como ela é, com os seus deveres de estudo e de trabalho.
A sua ciência adquirida torna-se maravilhosa. Já aos doze anos espanta os doutores da lei no Templo. Explica a Escritura, ficam surpreendidos com a sua prudência e com as suas respostas.
Durante a sua vida pública, citará constante e abundantemente a Escritura. Na sinagoga de Nazaré, passam-lhe o livro de Isaías, lê, comenta, mostra-lhes como as suas obras tinham sido anunciadas, cita os livros dos reis. As pessoas exclamam: «Donde lhe vem esta ciência, não é ele o filho do carpinteiro que nós conhecemos?» (Lc 2; Mc 6).
Quando prega na região de Tiberíades, antes e depois do sermão da montanha, cita o Levítico e o Deuteronómio, os Reis, Amós, Isaías, Tobias. Muitas vezes faz alusão aos Salmos (Lc 6). Aos enviados de S. João Baptista, comenta e explica as profecias de Isaías (Lc 7,22).
Os salmos são o alimento da sua vida interior e das suas orações, mesmo sobre a cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?» (Sl 21). «Meu Pai, entrego a minha alma nas vossas mãos» (Sl 30). Repassa no seu espírito toda a Escritura para se assegurar de que tudo cumpriu. Faltava ainda na sua Paixão a amargura do fel e do /145 (Sl 68). Para a provocar, diz: «Tenho sede».
Enfim, vendo que tudo está cumprido, verifica-o antes de morrer: Consumatum est.
Depois da sua ressurreição, vive ainda da Escritura. Explica Moisés e os profetas aos discípulos de Emaús (Lc 24).
Que resolução vou tomar hoje para crescer em sabedoria e em ciência? (Leão Dehon, OSP 4, p. 121).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Que eu Te escute, Senhor, e me converta a Ti» (cf. Jr 26, 3).


| Fernando Fonseca, scj |

 Fonte http://www.dehonianos.org/

quarta-feira, 27 de julho de 2016

XVII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 28.07.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XVII Semana - Quinta-feira
Lectio

Primeira leitura: Jeremias 18, 1-6

1Palavra que o Senhor dirigiu a Jeremias, nestes termos: 2«Vai e desce à casa do oleiro, e ali escutarás a minha palavra.» 3Fui, então, à casa do oleiro, e encontrei-o a trabalhar ao torno. 4Quando o vaso que estava a modelar não lhe saía bem, retomava o barro com as mãos e fazia outro, como bem lhe parecia. 5Então, foi-me dirigida a palavra do Senhor, dizendo: 6«Casa de Israel, não poderei fazer de vós o que faz este oleiro? Como o barro nas suas mãos, assim sois vós nas minhas, casa de Israel - oráculo do Senhor.

Jeremias passa pela casa do oleiro. Observa o trabalho do artesão, o carinho com que modela as peças. Se alguma sai mal, não a deita fora, mas volta a moldá-la até que lhe agrade.
O profeta compreende o significado do que observa. Aquela visão banal, torna-se para ele uma visão divina. E sente-se chamado a anunciar ao povo quanto observa: como o oleiro desfaz os vasos que não saem bem, e volta a modelá-los, assim Deus, Criador e Senhor dos povos, pode eliminar aqueles que não cumprem a sua vontade. O seu juízo é inquestionável. Não se trata, porém, de um gesto autoritário, mas de um gesto pedagógico: os destinos de Judá e de Israel estão na mão de Deus. Não adianta correr atrás de outros deuses. Há que abandonar-se nas mãos de Javé, como o barro nas do oleiro. As actuais desgraças, incluindo o exílio, são tentativas para refazê-los, para torná-los um Povo Santo. Mais do que o poder de Deus, o nosso texto sugere o terno cuidado com que Ele trata o seu povo, para que corresponda à sua vocação.


Evangelho: Mateus 13, 47-53

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 47«O Reino do Céu é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie de peixes. 48Logo que ela se enche, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e escolhem os bons para as canastras, e os ruins, deitam-nos fora. 49Assim será no fim do mundo: sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos, 50para os lançarem na fornalha ardente: ali haverá choro e ranger de dentes.» 51«Compreendestes tudo isto?» «Sim» - responderam eles. 52Jesus disse-lhes, então: «Por isso, todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro.» 53Depois de terminar estas parábolas, Jesus partiu dali.

A parábola da rede que, lançada ao mar, «apanha toda a espécie de peixes» (v. 47), aprofunda o significado da parábola do trigo e do joio. É uma parábola eminentemente escatológica, pois se refere a realidades que terão lugar nos últimos dias, no último dia. Como na rede se encontram peixes bons e peixes ruins, assim também na Igreja há quem viva e acolha a palavra de Jesus, e há quem a recuse ou permaneça indiferente. A separação, de uns e de outros, acontecerá no fim dos tempos, e pertence a Deus fazê-la (vv. 47-50). Entretanto, como na parábola do trigo e do joio, bons e maus têm de conviver ou coexistir até ao fim. Só então se manifestará clara e definitivamente quem é bom e quem é mau, quem confessou Cristo com o coração e os lábios e quem o confessou só por palavras, quem pertence à comunidade dos filhos de Deus e quem não pertence. Estes últimos terão a sorte dos peixes ruins e do joio.


Meditatio

A parábola é um óptimo instrumento pedagógico: suscita a colaboração dos ouvintes e, exigindo deles algum esforço para adivinhar o significado escondido, também lhes facilita a compreensão do mesmo.
A primeira leitura apresenta-nos a parábola do oleiro. Com ela, o profeta ensina-nos que Deus, ao contrário do que afirmam os filósofos, pode mudar de ideias, pode rever os seus planos, reage de acordo com as circunstâncias. Nos versículos que vêm logo a seguir à parábola, lemos: «Em dado momento, anuncio a uma nação ou a um reino que o vou arrancar e destruir. Mas, se esta nação… se afastar do mal… também Eu me arrependerei do mal com que resolvi castigá-la. Igualmente decido, … edificar e plantar um povo ou um reino. Porém, se esse povo proceder mal diante de mim e não escutar a minha palavra, hei-de arrepender-me também do bem que decidira fazer-lhe(vv. 7-10.)A parábola do oleiro é, pois, uma advertência em sentido duplo: quem anda por maus caminhos, não deve desesperar, mas converter-se, porque, se o fizer, pode evitar os castigos divinos; quem se julga justo também deve estar atento, porque a decisão de Deus em seu favor, pode alterar-se, se não permanecer devidamente empenhado nos caminhos do bem.
A interpretação mais habitual desta parábola é a que recomenda o abandono nas mãos de Deus, como barro nas mãos do oleiro. Esse abandono não é uma fatalidade a que só temos que nos resignar… Estar nas mãos de Deus é uma enorme graça, porque elas aquecem e protegem, guardam e sustentam, encorajam, estão sempre abertas a acolher, dão segurança. As mãos de Deus chamam e oferecem tesouros. Manifestam o Seu amor por aqueles a quem as estende, mas também deixam partir quem não quer nelas permanecer! No fim manifestarão o juízo divino, que sempre respeita as opções de cada um. Como é bom estar nas mãos de Deus! Felizes os que nelas se acolhem nos momentos bons e nos momentos difícieis da vida! É também isso que Jesus nos quer dizer com as parábolas do Reino. Abrigados nele, estamos seguros em qualquer circunstância da vida. Nas mãos de Jesus, em íntima união com Ele, mesmo os maiores sofrimentos se transformam em alegria, em força de bem-aventurança.
Foi a união íntima ao Coração de Cristo, que deu ao Pe. Dehon coragem, força e alegria em tantas circunstâncias difíceis da sua vida, que ele vivia sempre em total disponibilidade e abandono. Os seus motes preferidos, desde os anos de seminário, eram: «Senhor, que queres que eu faça?», «Eis-me aqui!», «Faça-se!», como verificamos no seu Diário.


Oratio

Senhor, meu Deus, hoje quero dirigir-te aquele cântico-oração, que muitos irmãos repetem em encontros de intimidade contigo: «Eu quero ser, Senhor amado, como o barro do oleiro; rompe-me a vida, faz-me de novo; eu quero ser um vaso novo». Tantas vezes, tenho resistido aos teus apelos! Tantas vezes, me queixei das provações que permites, para que me recorde de Ti! Obrigado por não desistires! Obrigado continuares a cuidar de mim, deixando-me livre para orientar a minha vida como quero. No fim, olhando para mim e para o conjunto da minha vida, pronunciarás o teu juízo. Faz-me perceber que é hoje que preparo o meu futuro. Guarda-me nas tuas mãos e ajuda-me a viver na docilidade para Contigo, para com os teus dons, para com a tua palavra. Amen.


Contemplatio

O anjo disse a José em sonho: «Toma o menino e foge para o Egipto, porque Herodes procura matar o menino, e fica lá até que eu te diga». Que fé, que confiança, que obediência, que abandono manifestam Maria e José que se colocam nas mãos da Providência, como os instrumentos dóceis da vontade divina! Tanto a sua presença, as suas virtudes e os seus méritos, como também os méritos do divino menino assim desconhecido e desprezado, lançaram os fundamentos do cristianismo sobre esta terra infiel do Egipto.
Jesus tinha dito: «Eis que venho, ó meu Deus, para fazer a vossa vontade». É para cumprir esta vontade que, apesar do seu zelo apaixonado e do seu amor ardente pelas almas, aguarda a hora marcada para todas as coisas pelo seu Pai.
Em Nazaré, era uma vida bem pouco gloriosa aos olhos do mundo este trabalho quotidiano pelo qual Jesus ganhava o seu pão com o suor do seu rosto. Mas esta humilhação era precisamente a salvação do mundo. Assim Jesus pagava a dívida do mundo e curava as chagas mortais do seu orgulho e da sua moleza. Era vítima voluntária. O seu coração sagrado imolava-se no silêncio. Cumpria a vontade do seu Pai que o tinha enviado, e todo o acto cumprido por ele na obscuridade, neste abaixamento, era de um valor infinito e podia resgatar mil mundos.
É assim que os que se oferecem como vítimas ao Sagrado Coração, a seu exemplo e com a sua graça devem abandonar-se à vontade divina na vida escondida.
Uma vez Jesus manifestou a sua missão divina, era no Templo de Jerusalém. Depois regressou depressa à obscuridade de Nazaré. Notemos de passagem que é no Templo que o encontram e não nas ruas populosas, nem entre os parentes e os amigos. Depois disto, o Evangelho diz acerca dele: «Desceu com eles a Nazaré e era-lhes submisso e crescia em sabedoria, em graça e em amabilidade diante de Deus e dos homens». Estas palavras resumem toda a sua vida escondida. (Leão Dehon, OSP 3, p. 41s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Senhor, faz-nos compreender a tua palavra» (cf. Mt 13, 51).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

terça-feira, 26 de julho de 2016

XVII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 27.07.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XVII Semana - Quarta-feira
Lectio

Primeira leitura: Jeremias 15, 10.16-21

10Ai de mim, ó mãe, porque me deste à luz! Sou um homem de discórdia e de polémica para toda a terra! Nunca emprestei e ninguém me emprestou; no entanto, todos me maldizem. 15Tu, Senhor, que sabes tudo, lembra-te de mim, ampara-me, e vinga-me dos que me perseguem; que eu não seja apanhado por eles, por causa da tua paciência. Lembra-te como suporto os insultos por tua causa. 16Eu devoro as tuas palavras, onde as encontro; a tua palavra é a minha alegria, e as delícias do meu coração, porque o teu Nome, foi invocado sobre mim, ó Senhor, Deus do universo! 17Nunca me sentei entre os escarnecedores, para com eles me divertir. Forçado pela tua mão, sentei-me solitário, porque me possuía a tua indignação. 18Porque se tornou perpétua a minha dor, e não cicatriza a minha chaga, rebelde ao tratamento? Ai! Serás para mim como um riacho enganador de água inconstante? 19Por esta razão, o Senhor diz-me: «Se te reconciliares comigo, receber-te-ei novamente e poderás estar na minha presença. Se conseguires retirar o precioso do vil, serás como a minha boca. Serão eles, então, que virão a ti e não tu que irás a eles. 20Tornar-te-ei, para este povo, como sólida muralha de bronze. Combaterão contra ti, mas não conseguirão vencer-te, porque Eu estarei a teu lado para te proteger e salvar - oráculo do Senhor. 21Livrar-te-ei das garras dos maus, resgatar-te-ei do poder dos opressores.»

O texto que escutamos faz parte das chamadas «Confissões de Jeremias». O profeta, em profunda crise vocacional, e mesmo existencial, tem um desabafo duro, cansado, quase blasfemo. Lamenta ter nascido: ele que tanto ama a paz e só vê guerra; ele que se sente impelido a proclamar a Palavra de Deus e que, por causa dela, se vê envolvido em contendas e conflitos (v. 10). O profeta lembra a alegria e o entusiasmo do primeiro encontro com a Palavra do Senhor, que, depois, se tornou o centro e o sentido da sua existência. Deus chamara-o e ele entregara-se completamente. Pertencia a Deus (v. 16), tinha recebido o dever de pregar uma palavra que ia contra a corrente. Por causa dela, experimenta a solidão, não tem amigos com quem se divertir, é recusado e combatido pelos seus contemporâneos (v. 17). Daí o sofrimento sem cura que o atormenta. Daí o grito de denúncia da situação, dirigido a Deus, que lhe parece semelhante a «um riacho enganador de água inconstante» (v. 18).
Na resposta, Deus confirma o profeta na sua vocação, pedindo-lhe, mais uma vez, total disponibilidade, renovando-lhe a promessa de êxito final na missão, garantindo a Sua presença.


Evangelho: Mateus 13, 44-46

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 44«O Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem encontra. Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e compra o campo. 45O Reino do Céu é também semelhante a um negociante que busca boas pérolas. 46Tendo encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola.»

As parábolas do tesouro casualmente encontrado no campo, e da pérola desejada e finalmente comprada, acentuam a alegria daquele que compreendeu o valor do reino de Deus. Ambos os protagonistas vendem tudo o que têm para adquirirem o tesouro e a pérola, respectivamente. Mas o ensinamento fundamental não é o da entrega incondicional que o Reino exige, com as respectivas renúncias. A palavra fundamental é «cheio de alegria» (v. 44), referida ao homem comovido diante do excepcional achado num campo, e da pérola de grande valor encontrada. Perante essas descobertas, tudo o resto perde valor. Daí que nenhum esforço, nenhuma renúncia, pareçam excessivos para obter tais bens.


Meditatio

Com as parábolas do tesouro escondido num campo, que alguém encontrou, e da descoberta de uma pérola de grande valor, Jesus apresenta-nos o Reino como algo extremamente precioso. Quem percebe o imenso privilégio, que é ser chamado a participar no Reino, experimenta uma alegria indizível, e julga pouca coisa desfazer-se tudo para o alcançar.
Enquanto o evangelho nos fala da alegria de quem encontra o sentido da sua vida na palavra de Deus, no presente, a primeira leitura apresenta-nos a desolação de Jeremias, que encontrou essa alegria no passado, mas que agora vive uma dor sem fim (cf. v. 18). O profeta está em crise vocacional e acusa Deus: «És para mim como um riacho enganador de água inconstante» (v. 18). Mas o inconstante não é Deus; é ele, o profeta, representante do seu povo: «Se te reconciliares comigo, - diz o Senhor - receber-te-ei novamente e poderás estar na minha presença» (v. 19).
Também nós passamos por crises existenciais, e por crises vocacionais, que ofuscam a alegria experimentada na nossa juventude, no momento em que dissemos «sim» ao Senhor. Mas a alegria experimentada num determinado momento, que iluminou a nossa existência, é fundamento seguro para a redescobrirmos noutras horas e situações da vida, mesmo no meio de grandes sofrimentos. É a memória que nos garante o essencial: a certeza de que o Senhor está vivo e ao nosso lado. O peso da vida, os fracassos, são experiências dolorosas, que nos dilaceram e fazem gritar: «Chega!». Reencontrar a alegria do primeiro encontro, ou procurá-la, se ainda a não encontrámos, é uma verdadeira aventura de vida, é o seu sentido mais profundo. Vale a pena deixar tudo por causa dela. E, se o deixar, enche de alegria (cf. v. 44), quanto mais o encontrar e possuir aquilo pelo qual se deixou tudo! «Eu estarei contigo»! E cada dia, se nos convertermos, se estivermos dispostos a deixar tudo por causa d´Ele, O encontramos, porque Se faz procurar e deixa encontrar. Para nossa e sua alegria!
«Nós deixámos tudo e seguimos-te» (Mt 19, 29). Como cristãos, e como religiosos, facilmente pomos o acento no «deixámos tudo». Mas, o mais importante, o que nos enche de alegria, é o «seguimos-Te»! Jesus é o nosso tesouro, a nossa pérola rara. Deixar tudo por causa d´Ele, abandonar-nos a Ele, é atrair sobre nós, sobre as nossas inquietações, tristezas e desesperos o Seu amor misericordioso, salvação, luz e alegria para a nossa vida.


Oratio

Senhor, Tu és a minha força, a alegria do meu coração. Faz-me saborear a doçura da tua amizade, e o encanto da tua beleza; acende em mim o fogo do teu amor, e o entusiasmo pelos teus projectos. Faz-me compreender que, só sendo todo teu, serei realmente eu. Dá-me força p’ra arriscar, e jogar a minha vida, no esforço de Te alcançar e cumprir tua vontade. Que o fogo do teu Espírito me incendeie o coração! E, deixando tudo por Ti, gritarei louco de amor: «Eis-me aqui! Eis-me aqui, Senhor!». Amen.


Contemplatio

O reino de Deus é também semelhante a um tesouro: tesouro da fé, da verdade, da graça; tesouro eucarístico. As almas deixaram o pecado para comprarem este tesouro. As almas mais generosas venderam os seus bens e escolheram a pobreza do claustro para possuírem mais plenamente Jesus e a sua graça.
Agora, o tesouro do Sagrado Coração oferece-se a nós. É o tesouro dos tesouros. É preciso vender tudo para o comprar. É preciso desapegar-nos dos afectos terrestres, é preciso deixar-nos a nós mesmos, pelo espírito de sacrifício e de imolação.
Jesus dá o seu Coração àqueles que o amam sem reserva. Neste tesouro, encontrarei todos os abismos da graça, da luz, da força, de consolação e de virtude que posso ambicionar.
A pérola preciosa, o diamante incomparável, é ainda a sabedoria cristã, o Salvador, a eucaristia, a graça; mas é sobretudo o Sagrado Coração.
S. Paulo considera que tudo é perda junto da ciência eminente de Jesus Cristo Nosso Senhor, porque se despojou de todas as coisas, considerando-as como esterco, a fim de ganhar Cristo (Fl 3,7).
Jesus é a pedra preciosa, pela qual milhões de almas vendem, deitam fora tudo o que têm, desprezam tudo o que a terra lhes pode oferecer, e dedicam-se ao seu serviço e ao seu amor.
Mas a pedra preciosa por excelência, é o Coração de Jesus. É Ele quem ganha os corações e quem inspira todos os sacrifícios. É Ele quem está para conquistar o mundo ao amor divino. É Ele quem será no céu o diamante cujos raios iluminarão a cidade santa: a sua luz é o Cordeiro. O cordeiro de Deus é o sol da santa Jerusalém, mas é pelo seu Coração que ele irradia. Não é o Coração de Jesus esta pedra de jaspe brilhante que ilumina o céu: A sua luz é semelhante à pedra preciosa, à pedra de jaspe, ao cristal (Ap 21)? O jaspe vermelho, com as suas veias, assemelha-se o Coração ferido e sangrento. (Leão Dehon, OSP 4, p. 181).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«A tua palavra é a alegria do meu coração» (Jr 15, 16).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

segunda-feira, 25 de julho de 2016

XVII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares - 26.07.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
Tempo Comum - Anos Pares
XVII Semana - Terça-feira
Lectio

Primeira leitura: Jeremias 14, 17-22

17«Derramem os meus olhos lágrimas noite e dia, sem descanso porque a jovem, filha do meu povo, foi ferida com um golpe terrível, e sua chaga não tem cura!» 18Se saio aos campos, eis os mortos à espada; se regresso à cidade, eis os dizimados pela fome. Até profetas e sacerdotes vagueiam pelo país, sem nada compreenderem. 19Acaso, rejeitaste inteiramente Judá? Porventura, sentes nojo de Sião? Porque nos feriste sem esperança de cura? Esperávamos a paz, mas nada há de bom; esperávamos a hora do alívio, mas só vemos angústia! 20Senhor! Conhecemos a nossa culpa e a iniquidade dos nossos pais. Pecámos realmente contra ti. 21Mas, por amor do teu nome, não nos abandones nem desonres o trono da tua glória. Lembra-te de nós não anules a tua aliança connosco. 22Será que algum dos ídolos dos pagãos, traz a chuva? Ou é o céu que proporciona as chuvas? Não és Tu, Senhor, o nosso Deus? Nós esperamos em ti, pois és Tu quem faz todas estas coisas.

Jeremias não se limitou a controvérsias e oráculos condenatórios contra o seu povo, atraíndo antipatias e ódios de morte. O profeta amava o seu povo, e sofria por primeiro, quando se via obrigado a anunciar acontecimentos desagradáveis. E orava pelo seu povo, como nos revela o texto que hoje escutamos.
Durante uma liturgia penitencial, ou durante o cerco de Jerusalém, o profeta precisou de desabafar, sabendo que era essa também a vontade de Deus. Depois de descrever a situação deplorável do país, ferido de morte e sem chefes à altura da situação (vv. 17ss.), Jeremias faz uma oração de súplica. Intercede pelo povo diante de Deus. Apela para a Aliança, em virtude da qual Deus não se pode esquecer de Israel. Recorda a promessa de salvação e de paz, que não existem (v. 19), e interpela o Senhor a não faltar à sua Aliança, a não abandonar o seu povo. Israel, embora tenha pecado, reconhece, agora, a sua infidelidade, e sente-se sem argumentos, sem méritos para apresentar e se defender dos castigos com que é ameaçado. Jeremias suplica, confiando na fidelidade de Deus e no seu modo de actuar, que não pode ser contrário à sua essência, que é amor, misericórdia, indulgência (cf. Jer 14, 21). O profeta confia em Deus e confia-Lhe o seu povo, cuja sorte lamenta vivamente.


Evangelho: Mateus 13, 36-43

Naquele tempo, 36afastando-se das multidões, Jesus foi para casa. E os seus discípulos, aproximando-se dele, disseram-lhe: «Explica-nos a parábola do joio no campo.» 37Ele, respondendo, disse-lhes:«Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem; 38o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do Reino; o joio são os filhos do maligno; 39o inimigo que a semeou é o diabo; a ceifa é o fim do mundo e os ceifeiros são os anjos. 40Assim, pois, como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será no fim do mundo: 41o Filho do Homem enviará os seus anjos, que hão-de tirar do seu Reino todos os escandalosos e todos quantos praticam a iniquidade, 42e lançá-los na fornalha ardente; ali haverá choro e ranger de dentes. 43Então os justos resplandecerão como o Sol, no Reino de seu Pai. Aquele que tem ouvidos, oiça!»

O Evangelho oferece-nos várias parábolas para nos ensinar como é que Deus faz chegar a sua Palavra aos homens. A parábola do joio no campo alerta-nos para a existência de outro semeador: o semeador do mal. Onde Deus semeia, também Satanás semeia. A acção do semeador do mal caracteriza-se por acontecer durante a noite, enquanto os criados dormem. Durante o dia, não seria possível uma tal acção. A separação entre o que é bom e o que é mau só terá lugar no momento da ceifa, isto é, no dia do juízo final (cf. Mt 9, 37; Mc 4, 29; Jo 4, 35). Quando chega o tempo da ceifa – não antes, para não arrancar também o trigo – o dono dirá aos ceifeiros que cortem o trigo e o joio, e que os separem: o joio vai para queimar e o trigo é guardado no celeiro. Esta parábola parece querer que responder a uma questão surgida nas primeiras comunidades: porque existem bons e maus cristãos na Igreja? A resposta é: tanto Deus como Satanás semeiam a sua semente. Deus tolera essa sementeira, e o crescimento e a maturação de ambas as sementes, para dar aos maus oportunidade de conversão.


Meditatio

Jeremias dá-nos exemplo de oração em tempo de calamidade. Trata-se uma súplica angustiada, não motivada por qualquer sofrimento pessoal, mas pela compaixão pelo sofrimento do seu povo: «Derramem os meus olhos lágrimas noite e dia, sem descanso porque a jovem, filha do meu povo, foi ferida com um golpe terrível, e sua chaga não tem cura!» (v. 17). A «filha do meu povo» é Jerusalém, mergulhada em grande sofrimento por causa de uma seca prolongada, que provoca uma onda de crimes, de banditismo: «Se saio aos campos, eis os mortos à espada; se regresso à cidade, eis os dizimados pela fome. Até profetas e sacerdotes vagueiam pelo país, sem nada compreenderem» (v. 18). Jeremias sente que, no meio da desgraça, pode fazer alguma coisa: compadecer-se, sofrer com os outros, rezar. E sofre e reza com o seu povo, pelo seu povo. Começa por interrogar a Deus, de modo insistente e atrevido: «Acaso, rejeitaste inteiramente Judá? Porventura, sentes nojo de Sião? Porque nos feriste sem esperança de cura? Esperávamos a paz, mas nada há de bom; esperávamos a hora do alívio, mas só vemos angústia!» (v. 19). Depois, sabendo que as calamidades têm sempre origem na infidelidade à Lei de Deus, na injustiça, e no desprezo das outras pessoas, confessa os pecados do seu povo, e responsabiliza-se por eles: «Senhor! Conhecemos a nossa culpa e a iniquidade dos nossos pais. Pecámos realmente contra ti» (v. 20). Finalmente, apela para a generosidade de Deus: «por amor do teu nome, não nos abandones nem desonres o trono da tua glória. Lembra-te de nós não anules a tua aliança connosco» (v. 21). Em qualquer circunstância, mesmo no pior pecado, em vez de nos abandonarmos ao desespero, há que renovar a confiança no coração misericordioso de Deus, e rezar e suplicar Àquele que pode trazer remédio às piores situações. É isso faz o profeta: «Nós esperamos em ti, pois és Tu quem faz todas estas coisas» (v. 22). Deus, que tudo criou, que estabeleceu a Aliança, permanece fiel.
Como o joio, no meio do trigo, o mal está presente em todo o lado, também naquelas realidades que são sinal da santidade de Deus, e que gostaríamos de ver imunes de pecado. Quando Santo Agostinho fala da Igreja «santa e pecadora», está consciente da presença do mal na comunidade cristã, que todavia é sacramento da presença de Deus no mundo. S. Paulo experimenta essa realidade quando afirma que gostaria de fazer o bem, mas faz o mal (cf. Rm 7, 19). A Igreja não é uma comunidade de “puros”, de intocáveis pelo mal, mas uma comunidade de pecadores que experimentaram o amor misericordioso que perdoa e salva. Tomar consciência desta realidade é caminho para aquela humildade que atrai as complacências de Deus e a simpatia dos outros. Como Jeremias, sentimos uma certa solidariedade com os irmãos pecadores, porque não nos julgamos melhores do que eles. E rezamos por eles, mas também por nós, para sermos confirmados na opção tomada de pertencer ao Senhor. Como cristãos, e como dehonianos, unimo-nos, «à intercessão de Cristo» (cf. Hb 7, 25), e sentimo-nos «chamados a colocar toda a nossa vida ao serviço da Aliança de Deus com o seu Povo», e actuamos em prol da «unidade dos cristãos e de todos os homens» (Cst 84).


Oratio

Senhor, quantas vezes me atiro contra o que está mal no mundo e na Igreja! Quantas vezes descarrego a minha fúria puritana contra este ou contra aquele, que é ou julgo pecador! Hoje, quero pedir-te por todos: pelos que praticam injustiças, pelos que fazem opções pouco respeitosas da dignidade e unicidade da pessoa humana, pelos que só pensam nos seus interesses… Mostra, mais uma vez, a tua indulgência, a tua paciência, a tua misericórdia para com todos. Continua a dar tempo e oportunidade de conversão a todos, também a mim. Dá-me um coração semelhante ao teu: indulgente, tolerante, misericordioso. Que, vendo facilmente o mal fora de mim, saiba também vê-lo em mim. Não Te canses de perdoar o meu excesso de zelo, a minha rigidez. Derrama o teu Espírito Santo sobre mim, e sobre todos os meus irmãos, para que façamos o bem e não o mal, para que contribuamos, cada um a seu modo, para um mundo mais feliz e uma Igreja mais santa. Amen.


Contemplatio

No tempo do rei Dario, Daniel rezava com um fervor admirável pela salvação do povo de Israel. Fazia-se vítima da penitência pelo seu povo. Jejuava, usava cilício e cobria-se de cinza. Como Nosso Senhor, de quem era a figura, considerava-se como carregado pelos pecados do povo.
«Senhor, dizia, pecámos, afastámo-nos dos vossos mandamentos, desobedecemos aos profetas que nos falavam em vosso nome. Fomos exilados e dispersos, e isso é justo. Os males que pesam sobre nós, tinham sido preditos por Moisés e pelos profetas. Não fizemos penitência, não rezámos, não nos convertemos. Apesar disso, Senhor, não nos querereis fazer misericórdia? Fizestes tanto por nós, tirastes-nos do Egipto com o vosso poder. Agora, reconhecemos os nossos pecados, perdoai-nos. Recorremos à vossa misericórdia que só ela nos pode salvar. Atendei-nos, não tardeis...».
Rezava ainda, o santo profeta, humildemente prostrado com a fronte por terra, quando o anjo Gabriel lhe veio tocar no ombro, o levantou e consolou dizendo-lhe: «Deus escutou a tua oração, abreviou e fixou o tempo da libertação de todos os homens do jugo do pecado. Depois de setenta semanas de anos, o Cristo virá, resgatará os homens com a sua morte e fundará um novo povo e um novo culto».
Rezemos como Daniel pelos pecados do povo. (Leão Dehon, OSP 3, p. 301s.).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Lembra-te de nós, Senhor,
não anules a tua aliança connosco» (Jr 14, 21).


| Fernando Fonseca, scj |
Fonte http://www.dehonianos.org/

domingo, 24 de julho de 2016

S. Tiago, Apóstolo - 25.07.2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
S. Tiago, chamado “o Maior”, para se distinguir de outro apóstolo do mesmo nome, era filho de Zebedeu e de Salomé, e irmão de S. João Evangelista (cf. Mc 15, 40; Mt 27, 56). Com ele, e com Pedro, fez parte do grupo dos primeiros três discípulos de Jesus, o grupo mais íntimo, que acompanhou o Senhor na Transfiguração e na Agonia. Figura proeminente da igreja, Tiago foi preso em Jerusalém, por ordem de Herodes Agripa, sendo o primeiro apóstolo a derramar o seu sangue, em testemunho da sua fé, nos dias da Páscoa (cf. At 12, 1-3), por volta do ano 44. O seu culto desenvolveu-se notavelmente em Compostela que, desde a Idade Média, se tornou um dos centros de peregrinação mais concorridos, em todo o mundo.



Lectio


Primeira leitura: Segunda Coríntios 4, 7-15


Irmãos: Nós trazemos este tesouro em vasos de barro, para que se veja que este extraordinário poder é de Deus e não é nosso. 8Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; confundidos, mas não desesperados; 9perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não aniquilados. 10Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo. 11Estando ainda vivos, estamos continuamente expostos à morte por causa de Jesus, para que a vida de Jesus seja manifesta também na nossa carne mortal. 12Assim, em nós opera a morte, e em vós a vida. 13Animados do mesmo espírito de fé, conforme o que está escrito: Acreditei e por isso falei, também nós acreditamos e por isso falamos, 14sabendo que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus, também nos há-de ressuscitar com Jesus, e nos fará comparecer diante dele junto de vós. 15E tudo isto faço por vós, para que a graça, multiplicando-se na comunidade, faça aumentar a acção de graças, para a glória de Deus.
         
A liturgia aplica literalmente ao apóstolo Tiago o que Paulo diz a partir da sua própria experiência: “Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus” (10ª). Há uma mensagem que começa em Jesus, passa de Jesus a Paulo, de Paulo a Tiago e assim sucessivamente, ao longo da história, formando uma corrente de testemunhas, ou melhor, de “mártires” no sentido próprio do termo. Quem recebe a graça de derramar o sangue por amor de Cristo e dos irmãos, pode dizer, com verdade, que leva em si a morte de Cristo. Mas também o pode dizer quem vive serenamente a radicalidade evangélica no seu dia-a-dia. A Palavra do “mártir” é significativa e eficaz porque, à eloquência da palavra, junta a do sangue derramado.


Evangelho: Mateus 20, 20-28

Naquele tempo, aproximou-se de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu, com os seus filhos, e prostrou-se diante dele para lhe fazer um pedido. 21«Que queres?» - perguntou-lhe Ele. Ela respondeu: «Ordena que estes meus dois filhos se sentem um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino.» 22Jesus retorquiu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu estou para beber?» Eles responderam: «Podemos.» 23Jesus replicou-lhes: «Na verdade, bebereis o meu cálice; mas, o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence a mim concedê-lo: é para quem meu Pai o tem reservado.» 24Ouvindo isto, os outros dez ficaram indignados com os dois irmãos. 25Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. 26Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e 27quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. 28Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão.»

Mateus parece usar de uma fina ironia ao narrar o episódio que hoje escutamos. Facilmente desculpamos a mãe, que, como tal, quere o melhor para os filhos. Mas já não somos tão compreensivos para com os dois irmãos que, sem pensar muito, se declaram prontos a beber o cálice com Jesus. Mas Jesus, muito ao seu jeito, transformando a hipótese em profecia, prediz, efetivamente, a morte que Tiago irá padecer por causa da sua radical fidelidade ao Mestre e ao Evangelho. Ao mesmo tempo, aproveita para dar uma lição de humildade útil a todos, também outros apóstolos irritados e desdenhosos.


Meditatio

Partimos, hoje, de uma afirmação de Jesus que nos permite penetrar no seu coração, conhecer as suas disposições mais profundas: “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão” (v. 28). Jesus tem consciência de ser o Filho imolado por amor, para redenção dos irmãos. Vive conscientemente e decididamente a espiritualidade do Servo de Javé, a espiritualidade do Cordeiro imolado. E não fica por belas palavras ou ideais meramente românticos. A sua espiritualidade “vitimal” ou, se preferirmos, “oblativa” até à imolação concretiza-se no “serviço” vivido no total despojamento de si mesmo e em plena confiança no Pai. É o Servo de Deus, mas também o servo “de muitos”, isto é, de todos aqueles que o Pai lhe confiou como irmãos, oprimidos pelo pecado mas abertos ao dom da libertação. Recebeu das mãos do Pai o cálice da paixão, e bebeu-o até à última gota, até à morte de cruz, entregando-se confiadamente nas mãos do Pai.
Os Apóstolos também “beberam o cálice do Senhor, e tornaram-se amigos de Deus”, como diz a antífona da comunhão da festa de S. Tiago inspirada em Mt 20, 22-23. Foi esta a glória dos Apóstolos, e concretamente a de Tiago, que esperava outra bem diferente, quando decidiu seguir Jesus. Quem está com Jesus só pode aspirar a uma glória semelhante à d´Ele: a de participar na sua cruz, nos seus sofrimentos, em profunda união com Ele, em favor de muitos.


Oratio

Senhor Jesus, tu és o Filho de Deus Pai que vives e manifestas a tua submissão numa total disponibilidade. Tu és a Palavra que ilumina o nosso caminho: o que dizes vale para ti e vale para nós, e para todos os que livremente te escolheram como Senhor e Mestre. Viveste o teu martírio em todos os momentos da tua vida na terra. Quem te conhece sabe que, para ti, ser servo significa viver tudo por Deus e tudo pelos irmãos. É a “lei real”, de que fala na sua carta, o teu apóstolo Tiago. Enche-me do teu Espírito, para toda a minha vida se torne uma oblação santa e agradável ao Pai, pelos homens. Ámen.


Contemplatio

Tiago e João, Pedro e André eram muito afetuosos, muito amigos para com Nosso senhor, sobretudo os três primeiros. Eram os discípulos do Sagrado Coração, os amigos de Jesus. Por isso, Nosso Senhor os tinha sempre junto de si. Eram os seus íntimos, os seus confidentes. Muitas vezes os tomava à parte e lhes dava uma confiança que não dava aos outros. Para a ressurreição da filha de Jairo, a exclusão dos outros é fortemente assinalada no Evangelho. S. Marcos diz: «Jesus não permitiu a nenhum dos seus discípulos que o seguisse, exceto Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago». S. Lucas diz: «Não permitiu a ninguém entrar na casa com os pais, exceto Pedro, Tiago e João» (8, 51). Para a transfiguração, S. Mateus (17, 2) e S. Marcos (9, 1) dizem-nos: Jesus tomou à parte Pedro, Tiago e João, sozinhos consigo, e levou-os à montanha para rezar. O privilégio é ainda acentuado. No repouso do Monte das Oliveiras, diante de Jerusalém, da qual Nosso Senhor predisse a destruição, tem alguns privilegiados sentados junto de si. E era sem dúvida normalmente assim. Estes tinham os seus segredos. Interrogavam-no em segredo, secretamente, diz S. Mateus (24, 4) à parte, separadamente, diz S. Marcos (13, 3); mas quem eram estes quatro privilegiados? S. Marcos dá-nos os seus nomes. Era Pedro, Tiago, João e André. Na Ceia, Pedro, João e Tiago estavam sentados junto de Jesus. Se eu pudesse pelo meu amor e pela minha fidelidade merecer ser um verdadeiro discípulo do Sagrado Coração! Para o Getsémani, S. Mateus (26, 36) e S. Marcos (14, 33) dizem-nos: «Jesus deixou os seus discípulos à entrada do jardim, mas tomou consigo Pedro, Tiago e João». Os outros não estavam suficientemente formados para suportarem sem escândalo o espetáculo da agonia, mas estes três fizeram um melhor noviciado, foram tão dóceis e tão afetuosos! (L. Dehon, OSP 3, p. 311-312).

Actio

Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
“Beberam o cálice do Senhor, e tornaram-se amigos de Deus”
(antífona da comunhão da festa de S. Tiago).


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S. Tiago, Apóstolo (25 Julho)
Fonte http://www.dehonianos.org/