quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Confiança e fidelidade à Palavra de Deus – 01/02/2014

Depois de uma série de ensinamentos em parábolas (Mc 4,1-34), Jesus faz com os seus discípulos uma nova travessia “para a outra margem”, trajeto que parece habitual para eles. Se não todos, a maioria dos seus discípulos conhecia muito bem o mar da Galileia, habituados a ter esse lugar como local de trabalho. Situado a 210 metros abaixo do nível do mar, o fenômeno de ventos que agitam as águas e provocam como que ondas, é conhecido. A força dos ventos, a agitação das águas que invadem o barco, o desespero e o medo dos discípulos contrastam com a tranquilidade de Jesus, que dorme. Ao ser acordado pelos discípulos, põe-se em pé e, com a palavra determinada, a mesma dirigida aos demônios (cf. Mc 1,25), domina a fúria do vento e do mar. No Antigo Testamento, é Deus quem acalma a fúria das ondas e conduz os seus ao porto seguro (cf. Sl 107,29). O texto é a ocasião para proclamar a divindade e a vitória de Cristo sobre o mal. Para o discípulo, o texto é um apelo à confiança, a não se deixar dominar pelo medo. No tempo da angústia e da aflição, é a fé no Senhor que permanece conosco e deve nos dominar e conduzir (cf. Sl 107,25-30).


Carlos Alberto Contieri, sj

A luz cumpre a sua função quando ela ilumina - 31.01.2014

É em relação à parábola precedente que o nosso texto deve ser compreendido. “Tua Palavra é lâmpada para os meus passos, luz para o meu caminho”, diz o salmista (Sl 119[118],105). A Palavra de Deus é como a lâmpada. A luz cumpre a sua função quando ela ilumina, quando faz ver na escuridão. Mas o Novo Testamento diz que a pessoa também pode ser como a luz. É o caso de João Batista (cf. Jo 5,35). Jesus é a “luz dos homens” (cf. Jo 1,15ss; 8,12); a comunidade cristã é luz: “vós sois a luz do mundo…” (Mt 5,14-16). Ora, a luz simboliza a pessoa, iluminada pela fé, e a sua doutrina, a sua palavra. É de si mesmo que Jesus fala quando diz que uma lâmpada não pode ficar escondida. O que ele é se manifesta em seus gestos e palavras, e em tudo o que ele faz, se manifesta o Reino de Deus. A chamada de atenção dos vv. 24 e 25 é um apelo à compreensão profunda da palavra que o Senhor anuncia para não se fazer um juízo equivocado, nem se permanecer no erro. O que é dado por Deus através do ensinamento de Jesus é para produzir bons frutos.


Carlos Alberto Contieri, sj

A luz cumpre a sua função quando ela ilumina – 30.01.2014

É em relação à parábola precedente que o nosso texto deve ser compreendido. “Tua Palavra é lâmpada para os meus passos, luz para o meu caminho”, diz o salmista (Sl 119[118],105). A Palavra de Deus é como a lâmpada. A luz cumpre a sua função quando ela ilumina, quando faz ver na escuridão. Mas o Novo Testamento diz que a pessoa também pode ser como a luz. É o caso de João Batista (cf. Jo 5,35). Jesus é a “luz dos homens” (cf. Jo 1,15ss; 8,12); a comunidade cristã é luz: “vós sois a luz do mundo…” (Mt 5,14-16). Ora, a luz simboliza a pessoa, iluminada pela fé, e a sua doutrina, a sua palavra. É de si mesmo que Jesus fala quando diz que uma lâmpada não pode ficar escondida. O que ele é se manifesta em seus gestos e palavras, e em tudo o que ele faz, se manifesta o Reino de Deus. A chamada de atenção dos vv. 24 e 25 é um apelo à compreensão profunda da palavra que o Senhor anuncia para não se fazer um juízo equivocado, nem se permanecer no erro. O que é dado por Deus através do ensinamento de Jesus é para produzir bons frutos.


Carlos Alberto Contieri, sj

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A Palavra acolhida gera vida nova – 29.01.2014

Nosso texto pode ser dividido em duas partes: a parábola (vv. 1-9) e a explicação ou alegoria da parábola (vv. 10-20). É provável que a redação da alegoria da parábola tenha sido escrita num período distinto daquele em que a parábola foi dita. Muito embora não tenhamos acesso ao contexto original em que a parábola foi pronunciada, podemos conjeturar que tipo de questão pode ter dado origem à parábola do semeador: Por que a Palavra de Deus é semeada no coração de uns e não de outros? Por que ela produz frutos em uns e não em outros? Deus faz distinção de pessoas? Deus não faz acepção de pessoas. A semente é semeada em toda a extensão do terreno. Sua Palavra é oferecida e semeada no coração de todo ser humano indistintamente. O modo com que a Palavra de Deus é acolhida e o espaço que ela encontra no coração e na vida de cada um é que permite ou não que ela produza os frutos próprios de seu dinamismo, pois assim como a chuva e a neve que caem do céu para lá não voltam sem terem regado a terra, assim a Palavra que sai da boca de Deus e que cai no coração do ser humano (cf. Is 55,10-11).


Carlos Alberto Contieri, sj

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A comunidade de Jeus é caracterizada pela adesão à sua pessoa - 28.01.2014

A vida de Jesus era desconcertante não somente para os opositores de Jesus, mas também para a sua família. O texto do evangelho de hoje precisa do apoio de um outro texto para podermos compreender a razão pela qual a mãe e os parentes de Jesus vão procurá-lo. Em Mc 3,20-21, à notícia de que, por causa do grande fluxo de gente que procurava Jesus, ele e seus discípulos não se alimentavam, sua família vai buscá-lo, pois pensavam que estivesse “fora de si”. Essa é a razão pela qual a família de Jesus manda chamá-lo e permanecem do lado de fora da casa. Ora, para os que estão do lado de fora, parece loucura o que Jesus faz e ensina (cf. Mc 3,20.31). Mas, para os que estão ao redor de Jesus e dentro da casa, o que Jesus ensina e faz, o modo como vive, não somente faz sentido mas dá sentido à vida e faz viver. O episódio é a ocasião para afirmar que tudo na vida de Jesus é expressão e engajamento para a realização da vontade de Deus. O que caracteriza o povo, a família, que se reúne em torno dele é a disposição de fazer a vontade de Deus. Não é mais a descendência do sangue ou a prática da Lei que constitui o povo de Deus, mas a adesão à pessoa de Jesus.


Caqrlos Alberto Contieri, sj

domingo, 26 de janeiro de 2014

A blasfêmia contra o Espírito Santo é fechamento à graça de Deus. - 27.01.2014

A contar pelo contexto literário, os textos anteriores ao nosso nos permitem ter o pano de fundo a partir do qual é feita a acusação pelos escribas oriundos de Jerusalém de que o espírito de Belzebu é o que movia Jesus. O modo como Jesus interpretava e punha em prática a Lei de Moisés não só gerava crise como fazia desmoronar o sistema de pureza e a prática da Lei pautada por um rigorismo tal que, mais adiante em nosso relato, Jesus dirá ser “tradição humana” (cf. Mc 7,8.13), que deixa de lado o “mandamento de Deus”. Os escribas e com eles os fariseus, entre outros, se sentiam ameaçados em seu modo de praticar a religião. A esclerocardia deles (cf. Mc 3,5) os impedia de questionarem o seu próprio modo de viver a religião. Julgando-se justos por essa prática da Lei, todos os demais para eles estavam equivocados. Daí a crítica intempestiva e contraditória a Jesus. O ouvinte e/ou leitor do evangelho que passou pela notícia do Batismo de Jesus (cf. Mc 1,9-11), sabe que ele é revestido do Espírito Santo. E por isso não pode admitir, a não ser como absurda, a acusação dos escribas. Ninguém podia fazer o bem que Jesus fazia se Deus não estivesse com ele (cf. Jo 9,33). A blasfêmia contra o Espírito Santo é fechamento à graça de Deus.


Carlos Alberto Contieri, sj

sábado, 25 de janeiro de 2014

A luz brilhou e iluminou todo o povo oprimido – 26.01.2014

Encerrada a missão de João Batista, começa a missão de Jesus. É como se a história da salvação fosse dividida em dois períodos (cf. Lc 16,16). Ao texto de Marcos (Mc 1,14-15.16-20), Mateus acrescenta Is 8,3–9,1. A Galileia é iluminada pela presença de Jesus. A citação do trecho do livro do profeta Isaías, que inclusive temos como primeira leitura, no interior do texto de Mateus serve para indicar que a profecia de Isaías é realizada. Em Jesus, a promessa de Deus se realiza, não é preciso esperar mais (cf. Mt 4,17). O texto de Isaías é uma profecia messiânica. O ponto culminante do texto encontra-se num versículo mais adiante do trecho que nos é proposto, a saber, em 9,5, que anuncia o nascimento de um menino que é um dom de Deus e garantia da continuidade da dinastia davídica. Se a guerra cessou, se a luz brilhou e iluminou todo o povo oprimido, se foi devolvida a esperança e a alegria, é porque esse menino nasceu; a ele se atribui os títulos: “Conselheiro Admirável”, “Deus Forte”, “Chefe Perpétuo”, “Príncipe da Paz” (Is 9,5). A comunidade cristã que relê a Escritura à luz da Páscoa de Jesus Cristo reconhece nesse texto a profecia que diz respeito ao próprio Jesus. Nele eles identificam os atributos conferidos ao menino de Is 9,5.
O início do ministério público de Jesus está em continuidade com a pregação e o Batismo de João: trata-se de um apelo à conversão (cf. Mt 3,2; 4,17). A conversão é necessária para poder reconhecer e acolher o Reino de Deus como dom e que já se faz presente na pessoa de Jesus. No início de sua vida pública, Jesus associa a si um grupo que ele chama por sua própria iniciativa. A tarefa é dupla: acompanhar Jesus onde quer que ele vá e aceitar participar da missão de Jesus de arrancar as pessoas do mal (cf. Mt 4,19). A pronta resposta das duas duplas de irmãos revela, por um lado, o poder de atração de Jesus e, por outro, a necessidade de uma resposta sem demora. Para seguir o Senhor é preciso desapego, não permitir que os laços afetivos nem o apego às coisas impeçam de segui-lo incondicionalmente.


Carlos Alberto Contieri, sj

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Paulo, apóstolo dos gentios – 25.01.2014

Saulo era um fariseu fervoroso (Fl 3,5-6; Gl 1,14) e, segundo Lucas, filho de fariseus (cf. At 23,6). “Pego” pelo Senhor, Paulo se transformou no apóstolo dos gentios (cf. At 9,15). Pelo seu ministério, o evangelho de Jesus Cristo ultrapassou as fronteiras da terra de Israel para ganhar “os confins da terra” (At 1,8). O evangelho que ele recebeu, segundo seu próprio dizer, ele o recebeu por revelação (cf. Gl 1,12). De perseguidor do Caminho (cf. At 9,2; 22,4) tornou-se apóstolo de Jesus Cristo (cf. Gl 1,23). Os Atos dos Apóstolos, cujo autor é Lucas, apresenta dois textos da conversão de Paulo: um narrado em terceira pessoa (At 9,1-22) e outro em primeira pessoa (At 22,3-16). Paulo não utiliza para o acontecido com ele no caminho de Damasco o termo conversão, mas revelação (cf. Gl 1,16). A Luz que o envolveu de intensa claridade e ofuscou, por um tempo, sua visão é a luz do Cristo ressuscitado, perseguido por Paulo nos membros do Caminho (ver: Lc 10,16). Se a luz de Cristo ofuscou sua visão foi para que ele pudesse ver todas as coisas em Cristo, e ver a luz da nova criação. O que ele cria, o que ele esperava, ele, agora, o encontra realizado em Cristo, o Senhor.

Carlos Alberto Contieri, sj

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Discipulos são enviados – 24.01.2014

É o terceiro relato de vocação no evangelho segundo Marcos (1,16-20; 2,13-14). Todos eles têm em comum o fato de que o chamado dos Doze é iniciativa de Jesus; são chamados, em primeiro lugar, para acompanharem (seguirem) Jesus e, em seguida, serem enviados por ele. A montanha, sem localização precisa, é, aqui, a “montanha de Deus” (cf. Ex 19,1ss), lugar da revelação de Deus e de seus desígnios. “Doze” evoca as doze tribos de Israel. Com isso Jesus, constituindo os Doze como apóstolos, visa todo o povo escolhido por Deus; a missão dos apóstolos está relacionada com a vocação do povo eleito de Deus. Ao mesmo tempo, a eleição dos Doze aponta para a perspectiva do novo povo de Deus, constituído não pela descendência do sangue, mas pela adesão à pessoa de Jesus. Os Doze partilham da vida do seu Mestre e, para a sua missão, recebem dele o poder de expulsar demônios. Essa expressão “expulsar demônios” equivale a “farei de vós pescadores de homens” (Mc 1,17). Efetivamente, é o mal que desfigura no ser humano a imagem de Deus e impede de acolher o Reino de Deus, já presente em Jesus, como dom; é o mal que impede o ser humano de ceder à atração de Deus. É ainda o mal que, enigmaticamente, habita o coração do homem feito à imagem e semelhança de Deus, escraviza o ser humano e o faz prisioneiro de suas próprias afeições desordenadas.


Carlos Alberto Contieri, sj

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Perspectiva universal da missão de Jesus – 23.01.2014

Trata-se de um sumário que, ao mesmo tempo, sintetiza e amplia a atividade de Jesus. Jerusalém não é o centro das atenções, mas a Galileia e, mais especificamente, a região do Lago de Genesaré. De todas as partes as pessoas acorrem a Jesus: da Judeia e de Jerusalém, da Idumeia e de além do Jordão, e até de Tiro e Sidônia (v. 8), além de uma grande multidão da Galileia (v. 7). Há, aqui, uma perspectiva universal da missão de Jesus: não somente os judeus, mas também os pagãos são atraídos pela fama de Jesus. Mas o que atraía essa numerosa multidão? O nosso texto genericamente responde: "quanta coisa ele fazia" (v. 8). Nessa expressão deve-se compreender o conjunto dos gestos e do ensinamento de Jesus. O sumário é, ainda, a ocasião de apresentar a agitação dos "espíritos imundos" que reconhecem o poder divino de Jesus pelo qual são e serão vencidos: "ele os repreendeu" (v. 12). Aparece ainda o tema marcano do segredo messiânico (v. 12: "proibindo que manifestassem quem ele era"), que já comentamos antes.


Carlos Alberto Contieri, sj

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Jesus revela a face de Deus – 22.01.2014

Trata-se da última disputa nessa seção denominada de “controvérsias galileanas”. Uma vez mais, o objeto da controvérsia é o descanso sabático. Os opositores de Jesus estão sempre à espreita com intuito de pegá-lo e eliminá-lo (cf. 3,1.6). Efetivamente, a compreensão e a prática da Lei por parte de Jesus são tão desconcertantes que, para uma mentalidade da estrita observância da Lei, só há a certeza de que o outro está “fora da lei” e blasfema. Para um homem de fé, instruído na Lei, a alternativa vida ou morte não é sequer razoável (cf. Mc 3,4); ela contradiz a Lei cuja finalidade última é preservar o dom da vida e da liberdade. O silêncio dos opositores de Jesus diante da pergunta leva o narrador do evangelho a concluir que a resistência deles se devia à esclerocardia (= “dureza de coração” – v. 5). Esse fechamento extremo impede de reconhecer o tempo messiânico (cf. Is 35,3ss). O autor do evangelho antecipa o motivo da condenação e morte de Jesus (cf. Mc 3,6). Essa antecipação fez com que muitos comentaristas considerassem o evangelho de Marcos como um grande relato da paixão e morte do Senhor.


Carlos Alberto Contieri, sj

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O descanso sabático – 21.01.2014

Talvez o descanso sabático seja uma das controvérsias mais recorrentes no confronto de Jesus com os seus opositores. Há, no Antigo Testamento, duas tradições no que concerne ao sábado (Ex 20,8-12; Dt 5,12-16). Essas duas tradições oferecem o espaço para a discussão entre Jesus, os fariseus e os doutores da Lei. Curiosamente, Dt 23,26, mesmo sem mencionar o sábado, permite ao viajante, entrando na plantação de um outro, arrancar as espigas e comer dos seus grãos para saciar a fome. Para os fariseus, essa atitude, no dia de sábado, era considerada trabalho, o que a Lei interditava. No entanto, mesmo sendo sábado, é a preservação da vida que está em jogo. A resposta de Jesus, evocando a atitude de Davi (1Sm 21,1-10), um exemplo de peso para os judeus, revela que a atitude dos seus discípulos contava com o consentimento do Mestre. O que justifica a atitude de Davi e a sua “transgressão” da lei é a fome e a necessidade de preservar a vida em boas condições. Ora, o sábado é dom de Deus (cf. Ex 16,29), oferecido para que o povo pudesse fazer a memória de sua escravidão e de sua libertação do Egito (cf. Dt 5,15), a fim de que não fosse, nunca mais, prisioneiro, inclusive da mentalidade de escravo. Exatamente por isso, o sábado é para o Filho do Homem ocasião privilegiada de manifestar a fé na vida e o dom da salvação.


Carlos Alberto Contieri, sj

domingo, 19 de janeiro de 2014

Jesus reinterpreta a prática do jejum – 20.01.2014

O objeto da controvérsia é o jejum, seguido de dois ditados sapienciais sobre o velho e o novo. Jesus é interpelado sobre o comportamento dos seus discípulos, comparando-os com os discípulos de João e o dos fariseus. Em todo o Novo Testamento não temos nenhuma informação acerca do jejum praticado pelos discípulos de João; dos fariseus, é Lucas quem nos informa que eles jejuavam duas vezes por semana (cf. Lc 18,12). A Lei de Moisés prescrevia o jejum uma vez por ano, no dia do perdão dos pecados (Lv 16,19-30). Que jejum é objeto da controvérsia? Certamente, não se trata do jejum prescrito pela Lei, mas de uma prática ascética individual ou de grupos (cf. 2Sm 12,21; 1Rs 21,27) e que os fariseus impunham se estendesse como prática para todas as pessoas. A controvérsia é a ocasião de afirmar a centralidade de Cristo, o “noivo”. Agora, nessa nova etapa da história da salvação, é a ele que a prática do jejum se refere. Somente quando o noivo for tirado, alusão à morte de Jesus, é que será o tempo de jejuar. Os dois ditados sapienciais revelam a incompatibilidade entre o velho e o novo; mais precisamente, a rigidez farisaica na prática da Lei e a surpresa de Deus inaugurada na história da humanidade pela presença de Jesus; novidade essa que recoloca a Lei no centro da prática da misericórdia.


Carlos Alberto Contieri, sj

sábado, 18 de janeiro de 2014

O Servo escolhido por Deus - 19.01.2014

O livro do profeta Isaías abrange um período de quase três séculos. Convenhamos que o profeta do século VIII não viveu tanto tempo assim. Certamente, há uma longa tradição literária que subjaz ao livro que leva o nome do profeta. O texto de Isaías proposto para este domingo faz parte do que se convencionou chamar Dêutero-Isaías, que, normalmente, retrata fatos do período do exílio, na Babilônia. É parte de um dos cânticos do “servo sofredor”. Num enorme esforço apologético, os cristãos encontraram em textos como esse o apoio para justificarem, ante a oposição dos judeus, a paixão e morte daquele que eles professavam como Messias. Na releitura cristã deste texto, a personalidade coletiva, Israel, passa a ser um indivíduo, reconhecido como Messias, Jesus. Ele é o servo escolhido por Deus.

O tema do testemunho de João Batista sobre Jesus já está antecipado no prólogo do quarto evangelho (cf. Jo 1,15). O “dia seguinte” (v. 29) refere-se a Jo 1,19-28, episódio em que João é submetido a um verdadeiro interrogatório por parte dos sacerdotes e levitas, enviados pelos judeus de Jerusalém. Esse interrogatório serve ao leitor do evangelho para esclarecer que João não é o Cristo (cf. Jo 1,20). A declaração de João continua ao apontar Jesus como o “cordeiro de Deus” (cf. Jo 1,29). Essa é a única ocorrência, no Novo Testamento, do título cristológico atribuído a Jesus. Trata-se de um título carregado de evocações veterotestamentárias: pode evocar o “servo sofredor” (Is 53,7) e/ou o cordeiro pascal cujo sangue aspergido nas portas das casas livraram os hebreus das pragas do Egito (cf. Ex 12,1ss), aspecto que recorre em Jo 19,14.31-36; pode ainda ligar-se a Ap 17,14, em que o Cordeiro imolado é apresentado como vitorioso. O “cordeiro de Deus” é aquele a quem a missão de João Batista está subordinada (cf. Jo 1,30-31). O reconhecimento do Filho de Deus se dá por uma “visão” (cf. Jo 1,32-34), entenda-se, por revelação, por uma experiência interna e pessoal de Deus. O critério do reconhecimento é a inabitação do Espírito em Jesus. Essa visão em que o Espírito Santo é tangível na pessoa de Jesus faz com que João declare a filiação divina do Nazareno (cf. Jo 1,34).
Carlos Alberto Contieri, sj

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O chamado de Mateus – 18.01.2014

Entre a primeira e a segunda controvérsia, está o relato do chamado de Levi (vv. 13-14), que serve de introdução ao episódio da refeição de Jesus com os pecadores e publicanos. Um mestre que chama um pecador público, como eram considerados os publicanos, é algo desconcertante. Como para as duas duplas de irmãos, Levi é chamado à beira do mar da Galileia, palco de grande parte da atividade de Jesus. Mas por que chamar um pecador e, mais especificamente, um publicano, a serviço do império romano? Porque ele quis (cf. Mc 3,13). A refeição na casa de Levi, cuja mesa é partilhada com outros publicanos e pecadores, pode ser considerada como uma festa pelo encontro com o Senhor que acolhe a todos, e como despedida do filho de Alfeu de sua vida anterior. A acolhida que Jesus dá aos pecadores, entrando na casa deles e partilhando a mesa com eles, faz entrar em crise um sistema de pureza que exclui as pessoas. Ao contrário, o modo de proceder de Jesus está enraizado na misericórdia que inclui e aproxima as pessoas de Deus. Jesus, assim como Deus no Antigo Testamento, se apresenta como o médico que cuida do ser humano afetado e ferido pelo pecado (v. 17; cf. Ex 15,26; Dt 32,39). O que fecha a ferida aberta pelo mal é a misericórdia de Deus, manifestada no seu Filho único. O nosso relato é a ocasião em que Jesus define sua missão (v. 17; cf. Lc 19,10).


Carlos Alberto Contieri, sj

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A fé como atitude prática – 17.01.2014

Com este episódio, tem início a seção denominada de “controvérsias galileanas” (Mc 2,1–3,6). A finalidade dessa seção é apresentar as resistências enfrentadas por Jesus no desempenho de sua missão. A questão da controvérsia é o “perdão dos pecados”, mas no centro do relato está a fé dos quatro homens que carregam e levam o paralítico até Jesus. A fé, aqui, se manifesta como uma atitude prática que fez com que os quatro homens procurassem todos os meios para que o paralítico fosse posto diante do Senhor da vida. A palavra de Jesus fazia sentido à vida de todos e comunicava um sopro de vida. A palavra é dita e toma corpo no perdão e na conseqüente cura do paralítico, pois para a mentalidade da época a enfermidade estava ligada ao pecado. O que atrai a atenção de Jesus é a fé daqueles quatro homens que carregam o paralítico. Por que não ver nesses quatro personagens anônimos a evocação dos quatro primeiros discípulos chamados por Jesus às margens do mar da Galileia (Mc 1,16-20)? É a fé deles que faz Jesus agir em favor do paralítico. O perdão dos pecados é, outrossim, um dos sinais dos tempos messiânicos (cf. Jr 31,34).

Carlos Alberto Contieri, sj

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O segredo messiânico – 16.01.2014

No último dia 11, já apontamos a gravidade religiosa da lepra e como ela era tratada pelo sistema judaico de pureza.
Se no texto paralelo ao de hoje, a saber, Lc 5,12-16, é o narrador quem diz da recomendação de Jesus de que o homem purificado não dissesse nada a ninguém, em Marcos é o próprio Jesus quem toma a palavra: "Não contes nada a ninguém.". Com isso estamos diante de uma das características do segundo evangelho: o "segredo messiânico". Esse recurso teológico-literário tem uma dupla finalidade: a) permitir que o ouvinte ou leitor do evangelho responda, ele mesmo, à pergunta central do evangelho segundo Marcos: "quem é Jesus?"; resposta que só pode ser dada ao fim da narração evangélica; b) não identificar Jesus com qualquer corrente messiânica do seu tempo, mas manter o ouvinte aberto à novidade de Jesus Cristo. Não obstante a recomendação, a fama de Jesus se espalha. Ele não é o promotor de sua fama, ao contrário, "ficava fora, em lugares desertos, mas de toda parte vinham a ele".

Carlos Alberto Contieri, sj

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Toda a vida humana é lugar da atuação do Senhor - 15.01.2014

Depois da sinagoga, acompanhado das duas duplas de irmãos, Jesus vai à casa de Simão e André, a poucos metros da Sinagoga de Cafarnaum. Ali, o evangelho nos relata dois episódios: a cura da sogra de Pedro, ainda durante o descanso sabático, e o resumo da atividade de sucesso de Jesus, depois do pôr do sol, isto é, tendo passado já o sábado. Os quatro discípulos, depois os Doze, são testemunhas oculares de tudo o que Jesus fez e ensinou; testemunhas sobre as quais é construído o relato evangélico (cf. Lc 1,1-4). Essa diferença temporal, sábado e depois do sábado, juntamente com o deslocamento espacial, sinagoga e casa, mostra que o Senhor age sempre, em qualquer tempo e lugar. Sua presença muda a vida das pessoas e essa transformação é sentida, inclusive, no próprio corpo. É o Senhor da vida que, com o gesto simbólico de tomar pela mão, como quem arranca alguém do sono, metáfora da morte, faz a sogra de Pedro se levantar para servir. Não obstante a fama crescente, Jesus procura os lugares afastados para a sua oração, não se deixando vencer pela tentação do sucesso nem se deixando aprisionar por qualquer lugar ou se deixando manipular por quem quer que seja.

Carlos Alkerto Contieri, sj

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Ensina com autoridade – 14.01.2014

Jesus ir à sinagoga no dia de sábado mostra ser um judeu praticante. Uma das características do Jesus apresentado por Marcos é que ele está sempre a ensinar. No entanto, o segundo evangelho nunca informa, explicitamente, ao leitor acerca do conteúdo do ensinamento de Jesus. O ensinamento de Jesus causa a admiração de muitos porque ensina com autoridade. Entenda-se, aqui, a coerência interna, ou o acordo de si consigo mesmo. Essa coerência é que dá credibilidade ao seu ensinamento e o distingue dos escribas e fariseus, continuamente criticados pela hipocrisia, que é só aparência e, por isso, contrária à coerência exigida do serviço a Deus. A palavra do Senhor revela a maldade do coração do ser humano. É disso que se trata quando o relato evangélico diz que o espírito impuro se manifesta ameaçando. Todo mal quer permanecer encoberto; aliás, o mal se alimenta e cresce na sombra. A Luz do Senhor o revela para destruí-lo. O mal não pode ter lugar na vida do ser humano, sob pena de desfigurar nele a imagem de Deus. Seja como for, o texto faz uma afirmação fundamental: o Cristo de Deus submete e destrói o mal que aprisiona o ser humano e o impede de celebrar livremente o descanso sabático. Esse é o ensinamento que é necessário reter.


Carlos Alberto Contieri, sj

domingo, 12 de janeiro de 2014

O chamado dos discípulos - 13.01.2014

O início do ministério de Jesus está em continuidade com a pregação de João Batista: é um apelo à conversão. De que se trata quando se fala de conversão? A conversão é crer no Evangelho; é fé na pessoa de Jesus Cristo, ele que é a Boa-Notícia de Deus para a humanidade; é fé na palavra de Jesus, que é portadora de um sopro que faz viver. Sem essa confiança não é possível reconhecer a vida e a vinda do Verbo de Deus como dom, nem acolhê-lo. Em seguida, temos um relato típico de vocação, baseado em 1Rs 19,19-21. O chamado dos quatro primeiros discípulos por Jesus é precedido pelo “olhar” de Jesus. Não há nada de imediatismo, nem de precipitação. É olhar que supõe consideração, conhecimento que ultrapassa a aparência; é uma ação que leva em consideração a dilatação do tempo. Se o chamado é feito sucessivamente às duas duplas de irmãos, ele deve ser considerado na sua unidade como exigência para o seguimento de Jesus: desapego tanto dos laços afetivos pessoais como das coisas. Sem essa liberdade não é possível viver a vida de Cristo. Note-se que se o chamado é feito utilizando-se de um advérbio que supõe o presente e a urgência da resposta, a missão é dada utilizando a forma verbal no futuro. É possível considerar que entre o chamado e o exercício da missão há o discipulado, isto é, o tempo em que se aprende a ser como o Mestre (cf. Mt 10,25).


Carlos Alberto Contieri, sj

sábado, 11 de janeiro de 2014

Jesus é batizado por João - 12.01.2014

À notícia do Batismo de Jesus no evangelho de Marcos (Mc 1,9-11), Mateus acrescenta um diálogo entre João Batista e Jesus, cujo objetivo é afirmar que Jesus é maior que João Batista. A finalidade da perícope do Batismo de Jesus é, desde o início do relato evangélico, afirmar a identidade e a missão de Jesus.
O trecho do livro do profeta Isaías proposto para este domingo é parte de um dos cânticos do servo sofredor. Lembre-se de que no texto de Isaías por ele mesmo o servo é todo o povo de Israel. A releitura cristã dos “cânticos do servo sofredor” transformará esse personagem coletivo num indivíduo: o servo, por excelência, é Jesus, o Cristo. No trecho que nos é proposto, trata-se, fundamentalmente, da eleição e da missão do servo do Senhor. Israel é escolhido por Deus. O texto pode ser dividido em duas partes: vv. 1-4, apresentação do servo por parte de Deus, e vv. 6-7, diálogo do Senhor com o servo, no qual se explica a sua eleição e a sua missão. Como no texto do evangelho que cita, transformando o texto de Isaías (42,1; Mt 3,17), é Deus quem apresenta o seu servo. A missão do servo é escolha de Deus. O sustento do servo na realização de sua missão é o Espírito. A missão do servo (Is 42,6-7) tem uma dupla característica: é mediador da Aliança e libertador dos cativos. Desde o Antigo Testamento, essas duas realidades estão intrinsecamente relacionadas: o Deus que faz Aliança com o seu povo, é o Deus que o libertou do país da escravidão para a vida (cf. Ex 20,1; Dt 5,6).
Por que Jesus, segundo o nosso texto, se submeteu ao Batismo de João (cf. Mt 3,15)? O Batismo de João era para a conversão, o arrependimento, o perdão dos pecados (cf. Mt 3,1). Jesus não tinha pecado (cf. Hb 4,15), embora tenha sido tentado. A resposta só pode ser esta: para ser solidário com a nossa humanidade pecadora. É por essa razão que o autor da carta aos Hebreus pode afirmar que ele se compadece de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado, sem sucumbir (cf. Hb 4,15). O gênero literário da cena do Batismo é “visão interpretativa”: a voz celeste interpreta a katabasis (descida) do Espírito. Os céus se abrem para que desçam sobre a terra as realidades celestes (cf. Is 63,19 ou 64,1), em nosso caso o Espírito que reveste Jesus com o seu poder para a missão que ele recebe do Pai. A voz serve, ainda, para declarar a identidade de Jesus: é o Filho em quem o Pai habita.

Carlos Albert Contieri, sj

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Jesus inicia sua ação missionária – 11.01.2014

O texto é a sequência da catequese batismal, construída no diálogo de Jesus com Nicodemos (Jo 3,1-21). É provável que o leitor do evangelho se surpreenda com a notícia de que Jesus batizava, visto que é a primeira e única vez que é informado dessa atividade de Jesus. No entanto, o próprio evangelho de João fará, mais adiante, uma correctio, dizendo que, na verdade, eram os discípulos de Jesus quem batizavam, e não Jesus, e que batizavam mais que João Batista (cf. Jo 4,1-2). À primeira vista, parece uma competição entre dois grupos que reivindicam certa preeminência. Provavelmente, os discípulos de João Batista não estavam convencidos de que ele não fosse o Messias. Seja como for, o texto cumpre uma dupla função: dirimir um equívoco e afirmar e esclarecer o específico da missão de João Batista e de Jesus. João Batista é o precursor, Jesus é o Cristo. Mais, a atividade de Jesus e seus discípulos não desperta em João Batista, como parece ser o caso de seus discípulos, nenhum tipo de ciúme, mas a presença de Cristo, o “noivo”, dá a João a alegria de ver a promessa realizada.

Carlos Alberto Contieri, sj

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Jesus deixa-se tocar - 10.01.2014

A lepra era considerada uma desgraça, castigo de Deus em razão da infidelidade à Aliança. O leproso era excluído do convívio da comunidade (Nm 12,9-16; cf. Lv 13–14). Somente Deus poderia purificar alguém da lepra. O gesto do leproso caindo por terra, confiado no poder de Jesus de purificá-lo, é reconhecimento da divindade de Jesus. Jesus toca com sua mão no leproso; o Espírito Santo que habita nele (cf. Lc 3,22; 4,18), Espírito puro, santificador, é o que purifica ou, semelhantemente, o que perdoando liberta da enfermidade. A atitude de Jesus de ouvir, acolher e purificar o leproso corrige a distorção da imagem, histórica e culturalmente plasmada no imaginário judeu, de que Deus pune e castiga. Ora, Deus “não nos trata segundo as nossas faltas”. Ao sacerdote cabia constatar a purificação e reintegrar a pessoa à comunidade. Ao mandato de ir mostrar-se ao sacerdote, é expressa a motivação: “isto lhes servirá de testemunho”, isto é, será um sinal de que em Jesus habita a plenitude de Deus. Se a fama de Jesus se espalha, ele resiste à tentação do sucesso fácil e se refugia e se entrega à oração, lugar onde o sentido de sua missão é cultivado.


Carlos Alberto Contieri, sj

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Quem é Jesus? - 09.01.2014

O nosso texto é conhecido como “discurso programático de Jesus”. Aqui começa, propriamente, o evangelho segundo Lucas (cf. At 10,37ss). Trata-se da primeira parte do relato evangélico (4,14–9,50), dominada pelo tema da identidade de Jesus e, mais propriamente, da afirmação de que ele é um verdadeiro profeta (cf. Lc 7,16.39). Esse discurso, atribuindo a Jesus a realização da profecia de Isaías (cf. Lc 4,21), oferece os critérios para, ao longo de todo o relato, reconhecer Jesus como verdadeiro profeta. Jesus é apresentado como um judeu piedoso que frequenta e ensina na sinagoga. O que importa, aqui, não é a leitura do trecho do livro do profeta Isaías, mas a interpretação que Jesus faz dela. Sua missão é apresentada em continuidade com a tradição profética. A unção messiânica de Jesus é conhecida do leitor pelo relato do Batismo (cf. Lc 3,21-22). Em Jesus, o Espírito é uma realidade tangível na medida em que, vencendo todo mal e suas manifestações, ele transforma a vida das pessoas e as faz sentir próximas do Deus da vida. Nesse tempo do relato, a expectativa dos que estavam na sinagoga pela explicação do trecho é seguida da observação de que as pessoas se maravilhavam pelo que ouviam, pois suas palavras transmitiam a sabedoria de Deus, um sopro que enchia a todos de graça.


Carlos Alberto Contieri, sj

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Quais são os ventos contrários? - 08.01.2014

Nossa perícope é a sequência do episódio dos pães (cf. Mc 6,45) e a ele se relaciona (cf. Mc 6,52). O mar da Galileia é, na verdade, um grande lago. O fenômeno de ventos que agitam as águas do lago, provocando como que ondas, é comum. Para o imaginário do homem bíblico, o mar é símbolo do mal e da morte. Recolhido em sua oração, Jesus vê a dificuldade da travessia em razão do vento contrário. Para a surpresa dos discípulos, Jesus vai ao encontro deles, caminhando sobre as águas. O Senhor não é alheio às dificuldades da vida humana. O novo Pastor de Israel é aquele que, como Deus, tem o poder sobre o mal e a morte [cf. Sl 89(88)]. Diante dele o mal não triunfa e a agitação e o medo são vencidos por uma Palavra e uma presença que transforma: “Coragem, sou eu!”. A sua presença e a sua palavra dão a verdadeira visão. A dureza do coração, no entanto, impede de reconhecer no episódio dos pães a força e o sustento para viver com fé o tempo da adversidade e da ameaça do mal, pondo a confiança somente naquele que venceu o mal e a morte.

Carlos Alberto Contieri, sj

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A compaixão de Jesus – 07.01.2014

Jesus envia, pela primeira vez, os Doze que ele havia escolhido, dois a dois, em missão. No regresso deles, Jesus os convida a um lugar à parte para descansarem, pois é grande o número de pessoas que acorrem a eles. Tentativa frustrada, pois a multidão não se furta à ânsia de estar com o Senhor. Esse é o quadro introdutório do episódio dos pães. A compaixão de Jesus pela multidão desencadeia uma dupla ação em favor do povo que busca o Senhor: ensina e alimenta. A compaixão não se confunde com o sentimento de pena; ela é o movimento interno, provocado pela ação do Espírito, que permite a alguém ver e socorrer o outro em suas necessidades. É assim que Deus olha o seu povo em suas aflições. O desamparo da multidão, como ovelhas sem pastor, unida à ordem de se assentarem na “relva verde”, evoca o Sl 23(22). O texto tem a clara intenção de apresentar Jesus como Pastor prometido para Israel, cuja palavra e vida são o verdadeiro sustento espiritual do povo que ele mesmo reúne.

Carlos Alberto Contieri, sj

domingo, 5 de janeiro de 2014

Consagrado ao anúncio da Boa-Nova – 06.01.2014

A prisão de João Batista faz com que Jesus volte da Judeia para a Galileia. No entanto, não para Nazaré, mas para Cafarnaum, lugar de afluxo de pessoas. A Galileia é o lugar em que, em grande parte, se desenvolve o ministério de Jesus. O comentário do redator, “para cumprir-se”, faz com que o leitor compreenda que Jesus realiza a Escritura, o que ele afirmará explicitamente mais adiante no relato (cf. Mt 5,17). Mateus segue Lucas no que se refere ao tempo: depois da prisão de João, começa a missão de Jesus com uma pregação, às margens do Mar da Galileia, a qual apela à conversão. É como se estivéssemos em duas etapas da única história da salvação. Sem a confiança nele e na sua palavra, não será possível reconhecer o tempo da visita de Deus, tampouco reconhecer a vida de Deus que habita em Jesus de Nazaré. Jesus é apresentado como um pregador itinerante que, percorrendo toda a Galileia, ensina e, pela sua presença e gestos, transforma para melhor a vida das pessoas. Jesus atrai multidões, e a razão dessa atração é a sua coerência interna e a palavra que ele anuncia, que, acompanhada de seus gestos, comunica a vida e desperta a fé na vida.


Carlos Alberto Contieri,sj

sábado, 4 de janeiro de 2014

Vimos sua estrela no Oriente - 05.01.2014

Com a solenidade da Epifania do Senhor, encerramos o ciclo do Advento-Natal. Epifania é uma palavra de origem grega que significa, grosso modo, “o que aparece”, “manifestação”. Na antiguidade cristã, no Oriente, provavelmente em Alexandria, era a festa do nascimento de Jesus, celebrada no dia 6 de janeiro, festa à qual se associou a festa do Batismo do Senhor.
O que era uma promessa feita no século VI a.C., de que todos os povos seriam atraídos para a Luz (cf. Is 60,3), torna-se realidade com o nascimento de Jesus Cristo. No Ocidente, a partir de uma forte devoção desenvolvida na Idade Média, a Epifania passou a ser a “festa dos reis magos”, motivando a origem da festa popular denominada de “folia de reis”.
Os magos são atraídos e conduzidos por sua estrela. A solenidade da epifania, associada à visita dos magos do Oriente ao recém-nascido, Jesus de Nazaré, é a festa da universalidade da salvação de Deus. Desde todo o sempre, o Deus criador de todas as coisas quis atrair a si todas as pessoas. O texto deste domingo, do profeta Isaías, é só um exemplo, entre tantos outros. Com o nascimento daquele que é “o Sol de Justiça”, plenitude e razão de toda a criação, Deus reúne em torno do seu Filho único todos os povos. Em Jesus, o Senhor desperta nos povos o desejo de Deus. É essa realidade que São Paulo afirma na carta aos Efésios: “os pagãos são admitidos à salvação […], são beneficiários da mesma promessa” (Ef 2,6). Os “magos” são astrólogos ou astrônomos que viam nos movimentos das estrelas o sinal de um acontecimento importante. A evocação de Nm 24,17 é evidente na menção da estrela seguida pelos magos. O astro ilumina, orienta, está presente em todos os lugares e dá uma intensa alegria; alegria dada aos pastores, quando do anúncio do nascimento de Jesus pelos anjos (cf. Lc 2,10). Olhando para a estrela, chega-se a Deus feito homem. A inclinação diante do menino é o ato de reconhecimento e submissão ao rei, não somente dos judeus, mas de toda a terra. Os presentes oferecidos são a confissão da fé de todos os povos na divindade, na realeza e no sacerdócio do Verbo que assumiu a nossa humanidade. Com São Leão Magno podemos dizer: “instruídos nestes mistérios da graça divina, celebremos com alegria o dia das nossas primícias e o princípio da vocação dos gentios à fé e à salvação”.

Carlos Alberto Contieri,sj

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Os dois discípulos - 04.01.2014

O evangelho segundo João é o único a mencionar que discípulos de João Batista se tornaram discípulos de Jesus. A cadeia de testemunhas continua: do testemunho de João, dois de seus discípulos vão atrás de Jesus, um dos quais é explicitamente nomeado, André, irmão de Simão Pedro. O outro permanece anônimo, sugerindo que o leitor do evangelho ocupe o seu lugar e o seu interesse por conhecer Jesus. Por meio de ambos, todo leitor ouve a pergunta que move o coração de cada ser humano: “Que procurais?”. O que buscam, eles o encontraram em Jesus: “Encontramos o Cristo”. André, por sua vez, conduz o seu irmão a Jesus. O olhar de Jesus sobre Simão ultrapassa a aparência, penetra na sua história pessoal e abre para ele a possibilidade de uma transformação radical e a perspectiva do serviço: “Tu te chamarás Céfas”. A precisão temporal, “quatro horas da tarde”, não visa indicar o horário do acontecimento, mas afirmar a realização de um fato decisivo: depois de tanta espera, finalmente, o Messias é encontrado na nossa própria humanidade.

Carlos Alberto Contieri, sj

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Jesus é o Cordeiro de Deus. – 03.01.2014

A festa do “Santíssimo nome de Jesus” remonta ao século XV, e se deve ao empenho de São João Capistrano e São Bernardino de Sena. No Missal Romano em vigor, é memória facultativa. Como se pode notar, o nosso texto não faz nenhuma menção à imposição do nome de Jesus. Ela é própria aos evangelhos de Mateus e Lucas (cf. Mt 1,21-23; Lc 2,21). Toda vez que, no quarto evangelho, a palavra é cedida a João Batista, ele a utiliza para dar testemunho (cf. 1,34) de Jesus. No quarto evangelho, João Batista tem relevância em razão do seu testemunho (cf. 1,6-9). Há quatro afirmações cristológicas importantes: a preexistência do Verbo (v. 30; cf. vv. 1-3); Jesus é o Cordeiro de Deus, cujo sacrifício resgatou o ser humano para Deus (v. 29); ele é, ainda, aquele em quem o Espírito Santo permanece (vv. 32-33); e, finalmente, ele é o Filho de Deus (v. 34; cf. v. 18). A visão de João mencionada no v. 34 não é estética nem exige o exercício ótico. É um movimento próprio da experiência da fé, através do qual a revelação de Deus é acolhida e compreendida em nossa carne.

Carlos Alberto Contieri, sj

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A voz do precursor – 02.01.2014

Há no evangelho segundo João uma verdadeira cadeia de testemunhos em que um personagem remete a outro e todos apontam para Jesus. João Batista é parte dessa cadeia e está na origem da série de testemunhos que conduzem a Jesus. É bastante provável que o nosso evangelho de hoje retenha uma confusão presente no início da era apostólica, posição defendida pelos seguidores do Batista: se João não seria o Messias. A João é dada a palavra para dizer explicitamente que ele não é o Messias. Ele é o precursor, a “voz” a quem é atribuída a profecia de Isaías, remanejada pelo redator do evangelho, e que encontramos também nos evangelhos sinóticos: “uma voz proclama: no deserto, abri um caminho para o Senhor…” (Is 40,3; Jo 1,23). João é submetido a um interrogatório, que tem uma dupla função: a) esclarecimento: João não é o Messias; b) informação histórica: o movimento começado por João teria alcançado tal notoriedade, a ponto de preocupar as autoridades judias. A missão de João Batista tem sentido enquanto referida ao Cristo, Cordeiro de Deus, presente no meio do seu povo.

Carlos Alberto Contieri,sj