sábado, 22 de outubro de 2016

30º Domingo do Tempo Comum – Ano C 23 Outubro 2016

Leia também: LITURGIA DA PALAVRA
ANO C
30º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 30º Domingo do Tempo Comum
A liturgia deste domingo ensina-nos que Deus tem um “fraco” pelos humildes e pelos pobres, pelos marginalizados; e que são estes, no seu despojamento, na sua humildade, na sua finitude (e até no seu pecado), que estão mais perto da salvação, pois são os mais disponíveis para acolher o dom de Deus.
A primeira leitura define Deus como um “juiz justo”, que não se deixa subornar pelas ofertas desses poderosos que praticam injustiças na comunidade; em contrapartida, esse Deus justo ama os humildes e escuta as suas súplicas.
O Evangelho define a atitude correcta que o crente deve assumir diante de Deus. Recusa a atitude dos orgulhosos e auto-suficientes, convencidos de que a salvação é o resultado natural dos seus méritos; e propõe a atitude humilde de um pecador, que se apresenta diante de Deus de mãos vazias, mas disposto a acolher o dom de Deus. É essa atitude de “pobre” que Lucas propõe aos crentes do seu tempo e de todos os tempos.
Na segunda leitura, temos um convite a viver o caminho cristão com entusiasmo, com entrega, com ânimo – a exemplo de Paulo. A leitura foge, um pouco, ao tema geral deste domingo; contudo, podemos dizer que Paulo foi um bom exemplo dessa atitude que o Evangelho propõe: ele confiou, não nos seus méritos, mas na misericórdia de Deus, que justifica e salva todos os homens que a acolhem.
LEITURA I – Sir 35,15b-17.20-22a
Leitura do Livro de Ben-Sirá
O Senhor é um juiz
que não faz acepção de pessoas.
Não favorece ninguém em prejuízo do pobre
e atende a prece do oprimido.
Não despreza a súplica do órfão
nem os gemidos da viúva.
Quem adora a Deus será bem acolhido
e a sua prece sobe até às nuvens.
A oração do humilde atravessa as nuvens
e não descansa enquanto não chega ao seu destino.
Não desiste, até que o Altíssimo o atenda,
para estabelecer o direito dos justos e fazer justiça.
AMBIENTE
O livro de Ben Sira foi escrito nos inícios do séc. II a.C. (entre 195 e 171 a.C.), numa altura em que os selêucidas dominavam a Palestina e a cultura helénica – cada vez mais omnipresente – colocava em risco a cultura, a fé e os valores judaicos. O autor do livro (Jesus Ben Sira), preocupado porque muitos dos seus concidadãos se deixavam seduzir pelos valores estrangeiros e negavam as raízes do seu Povo, escreve para defender o património cultural e religioso do judaísmo, a sua concepção de Deus, do mundo, da eleição e da aliança. Procura convencer os seus compatriotas de que Israel possui na sua “Torah”, revelada por Deus, a verdadeira “sabedoria” – uma “sabedoria” muito superior à “sabedoria” grega.
O texto que nos é proposto insere-se num pacote de sentenças em que Jesus Ben Sira procura apontar aos seus concidadãos o caminho da verdadeira “sabedoria” (cf. Ben Sira 34,21-35,26). Esse “caminho” passa pela prática de uma “religião verdadeira”, isto é, pelo cumprimento rigoroso dos mandamentos da “Torah”, nomeadamente no que diz respeito à vivência da justiça comunitária e ao respeito pelos direitos dos mais pobres… Nestas sentenças, Jesus Ben Sira avisa que Deus não pode ser comprado com actos de culto, por parte daqueles que praticam a injustiça e que escravizam os irmãos. O apelo do autor vai, portanto, no sentido de que sejam cumpridos os mandamentos da Lei e sejam respeitados os direitos dos pobres e dos débeis. É essa a verdadeira religião que Deus exige do homem. Aqueles que pretendem ser sábios não podem cometer injustiças de manhã e à tarde aparecer no Templo a afirmar a sua fé e a sua comunhão com Deus, através da oferta de vultuosos sacrifícios de animais. Isso seria, praticamente, comprar Deus e fazer dele cúmplice da injustiça… E Deus não aceita esse esquema.
MENSAGEM
Deus é, então, um juiz justo (é daqui que parte o nosso texto), que não faz acepção de pessoas, que não aceita ser cúmplice dos opressores, que não Se deixa subornar pelos presentes dos ricos e não desiste de fazer justiça aos pobres (são explicitamente nomeados os órfãos e as viúvas – as duas figuras paradigmáticas dos desprotegidos, que só tinham Deus para os defender da prepotência dos grandes).
Por outro lado, Jesus Ben Sira insiste em que Deus escuta sempre as preces dos débeis e que está atento aos gritos de revolta daqueles que são vítimas da injustiça. Assim, os humildes que sofrem a opressão e a prepotência dos poderosos são convidados a apresentar a Deus as suas queixas, até que Ele restabeleça o direito e a justiça.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes sugestões:
• Este texto põe, antes de mais, o problema do que é fundamental na experiência religiosa… Sugere que a “verdadeira religião” não passa pelos ritos, mas por uma vida verdadeiramente comprometida com os mandamentos, nomeadamente com o mandamento do amor aos irmãos… Não é verdadeira a religião daqueles que pagam as festas da paróquia, mas não pagam justamente aos seus operários; não é verdadeira a religião daqueles que ao domingo depositam na bandeja do peditório algumas notas gordas, mas não respeitam a dignidade e a liberdade dos outros; não é verdadeira a religião daqueles que fazem “promessas”, para que Deus os ajude a concluir com êxito um negócio duvidoso em que alguém vai sair prejudicado… Uma religião desligada da vida é uma religião falsa, incoerente, hipócrita, com a qual Deus não quer ter nada a ver…
• O texto revela também, uma vez mais, que o nosso Deus tem um fraco pelos pobres, pelos débeis, pelos oprimidos, por aqueles que o mundo considera “vencidos” e sem peso. Atenção: Deus ama-os e não deixa passar em claro qualquer injustiça cometida contra eles ou qualquer comportamento que viole a sua dignidade. E os crentes, “filhos de Deus”, são convidados a actuar com a mesma lógica de Deus… Sou, como Deus, sensível ao apelo dos pobres, vítimas da injustiça, da segregação, da exclusão? Luto, com coerência, contra tudo o que gera morte, infelicidade, exploração, injustiça, miséria? Aqueles que não encontram lugar na mesa dos privilegiados deste mundo encontram, através de mim, o rosto misericordioso e bondoso do Deus que os ama?
• A oração do pobre e do desvalido chega sempre aos ouvidos de Deus… Deus não vira, nunca, as costas a quem chama por Ele e vê n’Ele a esperança e a salvação. Isto é algo que eu devo ter sempre presente, nomeadamente nos momentos mais dramáticos da minha
existência, quando tudo cai à minha volta. A Palavra de Deus que hoje nos é oferecida garante-nos: Deus escuta a oração do pobre (e, no contexto bíblico, dizer que “escuta” significa dizer que Ele se prepara para intervir e para trazer àquele que sofre a libertação e a vida).
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão 1: O pobre clamou e o Senhor ouviu a sua voz.
Refrão 2: O Senhor ouviu o clamor do pobre.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
para apagar da terra a sua memória.
Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
livrou-os de todas as angústias.
O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
e salva os de ânimo abatido.
O Senhor defende a vida dos seus servos,
não serão castigados os que n’Ele confiam.
LEITURA II – 2 Tim 4,6-8.16-18
Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
Caríssimo:
Eu já estou oferecido em libação
e o tempo da minha partida está iminente.
Combati o bom combate,
terminei a minha carreira,
guardei a fé.
E agora já me está preparada a coroa da justiça,
que o Senhor, justo juiz, me há-de dar naquele dia;
e não só a mim, mas a todos aqueles
que tiverem esperado com amor a sua vinda.
Na minha primeira defesa, ninguém esteve a meu lado:
todos me abandonaram.
Queira Deus que esta falta não lhes seja imputada.
O Senhor esteve a meu lado e deu-me força,
para que, por meu intermédio,
a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada
e todas as nações a ouvissem;
e eu fui libertado da boca do leão.
O Senhor me livrará de todo o mal
e me dará a salvação no seu reino celeste.
Glória a Ele pelos séculos dos séculos. Amen.
AMBIENTE
Mais uma vez a liturgia traz-nos um texto da Segunda Carta a Timóteo. Embora atribuída a Paulo, trata-se (como, aliás, já vimos nos domingos anteriores) de uma carta escrita por um autor desconhecido, em finais do séc. I ou princípios do séc. II. Para os crentes da segunda geração cristã, é uma época de perseguições, de divisões, de heresias e, portanto, de confusão e de desânimo. Nesse contexto, um cristão anónimo, usando o nome de Paulo, escreveu a pedir aos seus irmãos na fé que se mantivessem fiéis à missão que Deus lhes confiou. O seu objectivo era revitalizar a fé e o entusiasmo dos crentes.
MENSAGEM
O autor da carta apresenta-se na pele de Paulo, prisioneiro em Roma; e nessa pele, faz um balanço final da sua vida e da sua entrega ao serviço do Evangelho.
A vida de Paulo foi, desde o seu encontro com Cristo ressuscitado na estrada de Damasco, uma resposta generosa ao chamamento e um compromisso total com o Evangelho. Por Cristo e pelo Evangelho, Paulo lutou, sofreu, gastou e desgastou a sua vida, num dom total, para que a salvação de Deus chegasse a todos os povos da terra. No final, ele sente-se como um atleta que lutou até ao fim para vencer e está satisfeito com a sua prestação. Resta-lhe receber essa coroa de glória, reservada aos atletas vencedores (e que Paulo sabe não estar reservada apenas a ele, mas também a todos aqueles que lutam com o mesmo denodo e o mesmo entusiasmo pela causa do “Reino”).
Para definir a sua vida como dom total a Deus e aos irmãos, Paulo utiliza aqui uma imagem bem sugestiva: a imagem da vítima imolada em sacrifício. Paulo fez da sua vida um dom total, ao serviço do Evangelho; a sua entrega foi um sacrifício cultual a Deus. Agora, para que o sacrifício seja total, só resta coroar a sua entrega com o dom do seu sangue… A referência à oferta “em libação” faz referência aos sacrifícios em que se vertia o vinho sobre o altar, imediatamente antes de ser imolada a vítima sacrificial.
Há duas maneiras de dar a vida por Cristo: uma é gastá-la dia a dia na tarefa de levar a libertação que Cristo veio propor a todos os povos da terra; outra é derramar, de uma vez, o sangue por causa da fé e do testemunho de Cristo… Paulo conheceu as duas modalidades; imitar Paulo é um desafio que o autor da Carta a Timóteo faz aos discípulos do seu tempo e de todos os tempos.
Na segunda parte do nosso texto (vers. 16-18), o autor desta carta põe na boca de Paulo o lamento desiludido de um homem cansado que, apesar de ter oferecido a sua vida como dom aos irmãos se sente, no final, votado ao abandono e à solidão… Mas, apesar de tudo, Paulo tem consciência de que Deus esteve a seu lado ao longo da sua caminhada, lhe deu a força de enfrentar as dificuldades, o livrou de todo o mal e lhe dará, no final da caminhada, a vida definitiva. Daí o louvor com que Paulo termina: “glória a Ele pelos séculos sem fim. Amen”. É esta a atitude que o autor da carta pede aos seus irmãos: apesar do desânimo, do sofrimento, da tribulação, descubram a presença de Deus, confiem na sua força, mantenham-se fiéis ao Evangelho: assim recebereis, sem dúvida, a salvação definitiva que Deus reserva a quem combateu o bom combate da fé.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes linhas:
• Paulo foi uma das figuras que marcou, de forma decisiva, a história do cristianismo. Ao olharmos para o seu exemplo, impressiona-nos como o encontro com Cristo marcou a sua vida de forma tão decisiva; espanta-nos como ele se identificou totalmente com Cristo; interpela-nos a forma entusiasmada e convicta como ele anunciou o Evangelho em todo o mundo antigo, sem nunca vacilar perante as dificuldades, os perigos, a tortura, a prisão, a morte; questiona-nos a forma como ele quis viver ao jeito de Cristo, num dom total aos irmãos, ao serviço da libertação de todos os homens. Paulo é, verdadeiramente, um modelo e um testemunho que deve interpelar, desafiar e inspirar cada crente.
• O caminho que Paulo percorreu continua a não ser um caminho fácil. Hoje, como ontem, descobrir Jesus e viver de forma coerente o compromisso cristão implica percorrer um caminho de renúncia a valores a que os homens dos nossos dias dão uma importância fundamental; implica ser incompreendido e, algumas vezes, maltratado; implica ser olhado com desconfiança e, algumas vezes, com comiseração… Contudo, à luz do testemunho de Paulo, o caminho cristão vivido com radicalidade é um caminho que vale a pena, pois conduz à vida plena. Concordo? É este o caminho que eu me esforço por percorrer?
• Convém ter sempre presente esse dado fundamental que deu sentido às apostas de Paulo: aquele que escolhe Cristo não está só, ainda que tenha sido abandonado e traído por amigos e conhecidos; o Senhor está a seu lado, dá-lhe força, anima-o e livra-o de todo o mal. Animados por esta certeza,
temos medo de quê?
ALELUIA – 2 Cor 5,9
Aleluia. Aleluia.
Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo
e confiou-nos a palavra da reconciliação.
EVANGELHO – Lc 18,9-14
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
Jesus disse a seguinte parábola
para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros:
«Dois homens subiram ao templo para orar;
um era fariseu e o outro publicano.
O fariseu, de pé, orava assim:
‘Meu Deus, dou-Vos graças
por não ser como os outros homens,
que são ladrões, injustos e adúlteros,
nem como este publicano.
Jejuo duas vezes por semana
e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’.
O publicano ficou a distância
e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu;
Mas batia no peito e dizia:
‘Meu Deus, tende compaixão de mim,
que sou pecador’.
Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa
e o outro não.
Porque todo aquele que se exalta será humilhado
e quem se humilha será exaltado».
AMBIENTE
Mais uma vez, Lucas coloca-nos no “caminho de Jerusalém”, para nos deixar uma lição sobre o “Reino”. Desta vez, Jesus propõe uma parábola “para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”. Os protagonistas da história são um fariseu e um publicano.
Os “fariseus” formavam um dos grupos mais interessantes e com mais impacto na sociedade palestina do tempo de Jesus. Descendentes desses “piedosos” (“hassidim”) que apoiaram o heróico Matatias na luta contra Antíoco IV Epifanes e a helenização forçada, eram os defensores intransigentes da “Torah” (quer da “Torah” escrita, quer da “Torah” oral – isto é, dos preceitos não escritos, mas que os fariseus tinham deduzido da “Torah” escrita); no dia a dia, procuravam cumprir escrupulosamente a Lei e esforçavam-se por ensinar a Lei ao Povo: só assim – pensavam eles – o Povo chegaria a ser santo e o Messias poderia vir trazer a salvação a Israel. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus. No entanto, o seu fundamentalismo em relação à “Torah” será, várias vezes, criticado por Jesus: ao afirmarem a superioridade da Lei, desprezavam muitas vezes o homem e criavam no Povo um sentimento latente de pecado e de indignidade que oprimia as consciências.
Os “publicanos” estavam ligados à cobrança dos impostos, ao serviço das forças romanas de ocupação. Tinham fama de utilizar o seu cargo para enriquecer de modo imoral; e é preciso dizer que, na generalidade, essa fama era bem merecida. De acordo com a Mishna, estavam afectados permanentemente de impureza e não podiam sequer fazer penitência, pois eram incapazes de conhecer todos aqueles a quem tinham defraudado e a quem deviam uma reparação. Se um publicano, antes de aceitar o cargo, fazia parte de uma comunidade farisaica, era imediatamente expulso dela e não podia ser reabilitado, a não ser depois de abandonar esse cargo. Quem exercia tal ofício, estava privado de certos direitos cívicos, políticos e religiosos; por exemplo, não podia ser juiz nem prestar testemunho em tribunal, sendo equiparado ao escravo.
MENSAGEM
No fariseu e no publicano da parábola, Lucas põe em confronto dois tipos de atitude face a Deus.
O fariseu é o modelo de um homem irrepreensível face à Lei, que cumpre todas as regras e leva uma vida íntegra. Ele está consciente de que ninguém o pode acusar de cometer acções injustas, nem contra Deus, nem contra os irmãos (e, aparentemente, é verdade, pois a parábola não nos diz que ele estivesse a mentir). Evidentemente, está contente (e tinha razões para isso) por não ser como esse publicano que também está no Templo: os fariseus tinham consciência da sua superioridade moral e religiosa, sobretudo em relação aos pecadores notórios (como é o caso deste publicano).
O publicano é o modelo do pecador. Explora os pobres, pratica injustiças, trafica com a miséria e não cumpre as obras da Lei. Ele tem, aliás, consciência da sua indignidade, pois a sua oração consiste apenas em pedir: “meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador”.
O comentário final de Jesus sugere que o publicano se reconciliou com Deus (a expressão utilizada é “desceu justificado para sua casa” – o que nos leva à doutrina paulina da justificação: apesar de o homem viver mergulhado no pecado, Deus, na sua misericórdia infinita e sem que o homem tenha méritos, salva-o). Porquê?
O problema do fariseu é que pensa ganhar a salvação com o seu próprio esforço. Para ele, a salvação não é um dom de Deus, mas uma conquista do homem; se o homem levar uma vida irrepreensível, Deus não terá outro remédio senão salvá-lo. Ele está convencido de que Deus lhe deve a salvação pelo seu bom comportamento, como se Deus fosse apenas um contabilista que toma nota das acções do homem e, no fim, lhe paga em consequência. Ele está cheio de auto-suficiência: não espera nada de Deus, pois – pensa ele – os seus créditos são suficientes para se salvar. Por outro lado, essa auto-suficiência leva-o, também, ao desprezo por aqueles que não são como ele; considera-se “à parte”, “separado”, como se entre ele e o pecador existisse uma barreira… É meio caminho andado para, em nome de Deus, criar segregação e exclusão: é aí que leva a religião dos “méritos”.
O publicano, ao contrário, apoia-se apenas em Deus e não nos seus méritos (que, aliás, não existem). Ele apresenta-se diante de Deus de mãos vazias e sem quaisquer pretensões; entrega-se apenas nas mãos de Deus e pede-Lhe compaixão… E Deus “justifica-o” – isto é, derrama sobre ele a sua graça e salva-o – precisamente porque ele não tem o coração cheio de auto-suficiência e está disposto a aceitar a salvação que Deus quer oferecer a todos os homens.
Esta parábola, destinada a “alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros”, sugere que esses que se presumem de justos estão, às vezes, muito longe de Deus e da salvação.
ACTUALIZAÇÃO
Para reflectir e actualizar este texto, considerar os seguintes dados:
• Este texto coloca, fundamentalmente, o problema da atitude do homem face a Deus. Desautoriza completamente aqueles que se apresentam diante de Deus carregados de auto-suficiência, convencidos da sua “bondade”, muito certos dos seus méritos, como se pudessem ser eles a exigir algo de Deus e a ditar-Lhe as suas condições; propõe, em contrapartida, uma atitude de reconhecimento humilde dos próprios limites, uma confiança absol
uta na misericórdia de Deus e uma entrega confiada nas mãos de Deus. É esta segunda atitude que somos convidados a assumir.
• Este texto coloca, também, a questão da imagem de Deus… Diz-nos que Deus não é um contabilista, uma simples máquina de recompensas e de castigos, mas que é o Deus da bondade, do amor, da misericórdia, sempre disposto a derramar sobre o homem a salvação (mesmo que o homem não mereça) como puro dom. A única condição para “ser justificado” é aceitar humildemente a oferta de salvação que Ele faz.
• A atitude de orgulho e de auto-suficiência, a certeza de possuir qualidades e méritos em abundância, acaba por gerar o desprezo pelos irmãos. Então, criam-se barreiras de separação (de um lado os “bons”, de outro os “maus”), que provocam segregação e exclusão… Isto acontece com alguma frequência nas nossas comunidades cristãs (e até em muitas comunidades religiosas). Como entender isto, à luz da parábola que Jesus hoje nos propõe?
• Nos últimos séculos os homens desenvolveram, a par de uma consciência muito profunda da sua dignidade, uma consciência muito viva das suas capacidades. Isto levou-os, com frequência, à presunção da sua auto-suficiência… O desenvolvimento da tecnologia, da medicina, da química, dos sistemas políticos convenceram o homem de que podia prescindir de Deus pois, por si só, podia ser feliz. Onde nos tem conduzido esta presunção? Podemos chegar à salvação, à felicidade plena, apenas pelos nossos próprios meios?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 30º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 30º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. PALAVRA CELEBRADA NA EUCARISTIA.
A Palavra de Deus não se limita ao tempo da proclamação e da escuta da Palavra. Na preparação da celebração, procurar que algumas expressões da liturgia da Palavra estejam presentes no momento penitencial, nalguma intenção da oração dos fiéis, num momento de acção de graças…
3. BILHETE DE EVANGELHO.
O fariseu não reza a Deus, gaba-se daquilo que é, compara-se como sendo o melhor de todos. Ele crê não ter necessidade de ser salvo, ajudado, perdoado; não tem necessidade de Deus. Repartirá com o seu orgulho, privado do amor misericordioso de Deus. Quanto ao publicano, volta-se para Deus, suplica-Lhe para ter piedade, reconhece a sua miséria, mas conta com a misericórdia de Deus. Evidentemente, Deus ouve a oração deste último e atende-o; ele reparte de modo diferente, pois Deus faz dele um justo. Não esqueçamos que Jesus conta esta história em relação a certos homens que estavam convencidos de serem justos e desprezavam todos os outros. Com efeito, eis o sentido da história: Jesus não põe em causa a justiça destes homens, como não põe em causa a rectidão e a generosidade do fariseu que ultrapassa as exigências da Lei; o que Jesus critica ao fariseu da parábola e, sobretudo, aos seus ouvintes é que eles desprezavam todos os outros. Ora, não se pode entrar em relação com Deus quando se manifesta desprezo em relação aos irmãos: “Aquele que diz que ama a Deus e não ama o seu irmão é um mentiroso”.
4. À ESCUTA DA PALAVRA.
Este fariseu é vilão, nada simpático, olhando apenas os seus méritos, tomando-se por modelo de virtudes! Este publicano, que exemplo de humildade! Não se coloca à frente, baixa os olhos, reconhece-se pecador! Atenção! Não andemos demasiado depressa! O fariseu é um homem profundamente religioso, habitado pela preocupação em obedecer à Lei de Deus. Vai ao Templo para rezar e a sua fé impregna toda a sua vida. Mais ainda, dá à sua fé uma cor de acção de graças. E Jesus não havia dito “aquele que violar um dos mais pequenos preceitos da Lei será tido como o mais pequeno no Reino”? O publicano, ao contrário, é um homem a não frequentar. Fica à distância, porque lhe é proibido entrar no Templo. É um colaborador dos Romanos, contaminado pela impureza dos pagãos. E é um “ladrão profissional”, como Zaqueu! Finalmente, o fariseu tem razão em experimentar um sentimento de desprezo para com este publicano que todo o mundo detesta. O próprio Jesus havia dito: “Se o teu irmão pecar e recusar escutar a comunidade, seja para ti como o pagão e o publicano”. Sabendo isso, como não ficar chocado com a palavra de Jesus: “Quando o publicano voltou a casa, foi ele que se tornou justo e não o fariseu”? Leiamos mais atentamente. O que está no centro da parábola não é o fariseu nem o publicano. É Deus. Deus deu a Lei a Moisés, mas nunca disse que Se identificava pura e simplesmente com os preceitos jurídicos. Pelo contrário, com os profetas, não pára de dizer que é um Deus que não faz senão amar o seu povo. É esse traço do rosto de Deus que Jesus veio não somente privilegiar, mas colocar à frente de todos os outros aspectos. O seu nome é Pai. Jesus dirá: “É a misericórdia que eu quero, não os sacrifícios”. Com o fariseu, Deus não tem mais nada a fazer: ele é justo em si mesmo. O publicano, não tendo qualquer mérito a dar, só tem a receber. E justamente Deus quer dar, dar-Se, gratuitamente. Ele pode então “ajustar” o publicano ao seu amor. Finalmente, somos convidados, nós também, a perguntar em que Deus acreditamos.
5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher a Oração Eucarística II, que sublinha a santidade e a justiça de Deus, o único santo, e parece bem adaptada à Palavra proclamada neste domingo.
6. PALAVRA PARA O CAMINHO DA VIDA…
Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo… Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas frases da Palavra de Deus: “O Senhor é um juiz que não faz acepção de pessoas…”; “Quem adora a Deus será bem acolhido…”; “A toda a hora bendirei o Senhor…”; “O Senhor está a meu lado e dá-me força…”; “Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador…” Procurar transformá-las em atitudes e em gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando nos caminhos percorridos da vida…

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.pt

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