Grosso modo, todo o capítulo 58 do profeta Isaías é uma
grande crítica e rejeição da parte de Deus acerca de uma religião que feche o
indivíduo em si mesmo e de uma prática religiosa que patrocine a vaidade
pessoal ou de grupo. De que adianta a prática do jejum e a observância do
sábado, se elas não conduzem à solidariedade nem visam socorrer o próximo em
suas necessidades? É esse engajamento em relação ao próximo que faz com que a
pessoa brilhe como uma luz (cf. Is 58,8). A fé de Israel no Deus único e
verdadeiro exige “amar o próximo como a si mesmo”. A relação com o Deus que
tirou o seu povo do país da escravidão e lhe deu uma Lei exige da parte do povo
que ele preserve em tudo o dom da vida e da liberdade. Na prática do amor
fraterno, na misericórdia, o ser humano brilha como uma luz, porque ele reflete
a Glória divina.
O texto do evangelho é parte do discurso introdutório do
Sermão da Montanha (Mt 5–7). As imagens do sal e da luz permitem definir a
identidade dos discípulos. O sal serve para dar sabor, para conservar e
purificar; é, ainda, ingrediente indispensável para o sacrifício e a aliança
(Lv 2,13; Ez 43,24). O sal utilizado na aliança simboliza a perenidade do
pacto. Os discípulos, pela graça de Cristo, dão sabor ao mundo, sentido à
existência humana. No entanto, é preciso estar atentos, pois o sal pode ser
adulterado; quando isso acontece, ele não serve para mais nada, pois perdeu sua
função. Atenção: sal demais estraga a comida! A vocação de Israel é a de ser
luz (Is 42,6; 49,6). Também é a vocação dos discípulos de Jesus. A luz que
resplandece nos discípulos é a de Cristo Ressuscitado, ele que é a “luz do
mundo” (Jo 8,12). É através das boas obras, as obras de misericórdia, que a luz
resplandece e ilumina, não para enaltecer a pessoa, mas para remeter os
beneficiários dessas boas obras Àquele que é a fonte de todo bem: “o Pai que
está nos céus”. Luz demais ofusca a visão! A medida do sal e a intensidade da
luz são a medida da ação de Deus na vida do discípulo. Somente desse modo sal e
luz conservam sua propriedade e função específicas. Apenas quando o discípulo
se deixa conduzir pelo sopro de Deus e é movido unicamente pelo desejo de
servi-lo, é que ele exprime a sua verdadeira identidade.
Carlos Alberto Contieri, sj
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