Encontramos no texto deste domingo do livro do Eclesiástico
(Eclo 15,16-17) ressonâncias de Dt 30,15-20, situado no longo e último discurso
de Moisés. Aí achamos as duas vias apresentadas pelo Senhor para a decisão de
cada membro do povo de Deus (cf. tb. Eclo 15,16b.17b), e uma forte exortação a
guardar os mandamentos do Senhor (Dt 30,16.19b-20). É no cumprimento dos
mandamentos da Lei de Deus que está a vida e a felicidade. A influente tradição
deuteronomista insiste que o cumprimento irrepreensível da Lei é uma fonte de
bênção (cf. Dt 28,1-14); sua rejeição, uma fonte de maldições (Dt 28,15ss).
O evangelho deste domingo, situado no início do longo
“sermão da montanha” (5–7), começa por eliminar um equívoco (v. 7a) que,
certamente, perdurou por longo período e foi ocasião de disputas não somente
entre Jesus e os seus contemporâneos, mas entre judeus e cristãos. O modo como
Jesus interpretava e punha em prática a Lei de Moisés desconcertava a tal ponto
que fazia com que seus contemporâneos e a geração posterior pensassem que ele
desprezava e revogava a Lei de Moisés. As antíteses que se seguem (vv. 21-37)
são o exemplo claro de que Jesus ultrapassa a letra da Lei, superando um
rigorismo sufocante, considerado um fardo pesado que impedia de entrar na
finalidade própria da Lei, dada por Deus ao seu povo para preservar o dom da
vida e da liberdade. Parece que é exatamente isso que Jesus quer dizer ao
afirmar que, para a comunidade que ele reúne, a justiça, isto é, o modo de
proceder em conformidade com a vontade de Deus expressa na Lei, deve superar o
rigorismo dos escribas e fariseus (cf. v. 20). É em Jesus que a Lei e os
profetas alcançam o seu pleno cumprimento e sentido, pois apontam para ele. A
expressão “Lei e os profetas” é um modo bíblico de designar a Escritura na sua
totalidade. Esses dois termos estão intrinsecamente relacionados: a Lei é
necessária para atestar e confirmar a veracidade da profecia; a profecia é
necessária para interpretar e pôr corretamente em prática a Lei. Jesus não
revoga a Lei de Moisés, mas, agora, na plenitude dos tempos, ela precisa ser
interpretada à luz da revelação de Jesus Cristo (cf. Mt 5,17; 7,12; 22,40). No
centro dessa “nova justiça” estão o amor, o perdão e a reconciliação, a
misericórdia, a unidade e o acolhimento, que incluem e integram a todos na
comunhão com Deus.
Carlos Alberto Contieri, sj
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