quinta-feira, 4 de setembro de 2014

XXII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares - 06.09.2014


Tempo Comum - Anos Pares
XXII Semana - Sábado
Lectio

Primeira leitura: 1 Coríntios 4, 6-15

Irmãos: 6Se apliquei tudo isto a mim e a Apolo, irmãos, foi por vossa causa, para que aprendais de nós mesmos a «não ir além do que está escrito», e para que ninguém se vanglorie, tomando o partido de um contra o outro. 7Pois, quem te faz superior aos outros? Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias, como se não o tivesses recebido? 8Já estais saciados! Já sois ricos! Sem nós, já vos tornastes reis! Oxalá o tivésseis conseguido, para que também nós pudéssemos reinar convosco. 9De facto, parece-me que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, no último lugar, como se fôssemos condenados à morte, porque nos tornámos espectáculo para o mundo, para os anjos e para os homens. 10Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo! Nós somos fracos, e vós, fortes! Vós, honrados, e nós, desprezados! 11Até este momento, sofremos fome, sede e nudez, somos esbofeteados, andamos errantes, 12e cansamo-nos a trabalhar com as nossas próprias mãos. Amaldiçoados, abençoamos; perseguidos, aguentamos; 13caluniados, consolamos! Tornámo-nos, até ao presente, como o lixo do mundo e a escória do universo. 14Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas para vos admoestar, como a meus filhos muito queridos. 15Na verdade, ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não teríeis muitos pais, porque fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, pelo Evangelho.

Paulo desenvolve o discurso sobre a verdadeira identidade dos ministros de Cristo e dos administradores dos mistérios de Deus.
Os apóstolos, em primeiro lugar, estão ligados aos fiéis-irmãos: por isso não podem avançar sozinhos e, muito menos, chegar à meta sem eles. Paulo sente-se ligado aos seus fiéis porque, como eles, sabe que foi salvo pela graça de Cristo. Por outro lado, não quer chegar à meta sem eles. A expressão “reinar convosco “ (v. 8) exprime claramente o seu desejo de partilhar com todos a alegria da salvação
Os apóstolos são “condenados à morte “ (v. 9), como Cristo, depois de Cristo. É o que espera Paulo, desde que encontrou a Cristo no caminho de Damasco. Desde então, sabe que não há outro caminho senão o da cruz, outra perspectiva senão a do Calvário.
Os apóstolos também se sentem pais em relação aos fiéis que consideram “filhos muito queridos” (v. 14). Trata-se de uma paternidade espiritual não menos comprometedora que a paternidade física. É uma paternidade sem fronteiras. É essa a experiência de Paulo.


Evangelho: Lucas 6, 1-5

1Num dia de sábado, passando Jesus através das searas, os seus discípulos puseram-se a arrancar e a comer espigas, desfazendo-as com as mãos. 2Alguns fariseus disseram: «Porque fazeis o que não é permitido fazer ao sábado?» 3Jesus respondeu: «Não lestes o que fez David, quando teve fome, ele e os seus companheiros? 4Como entrou na casa de Deus e, tomando os pães da oferenda, comeu e deu aos seus companheiros esses pães que só aos sacerdotes era permitido comer?» 5E acrescentou: «O Filho do Homem é Senhor do sábado.»

Lucas apresenta-nos hoje, e nos textos seguintes, algumas polémicas de Jesus com os fariseus acerca do sábado e das práticas permitidas ou não permitidas nesse dia. Impressiona o modo positivo e propositivo como Jesus entra na polémica: tenta desamarrar os seus interlocutores de uma mentalidade excessivamente jurídica, servilmente ligada a aspectos que levaram os fariseus, do tempo de Jesus, a compilar um elenco de 613 preceitos, além dos 10 mandamentos, a que queriam ser fiéis. Jesus tenta tirá-los dessa mentalidade lembrando um acontecimento vetero-testamentário da vida de David: uma opção de liberdade diante de uma tradição que parece não admitir excepções. David era uma referência para todos, também para Jesus. Mais uma razão para, neste caso, o aceitar como modelo de liberdade perante tradições que, não sendo bem interpretadas, ameaçam sujeitar o homem à lei, em vez de o libertar.
A afirmação final é clara: «O Filho do Homem é Senhor do sábado» (v. 5). Por um lado, Jesus compara-se a David; por outro lado, afirma a sua superioridade e, implicitamente, enquanto “Senhor do sábado”, a sua divindade.


Meditatio

A primeira leitura leva-nos a meditar como Deus nos quer unidos na caridade: «Irmãos – escreve Paulo - ninguém se vanglorie, tomando o partido de um contra o outro… Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias» (vv. 6-7). É uma palavra profunda: tudo recebemos; não devemos usar os dons de Deus para criar divisões entre nós, mas para nos construirmos como uma só coisa.
O Evangelho leva-nos a reflectir sobre o «novo» trazido por Cristo. Este «novo» não significa «inédito», jamais visto, mas «original», no sentido em que Jesus veio restabelecer o projecto de Deus criador e entregá-lo a todos os que aceitam segui-l´O no caminho da verdade. Em Mt 19, 1-12, temos um exemplo claro deste projecto de Jesus. Na polémica com os fariseus sobre a espiritualidade conjugal, Jesus convida a ultrapassar a lógica das concessões de Moisés por causa da dureza dos corações e a assumir a lógica do dom recíproco total, de acordo com o projecto original de Deus.
O «novo», segundo o Evangelho, também não significa «actual»”, mas «autêntico», no sentido em que Jesus, com as suas propostas de vida nova tende a acordar na pessoa, em cada pessoa, aquilo que nela há de genuíno e de válido. Jesus veio libertar… a liberdade. Por isso, quando foi preciso, não hesitou em contrapor a sua proposta às propostas alternativas dos outros falsos Messias, que prometiam liberdade fácil e barata.
Finalmente, «novo», segundo o Evangelho, não significa «genial», mas «essencial», no sentido que Jesus veio retirar ou, pelo menos, aligeirar os demasiados pesos que ameaçam entristecer e talvez também mortificar o coração das pessoas. Sobre isto, são extremamente iluminadoras as palavras de Jesus: «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve» (Mt 11, 28-30).
Abramo-nos à humildade, na oração ao Espírito, para obtermos, com a experiência da cruz, o grande dom da liberdade interior, a liberdade do coração e dizermos com o Apóstolo: «Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos. Trazemos sempre no nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo» (2Cor 4, 8-10). Somos vasos frágeis, mas levamos dentro de nós um tesouro infinito: Jesus, o Seu Espírito. Deixemos que Jesus limpe quando queira este nosso vaso, por vezes tão encrostado, tão opaco, para que se torne transparente como o cristal, deixe irradiar a vida de Cristo e os frutos do Espírito. Rezemos como Newman: «Senhor Jesus, ajuda-me a espalhar por todo o lado o Teu perfume... Brilha por meio de mim... Faz com que eu levante os olhos e já não me veja a mim, mas a Jesus».
Se a oblação é um «ser para os outros», um «viver para os outros» e, antes de mais nada para o Outro, o Pai, Cristo, e para os outros, os irmãos, é inevitável a renúncia ao nosso egoísmo, às nossas comodidades e aos nossos interesses; é, portanto, inevitável a experiência da imolação do nosso "eu". Só assim se colabora no advento de uma humanidade menos egoísta, de um mundo novo; realiza-se a reparação, típica do homem de coração novo da civilização do amor. E tudo isto «por Cristo, com Cristo e em Cristo».


Oratio

Senhor, o sofrimento assusta-me. Mas não posso negá-lo, escapar dele, porque faz parte da vida de todo o homem, também do religioso, do apóstolo. Tenho medo do sofrimento físico causado pelas doenças, pelas privações, pelo cansaço, por um corpo frágil que se deteriora com o passar dos anos. Tenho medo do sofrimento psicológico que deriva das incompreensões, das resistências sem razão diante de realidades claras, das limitações escondidas e não aceites que se tornam violência irracional, dos jogos obscuros para alcançar os próprios objectivos. Tenho medo do sofrimento espiritual velado por dúvidas, aridez, incertezas, indiferença. Mas foi esse o caminho dos discípulos e amigos. Assim é também para nós que decidimos seguir-Te. Infunde em nós o teu Espírito de coragem e confiança. Amen.


Contemplatio

Depois do pecado original o homem citado ao tribunal de Deus viu-se condenado aos sofrimentos, ao trabalho, à dor, às doenças e à morte. É uma lei da natureza à qual ninguém escapa. Todo o homem, pelo facto mesmo de ser filho de Adão, sofre e morre. Tal é a pena indelével do pecado. Mas na sua misericórdia infinita, Deus quis conceder-nos um Redentor. O Verbo consentiu em fazer-se homem, para de novo nos tornar participantes da divindade. Então levanta-se este problema: Era necessário reconduzir o homem resgatado às alegrias do paraíso terrestre ou então fazer com que ele comprasse o céu com o sofrimento? A sabedoria divina deteve-se neste último modo; somente o sofrimento foi transformado. Antes era apenas uma punição, um castigo, torna-se desde então uma reparação, um meio de purificação e, como diz Tertuliano, o carro de triunfo que conduz os eleitos ao céu.
A cruz do Salvador transformou os espinhos em rosas e as pedras ásperas dos sofrimentos em ouro e em diamante. O mistério da Redenção está todo aí.
É necessário, diz S. Paulo, que unicamente nos glorifiquemos na cruz do Salvador. Só ela nos pode trazer a salvação, a vida e a ressurreição. É por isso que a Igreja exclama num transporte de amor: O crux, ave, spes única! Salve! Ó Cruz, nossa única esperança. Foi de facto sobre esta árvore que o Salvador pregou a nossa própria condenação, que Ele anulou no seu sangue e no seu amor. A cruz tornou-se amável, porque ela é redentora e fonte de graças (Leão Dehon, OSP 2, p. 344).


Actio

Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«O Filho do Homem é Senhor do sábado» (Lc 6, 5).

Fonte | Fernando Fonseca, scj |

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