O livro do profeta Isaías abrange um período de quase três
séculos. Convenhamos que o profeta do século VIII não viveu tanto tempo assim. Certamente,
há uma longa tradição literária que subjaz ao livro que leva o nome do profeta.
O texto de Isaías proposto para este domingo faz parte do que se convencionou
chamar Dêutero-Isaías, que, normalmente, retrata fatos do período do exílio, na
Babilônia. É parte de um dos cânticos do “servo sofredor”. Num enorme esforço
apologético, os cristãos encontraram em textos como esse o apoio para
justificarem, ante a oposição dos judeus, a paixão e morte daquele que eles
professavam como Messias. Na releitura cristã deste texto, a personalidade
coletiva, Israel, passa a ser um indivíduo, reconhecido como Messias, Jesus.
Ele é o servo escolhido por Deus.
O tema do testemunho de João Batista sobre Jesus já está
antecipado no prólogo do quarto evangelho (cf. Jo 1,15). O “dia seguinte” (v.
29) refere-se a Jo 1,19-28, episódio em que João é submetido a um verdadeiro
interrogatório por parte dos sacerdotes e levitas, enviados pelos judeus de
Jerusalém. Esse interrogatório serve ao leitor do evangelho para esclarecer que
João não é o Cristo (cf. Jo 1,20). A declaração de João continua ao apontar
Jesus como o “cordeiro de Deus” (cf. Jo 1,29). Essa é a única ocorrência, no
Novo Testamento, do título cristológico atribuído a Jesus. Trata-se de um
título carregado de evocações veterotestamentárias: pode evocar o “servo
sofredor” (Is 53,7) e/ou o cordeiro pascal cujo sangue aspergido nas portas das
casas livraram os hebreus das pragas do Egito (cf. Ex 12,1ss), aspecto que
recorre em Jo 19,14.31-36; pode ainda ligar-se a Ap 17,14, em que o Cordeiro
imolado é apresentado como vitorioso. O “cordeiro de Deus” é aquele a quem a
missão de João Batista está subordinada (cf. Jo 1,30-31). O reconhecimento do
Filho de Deus se dá por uma “visão” (cf. Jo 1,32-34), entenda-se, por
revelação, por uma experiência interna e pessoal de Deus. O critério do
reconhecimento é a inabitação do Espírito em Jesus. Essa visão em que o
Espírito Santo é tangível na pessoa de Jesus faz com que João declare a
filiação divina do Nazareno (cf. Jo 1,34).
Carlos Alberto Contieri, sj
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