A riqueza do evangelho é tal que ele precisa ser saboreado
internamente. Todo o capítulo 24 de Lucas pode ser considerado como um resumo
de todo o seu evangelho. Cada um dos evangelhos é fruto da experiência pascal
dos discípulos. Nesse sentido, trata-se de um testemunho de fé. Cada trecho do
evangelho é uma verdadeira Páscoa: da cegueira à visão, da enfermidade à cura, da
morte à vida, da tristeza à alegria, da falta da esperança à esperança, do ódio
e rancor ao amor. O relato dos discípulos de Emaús é, do início ao fim, uma
Páscoa. O caminho que separa Jerusalém de Emaús é metáfora de um caminho muito
mais longo, o caminho através das Escrituras, em que a lição de exegese dada
por Jesus aos dois discípulos oferece condições de eles reconhecerem o Senhor
no partir o pão.
A morte de Jesus representou uma forte frustração para
aqueles que punham nele as esperanças messiânicas (cf. v. 21) e fez com que,
por um instante, a comunidade dos discípulos entrasse em crise. O nosso texto
visa transmitir o fato que permitiu a passagem do abatimento à alegria, do ver
ao reconhecer. O espaço teológico-espiritual entre o ver e o reconhecer
permitiu a Jesus a lição de exegese. No tempo do reconhecimento os discípulos
confessarão que foi ela que os transformou (cf. v. 32). A explicação e
compreensão da Escritura, à luz da ressurreição do Senhor, abriram os olhos
para o reconhecimento. A primeira ressurreição, para os discípulos é, então, a
da memória. Eles compreenderam, então, que o Senhor que se apresenta vivo no
meio deles, de alguma forma, estava presente em toda a Escritura que, por sua
vez, encontra nele sua plenitude e sentido. Quando do reconhecimento o Senhor
desapareceu da vista deles. É que a visão física não é mais necessária para
“ver” o Senhor. Mesmo invisível aos olhos, o Senhor está e permanecerá
presente. A invisibilidade não significa, no que diz respeito à fé, ausência. Fato,
aliás, que eles nem sequer mencionam, como se a visibilidade não tivesse a
menor importância. O que retém a atenção deles, e torna-se objeto da mensagem
transmitida aos demais discípulos, é o acontecido no caminho para Emaús, no
tempo que precedeu o reconhecimento (cf. v. 35), tempo de escuta, em que o
Mestre ressuscitado continua a instruir os seus discípulos. Se a morte
dispersou os discípulos, a experiência do Ressuscitado os congrega (cf. v. 33).
Fonte Carlos Alberto Contieri,
sj - Paulinas
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