Certamente, com este relato dos discípulos de Emaús, próprio
a Lucas, estamos diante de uma das páginas mais belas do Novo Testamento. Há
uma profunda transformação vivida por aqueles dois discípulos que, depois da
morte de Jesus, voltavam para a sua pátria: da frustração e do abatimento à
alegria e o encontro com a Comunidade iluminada e revigorada pela experiência
de que o Senhor vive. É bom que se esclareça, agora, duas coisas: os relatos
das “aparições do Senhor” não visam dizer como Jesus ressuscitou dos mortos,
mas como os discípulos fizeram a experiência de que ele havia sido ressuscitado
e estava presente no meio deles. A presença do Ressuscitado não é evidente; é
preciso um “caminho” para chegar a reconhecê-lo.
A morte de Jesus representou uma forte frustração para
aqueles que punham nele as esperanças do Messias. Há no relato um espaço de
tempo que separa o “ver” do “reconhecer”. O nosso texto visa transmitir o fato
que permitiu a passagem do ver ao reconhecer. O espaço teológico-espiritual
entre o ver e o reconhecer permitiu a Jesus a lição de exegese. No tempo do
reconhecimento os discípulos confessarão que foi ela que os transformou: “não
ardia o nosso coração quando, pelo caminho, ele nos explicava as Escrituras?”.
A explicação e a compreensão da Escritura, à luz da ressurreição do Senhor,
abriram os olhos para o reconhecimento. A primeira ressurreição, para os
discípulos, é a da memória. Eles compreenderam, então, que o Senhor que se
apresenta vivo no meio deles, de alguma forma, estava presente em toda a
Escritura, que, por sua vez, encontra nele sua plenitude e sentido. Quando do
reconhecimento, o Senhor desapareceu da vista deles. É que a visão física não é
mais necessária para “ver” o Senhor. Mesmo invisível aos olhos, o Senhor está e
permanecerá presente. A invisibilidade não significa, no que diz respeito à fé,
ausência. Fato, aliás, que eles nem sequer mencionam, como se a visibilidade
não tivesse a menor importância. O que retém a atenção, e é objeto da mensagem
deles aos demais discípulos, é o acontecido no caminho para Emaús, no tempo que
precedeu o reconhecimento, tempo de escuta, em que o Mestre ressuscitado
continua a instruir os seus discípulos. Se a morte dispersou os discípulos, a
experiência do Ressuscitado os congrega.
Fonte Carlos Alberto Contieri,
sj - Paulinas
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